Capítulo 20: Jovem Padre

*ALERTA DE GATILHOS: PROCESSO DO LUTO, SOLIDÃO, ANSIEDADE E PRESSÃO PSICOLÓGICA.

*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: From Finner - Of Monsters and Men e homecoming - New West

Permanecer por poucos dias correspondeu como uma decisão madura para um jovem com seus quase dezoito anos.

Todavia, o dia do velório não frequentado de sua avó havia se rompido com suas forças, fora a rápida aproximação da finalização dos estudos de Franco no internato católico que pesava a mente já bagunçada do último Gregori.

Cumprira seis anos na convivência de padres e aprendendo ensinamentos cristãos. Além de suas descobertas mais embaraçosas e as perseguições unidas com as críticas do Padre Mohr, ele reagiu preparado no intuito de seguir o caminho que optasse.

Estar no tal ambiente, tornou-se essencial em proveito de sua construção.

Ao chegar o dia do retorno, ele organizou suas coisas nas bagagens e recebeu um aceno educado da parte do Reverendo Gaspar que o notou deprimido, porém amável.

O vigário o visualizava similar a um filho do coração. Gostaria de protegê-lo, contudo, Franco já não era mais pertencente àquele ambiente. Entretanto, ainda sondado pela igreja.

O jovem rapaz se despediu dos sacerdotes restantes que o aceitavam e voltando ao Padre Mohr, no instante que o táxi esperava próximo do portão, Franco largou suas malas no chão, uniu as duas mãos posicionadas à frente de seu corpo, curvou-se com a cabeça e reverenciou o clérigo:

— Embora eu nunca tenha gostado do senhor, Padre Mohr, creio que o detesto profundamente.

O pároco entortou os lábios, cerrou os dentes por dentro, entretanto, compreendeu que a opinião dele retribuía sincera.

— Admito que foi um ótimo professor. De fato, nenhuma vez me apresentei como um perfeito aluno nas suas aulas, no entanto, me esforcei ao máximo em prol de prestar atenção em tudo. Me perdoe em metades. Porém, em partes, estou correto em admitir isso.

— O que disse? — Mohr ondulou as sobrancelhas.

— Somos jovens rebeldes neste lugar, padre. Suas aulas sempre foram entediantes e no fundo o senhor sabe disso.

— Ora, seu pirralho... — resmungou, espremeu os punhos e desejou conceder uma surra nele que se entregou num sorriso ao apanhar as bagagens.

— Padre Mohr! — a voz estridente do Reverendo impediu a fúria. — Deixe-o em paz. Obviamente será a última vez que o verá. Mas admita que o garoto lhe fará uma tremenda falta — Reverendo Gaspar sorriu humilde e apresentou leves tapinhas nas costas de Mohr, que permaneceu a expressar revolta. — Cuide-se bem, menino! — o Reverendo findou suas palavras e recebeu uma piscadela do Gregori.

— Não prometo nada, Reverendo Gaspar. Mas tentarei.

Ultrapassando do portão ao transporte, Franco fora acudido pelo motorista, a fim de pôr seus objetos no porta-malas e ao entrar no veículo, acenou e agradeceu aos padres por toda estadia naquele ambiente.

De certa maneira, equivaleu a uma boa experiência.

Até a data, também havia devolvido o aparelho celular do William, seu companheiro de dormitório.

William se irritou, mas encerrou sua desaprovação e o perdoou.

Assim, o menino de madeixas acobreadas retornava à sua cidade e sentia-se ansioso em rever Gaya.

Porém, antes de vê-la, ao chegar em casa, abandonou seus pertences na porta de entrada e apreciou a residência serena e pouco iluminada de dia. Analisou as mobílias, relembrou de sua avó e o cuidado que ela mantinha acerca das "míseras" heranças de família, até recordar que seu corpo se deparava ocultado a sete palmos da terra.

Franco posicionou as malas próximas do sofá plastificado, conferiu a casa mais uma vez e prosseguiu em passos ligeiros até o cemitério onde Moniese provavelmente se encontrava.

Percorrendo acima da grama macia e verdejante que encaminhava até os túmulos, Franco avistou ao fundo uma lápide desgastada semelhante às demais.

Naquele horário apenas restava o jardineiro aparando alguns caules secos de flores que nasciam ao redor de alguns túmulos.

Sendo a única presença viva junto ao amaldiçoado.

Se o espírito dela pudesse se comunicar, exigiria que fosse enterrada num espaço separado dos outros falecidos, para repousar perpétua abaixo de uma bela lápide de mármore branca e escrituras douradas. Ou talvez num mausoléu na presença de seus antepassados.

Em especial, próximo do filho. Contudo, Franco I e sua mãe descansavam em campos-santos diferentes por escolha da igreja.

Franco libertou um riso tristonho entre os lábios quando a viu agregada no convívio dos finados que possuíam uma vida diferente de sua família nobre.

Observando ao seu redor, caçou algumas das flores de campo, distante da visão do jardineiro e caminhou até elas de modo a arrancar entre olhos suspeitos que temiam ser apanhados pelo rapaz que assobiava concentrado no trabalho.

Sem dúvidas, supôs que Gaya iria se queixar por não ter solicitado a devida permissão.

Todavia, retornou, conservou-se de frente ao túmulo, se agachou na intenção de sobrepor as flores no local e sorriu sereno, anasalado. Deparava-se pronto, capacitado em desabafar com a falecida avó:

— Vovó... — suspirou plácido como jamais esteve. — Comportou-se teimosa ao manifestar desejo em ser enterrada no lugar mais nobre como honra à nossa família, contudo, esqueceu que o meu trisavô Franco II nos faliu quando embarcou no Titanic e apostou nossas escassas riquezas. Foi o que me disse, lembra? — riu envergonhado.

O jardineiro passou por ele. Seu olhar desconfiado naquele jovem o fez entrar na igreja enquanto limpava as mãos na calça jeans.

— E lamentavelmente, o que não é de se esperar, a maioria do nosso dinheiro naufragou junto ao navio. Ele só nos deixou objetos e o que isso importa agora?

Aguardou em silêncio e analisou inquieto o túmulo, até espalhar as primeiras e sofridas lágrimas.

— Recordo-me das explanações bíblicas do Reverendo Gaspar: "nascemos do pó e para ele retornaremos". Nunca fez tanto sentido em vê-la abaixo da terra. Perdi a oportunidade de me despedir para dizer que concluí enfim os anos no internato como ambicionou. Entretanto, permaneço o idêntico garoto de sempre, vovó.

Naquela ocasião, Franco removeu envergonhado uma das luvas, expôs suas mãos bem desenhadas, alvas, que transpareciam vasos sanguíneos meio azulados e meramente trêmulas, similares às de um melancólico pintor.

Além de carregar aquela cicatriz vermelha que o recordou dos torturantes momentos ao lado de sua mãe que precisava de ajuda.

Junto ao momento, a brisa daquela atmosfera tocou seu rosto macio e sussurrou na intenção de acalentá-lo:

— Ausente destas luvas e esta cicatriz que não dói como naquele dia, permito que enxergue os meus fragmentos vulneráveis pela última vez. Embora o profundo sofrimento continue sendo a angústia interna, ela sim me machuca a cada ano que completo mais uma juventude. E além de colecionar folhas secas, acumulo decepções familiares. Soa até hilário, porém, acolherei esse triste registro — suspirou com o uivo do vento. — Por isso, deixo meu desabafo e eu lhe perdoo, vovó. Apesar que, nem sequer suplicou por clemência e em nenhuma circunstância perdoou as pessoas na qual feriu. Mas logo farei. Escreverei uma nova página da nossa história, da nossa linhagem.

Fungou enquanto se libertava.

— E caso eu morra, assim que nem você, na pior das hipóteses partirei ciente de que cumpri minha trajetória e fiz a diferença.

Ele se ajoelhou, afundou na grama, tocou o mármore, sentiu a aspereza, o frio da morte e removeu um peso de seu corpo.

— Não me tornarei herói ou nada semelhante, mas tão humano quanto já sou.

Repousado na dor, oposto à partida do Sr. Callahan, Franco sentiu-se apenas solitário, nem ao menos desamparado, pois contaria a partir dali, seguindo dos ciclos que virão, junto ao apoio das Demdike.

Principalmente da Gaya.

Quando estava prestes a alcançar sua casa, sustentado pelos pés e panturrilhas cansadas ao decorrer do percurso, composto nas suas luvas e cabisbaixo em decorrência ao encontro no cemitério, ele suspendeu seus passos assim que notou um par de sapatilhas vermelhas e cintilantes — fora a calça jeans — posicionadas na sua frente.

Erguendo vagaroso a cabeça de modo a descobrir sobre quem se tratava, de baixo para cima, o seu coração palpitou em sequências até perceber que a pessoa na qual lhe interrompeu segurava uma pequena flor-do-campo, disposta a lhe entregar.

— Vo-você... — suspirou ao enxergá-la.

— Elas me revelaram que alguém roubou uma de suas irmãs sem o consentimento. Portanto, pedi a permissão para trazê-la aqui e receber suas lamentações.

Gaya estendeu a mão e entregou a florzinha ao Franco, que se tornou imóvel diante da menina. Presenciara a mais bela criatura esculpida pela entidade divina.

Pensava assim, enquanto sua boca se entreabriu.

Há seis anos que não a via. Era demais para Franco.

Um apaixonado surpreendido, que emanava nervosismo.

— Não vai pegá-la? Aguarda suas desculpas, garoto de nome estranho. Ande logo! — menção às boas fases que jamais retornarão. — Hoje, mais cedo, a Sra. Edith bocejava na janela, três moscas entraram em sua boca e saíram pelo nariz. Dizem ser pragas bíblicas.

Se eu fosse você, deveria tomar cuidado.

Ligeiro, ele selou os lábios e sorriu numa linha tênue.

No entanto, logo desuniu de modo a clamar por perdão.

— Me perdoe, natureza... — revirou os olhos e desacreditou.

— Pronuncie direito, Franco! — protestou situando-se no meio da rua e provocou um dos vizinhos que resmungou da janela. — Perdão, Sr. Lerman! — retomou a atenção ao Franco. — Ande logo com isso, Franco. Seja humilde.

— Está bem, está bem! Mal retornei e me recebe assim? — tornou-se incomodado. — Nossa, como você está lin... — fora interrompido após as bochechas ruborizarem e seus olhos clamarem por ela.

— Vai! — resmungou e implorou mais uma vez.

— Tudo bem... — bateu um dos pés no chão. — Me perdoe, Mãe Terra. Me absolva por ultrapassar a sua permissão. Prometo que jamais desobedecerei e respeitarei tudo o que lhe pertencer — durante a rogatória, ele uniu as mãos em reza e fez Gaya bufar.

— Foi sincero?

— Mais que sincero, Gaya. Caso eu seja um mentiroso, prefiro que a Mãe Terra me mate agora — a menina arregalou os olhos.

— Nunca fale essas tolices nem por brincadeira! Desconhece o que diz, Franco!

— Foi genuíno, mas o que eu esperava seria uma agradável recepção proveniente da minha melhor amiga. Me atendeu com autoridade e ainda escondeu a satisfação por me ver?

Obrigado, Gaya!

— Ahhh Franco, me desculpe!

Ele acatou e solicitou calma.

— Sinto muito pelo o que ocorreu com sua avó. Me sinto levemente culpada, pois... — o jovem suplicou por silêncio ao gesticular as mãos.

— Shhh... Não foi sua culpa. Mal retornei ao bairro e estou sem paciência para as fofocas dos vizinhos sobre você. Sabemos como minha avó se portava. Agora preciso me afastar de tudo o que se alinha ao passado. Pelo bem da minha cabeça e nossa amizade.

— É o que falam aos ventos. Mas entende as incontáveis saudades por você, não é? Esperei para me perdoar pessoalmente.

Se aproximou um pouco mais dele, que correspondeu cruzando olhares alarmantes entre pupilas expandidas.

Franco não era o mesmo garoto que partira daquela rua pela última vez.

— A única pessoa que implora por perdão sou eu, Gaya. Agora temos todo o tempo do mundo para conversarmos melhor.

Inesperado quanto ao clima de Rye, os dois jovens acalmaram suas saudades sem abraços ou apertos de mão por submissão à fobia ao toque. Entretanto, como de costume, os olhares espelhavam outros sentimentos.

Havia conforto entre a relação amigável de Franco e Gaya e tudo se normalizou gradualmente. Até o dia em que ele resolveu organizar no escritório todas as coisas que seu pai deixara em vida.

Aparentava que o Sr. Callahan posteriormente planejava cada detalhe antes de seu fim. Afinal, acreditar num infortúnio de séculos, o motivou a tomar atitudes prévias.

Entretanto, duas folhas unidas e estranhas com selos da igreja em ceras vermelho bordô foram encontradas por Franco, que evidenciou excessiva curiosidade.

Algo como "Indulgências Ante Mortem", acobertadas por uma falsa abertura na gaveta da mesa.

Somente papéis velhos, rachados pelo tempo, contudo, as letras prevaleceram legíveis e permitiram-no enxergar ausente dos óculos.

Seguindo as lembranças das breves e cansativas aulas de latim, recordara que 'ante mortem' transmitia uma sensação estranha e há tempos que não ouvia falar das indulgências.

Seus olhos contornaram cada detalhe das palavras feitas por uma antiga máquina de escrever, semelhante às que ele utilizava na biblioteca do internato.

Algumas partes vazias e afundadas pela ponta de uma caneta sem tinta, sobressaltaram o Gregori que se mostrava disposto a entender o motivo de não haver nenhum vestígio entre as que foram feitas pelo equipamento inutilizados na vida atual.

Resultava num possível enigma a ser resolvido, mas não deu tanta importância e organizou as folhas numa das estantes, entre duas bíblias.

O Gregori considerava achar folhetos que se alinhassem ao medo acerca da maldição, porém, tudo indicava que seu pai não se importava com o infortúnio.

Coisas maiores perturbavam sua cabeça, o preparando para evitar problemas futuros. Algo que estava próximo de se cumprir por intervenção da falecida matriarca.

E após somar uma necessária quantia de dinheiro ao decorrer dos anos como pintor, o Sr. Callahan assinou um testamento acobertado judicialmente enquanto existia, junto ao surpreendente apoio de Moniese — por mais que o garoto desacreditasse —, que declarava seu filho o único portador de todos os bens da família Gregori. A contar da casa até os objetos menos valiosos.

Conservava numa pasta, além das documentações precisas e armazenadas nas gavetas da principal mobília do cômodo.

Embora a maioria dos artefatos tivesse sido trocados de lugar através da falecida Moniese, Franco estranhava o similar quadro pincelado pelo seu pai e posicionado no mesmo ambiente de sempre.

As "Anêmonas Cruciantes", obra artística do Sr. Callahan, se destacava na parede predominante, porém de alguma maneira torturava Franco ao recordar da morte de seu progenitor.

Desagradando com a tela na parede, conforme sinônimo de revolta, o jovem a retirou impaciente e impeliu um pequeno papel dobrado cair ao chão por detrás da moldura.

Ao abandonar a pintura encostada no canto do gabinete, ele apanhou trêmulo o escrito em decorrência ao princípio de nervosismo, observou a janela do escritório de forma receosa, paciente, e separou cada uma de suas dobras.

Se encontrava envelhecida e continha manchas amarelas, surradas, uma folha conservada há anos.

Quando finalmente leu, seu coração gelou, assim como seus dedos nervosos.

Duvidava que ainda se sentiria frágil, semelhante a uma das folhas capazes de se fragmentarem ao serem tocadas.

Depositando suas lágrimas sobre o velho papel, Franco percorreu as breves linhas acompanhadas dos olhos aflitos e sustentou um imenso aperto na alma. O que estava registrado mudaria todo o seu caminhar:

Pequeno Franco,

Se em algum dia manusear este bilhete, saiba que temo pela sua vida. Não sei como irá se deparar daqui para frente, todavia, almejo que consiga ler antes das decisões precipitadas. Releve o que fiz esta noite, porém, no fundo, somente agi em nome da virtude.

Repugno que uma maldição finalize uma vida tão preciosa quanto a sua. Acreditará que arremesso "palavras ao vento", contudo, elas são sinceras. E na hipótese de partir antes de ti, me consideraria feliz em saber que poderá se tornar um seminarista. Estarei lhe observando do céu e a zelar em prol de sua existência.

E por favor, se me compreender e sensibilizar com o que sinto, pense com sabedoria a respeito dos passos que trilhará. Eu te amo, embora oculte, mas te quero bem. Apesar disso, o meu maior sonho resulta em vê-lo subir no púlpito da Igreja Oratória de Oxford, como o meu amado padre. Como esperei testemunhar no lugar de seu pai. Esperarei ansiosa por esse acontecimento. Boa noite, querido.

Com ternura,

Vovó Moniese.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top