Capítulo 15: O Sumiço de Ninguém
*ALERTA DE GATILHOS: ANSIEDADE, AFEFOBIA E PRESSÃO PSICOLÓGICA.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: End of The Road - The Snuts, Rachel Chinouriri
21 de Setembro de 2003: Três dias depois do Último Quarto Crescente
O motorista do ônibus observou aquele menino de onze anos sob um olhar desconfiado, até se questionar por onde se encontravam os seus pais, enquanto Franco subia de modo a sentar ao lado de uma das janelas.
Mal possuía conhecimento que o pai havia falecido e a mãe, naquela ocasião, jamais desejaria revê-lo e vivia num lugar bem distante da cidade, com uma nova vida.
Um garoto solitário naquele horário da noite? Realmente estranho para quem presenciava a cena de longe. Porém, na consciência de Franco sucedia num ato de coragem, visto que nunca arriscou em sair desacompanhado no decorrer da escuridão e deslocar pela primeira vez num transporte público.
Confrontar Moniese daquela maneira, apesar da insegurança, manifestou digno de reconhecimento.
Ele observou as ruas mediante aos olhos opacos, perdidos e inglórios durante o percurso até Rye, além de inspirar profundo o ar gélido da noite silenciosa.
Ao agarrar a mochila próximo ao corpo, suas mãos em luvas tornaram-se inquietas, formigantes e admitiram nervosismo em rever Gaya.
Recordou que antes de escapar do internato, havia furtado um dos aparelhos telefônicos de seu colega de quarto. Não reagiu na maldade, pois intencionava se comunicar com o Dr. Kai.
O psicólogo recusou abandoná-lo. Tornou-se um dos poucos que restaram.
Franco memorizou por incontáveis oportunidades o número de contato do médico ao longo das frequências no consultório, posterior ao falecimento de seu pai. Ele o assegurou que, caso vivenciasse uma conjunção emergente, o comunicasse.
— Dr. Solomon Kai, boa noite. Com quem falo? — o psicólogo despertara de seu descanso, ligou o abajur na lateral de sua cama e relutou abraçado pela esposa que o desejou regressar ao sono.
— Querido, você precisa descansar — resmungou a esposa e insistiu até se virar para o lado.
Era uma mulher negra retinta como seu marido.
— Tudo bem, meu amor. Já retornarei ao descanso. Fique tranquila.
Com o telefone afastado, entregou um beijo casto na bochecha da amada. Ele a amava com toda a vida.
— Alô? Com quem falo? — repetiu sonolento e alertou o menino.
— Dr. Kai, sou eu, Franco Gregori. Lembra de mim? — o garoto se animou ao ouvir a voz do considerado amigo. Até se mexeu no assento e o motorista o verificou através do retrovisor.
O Dr. Kai despertou do colchão num pulo, assustou sua companheira, recolheu suas pantufas do chão unidas aos pés apressados, caminhou pela casa até a sala enquanto segurava o telefone unido à orelha e coçou os cabelos crespos.
Angustiado pelo menino, nunca recebera uma ligação noturna proveniente dele. Ainda por cima, ultrapassou um tempo sem manter a comunicação por culpa e proibição de Moniese.
— Mas é óbvio que me recordo de ti, Franco! Como esqueceria? — ao responder num tom aprazível e baixo, conferiu a rua vazia em atenção por meio da persiana do cômodo. Crendo que ele se encontraria bem na frente de sua residência. — E então, por qual motivo me ligou? Aconteceu alguma situação no internato? Algo preocupante?
— Fugi, Dr. Kai. Não suportava viver naquela espécie de prisão. Agora me deparo no primeiro coletivo para Rye. Não acha engraçado?
Reparou outra vez a proximidade até sua cidade natal através da janela entreaberta e notou o condutor aflito pela solidão dele.
— Acredito que em breve retornarei. Perguntarei ao motorista sobre em qual lugar devo descer. Jamais entrei num ônibus em toda a minha vida — sorriu tímido e empolgado.
— Como assim, Franco? Fugiu do internato?! — o rapaz anulou o que o menino falou em seguida.
Seu olhar alarmado percorreu os quadros na parede até se aproximar do que foi entregue por Franco.
— E sua avó desconfia disso?
— Que ela nem sonhe, doutor — suou frio. — Estou seguindo até o lar de Gaya e preciso revê-la. No entanto, por favor, não conte nada para a minha avó.
— Não, pode ficar tranquilo, pois não contarei absolutamente nada.
Ele se levantou do banco, segurou as barras do veículo, balançou-se junto ao movimento, compareceu na direção do motorista e o perguntou a respeito de onde deveria descer perto da Rua Mermaid.
Enquanto isso, a chamada telefônica permanecia e Dr. Kai o aguardava inquieto.
Por fim, ele adquiriu a informação necessária por intermédio do condutor que o analisou preocupado pela ausência de adultos, e ao retornar com o telefonema, Franco admitiu ao médico que errou somente numa única coisa:
— Só consegui me comunicar com o senhor, pois
infelizmente furtei o aparelho telefônico do William e que ele me perdoe logo que o devolver. Mas eu precisava contactar, porque me notei receoso antes de fugir. Porém, percebendo com atenção, não me arrependo.
O psicólogo posicionou uma das mãos apoiadas sobre a testa, seus lábios se curvaram num sorriso e considerou todo o comportamento bastante inocente, enquanto Franco sustentava sua mochila acomodada nas costas e prendeu o celular entre a orelha e o ombro.
— Franco, nunca deveria ter agido dessa forma. Sabe que é errado.
— Eu sei, eu sei... — bufou e o ar escapou gelado entre os lábios.
— Compreendo que se sentia insatisfeito no internato, porém, em particular, considero esta atitude inadequada. Você não é assim.
— Claro que não sou. Mas... — buscou interrompê-lo.
— Ainda mais em respeito aos perigos que existem no mundo e lamento profundamente que passe por isso. Contudo... — fez-se uma breve pausa — ... virão boas e más consequências com seu ato. Detesto ser tão alarmante, todavia, é indispensável reforçar.
Respirou afobado, fechou as pálpebras e transpassou preocupação através da ligação, no similar momento que sua esposa surgiu para chamá-lo de volta à cama.
— Estou um pouco perdido, Dr. Kai. Mas de fato não me arrependo do que fiz — Kai sentia a aflição do Gregori de longe. — Não completamente. Preciso recusar o que minha avó deseja para mim. Me afastar do que não sou e nem quero ser.
Sua mente insistia em estar certo.
— Aceita um conselho? — a esposa desistiu de chamá-lo. — Conselho de amigo — riu e afastou a figura de psicólogo.
— Todos são válidos. Seus conselhos são faróis, doutor.
Suas doces palavras à distância abraçaram o coração de Kai.
— Quando eu possuía sua idade e não tinha cabelos brancos como agora — coçou a cabeça —, para me sentir acolhido no colegial, gradualmente me vestia mais "comportado" que hoje como é exigido da minha parte profissional. Andava na companhia de amizades que não tinham gostos em comum, frutos de famílias rígidas e que escutavam artistas engessados entre os intervalos de aula — riu desconcertado. — As influências não gostavam de Led Zeppelin feito eu. O que era comum de se ouvir na minha época.
— Nunca conheci, doutor. Futuramente posso escutar e gostar, feito Queen.
Kai considerava a vontade de Franco conhecer coisas que durante muito tempo não detinha conhecimento.
— Eu amava e ainda gosto de Led Zeppelin. Deixei meu cabelo crespo crescer, meu guarda-roupa se preencher de calças jeans, anéis, camisas soltas com estampas e no final eu reprimia e temia que fosse rejeitado e decepcionar meu círculo de amizades que já não era receptivo com o estilo musical. O medo de não fazer parte de nada. Eu me perdia entre quem eu não sou. Me forçava a entrar num buraco de minhoca que não me cabia.
Franco se aproximava da rua.
— Mas num certo dia, a minha bela e amável avó, que fazia de tudo para comprar os discos da banda só para me arrancar sorrisos e olhos brilhantes — as lembranças da infância tomaram sua consciência —, notou minhas diferenças através de pistas, indiretas que eu expunha para me acomodar onde nunca quis estar, estranhamente me convidou para fazer uma omelete de atum com verduras pela primeira vez na vida. Sendo que ela não gostava de repassar suas receitas, pois as omeletes que minha avó fazia, Franco, eram sobrenaturais de bons. E aquele momento se tornou uma das memórias mais nítidas de todas.
As lembranças também cheiravam a pudim, torta, mousse e apreciavam feito tardes alaranjadas de verão.
— Omelete de atum com verduras? Estou confuso, me perdoe.
Kai preparava o solo para plantar as sementes na mente do Gregori.
— Ela fazia omeletes durante todas as manhãs, mas nunca havia me chamado para ajudá-la.
A idosa lembrava Anika Demdike na aparência.
— Enquanto eu preparava os ingredientes na mesa, esqueci o mais importante: os ovos. Como ela era encantadora, se aproximou da geladeira, adicionou os ovos ao meu lado e marcou em mim que "não se pode fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos". E aquilo se encaixou perfeitamente como um conselho, pois ela nunca se mostrou boa em me chamar para conversar. Era a forma mais incrível de plantar conselhos na consciência de um adolescente.
Descansou no sofá.
— Assim me desatei daquelas amizades e colei de volta meus pôsteres do Led Zeppelin na porta do armário.
A avó de Kai era silenciosa com as palavras, mas quando desatava os lábios, de sua boca saía conhecimento.
— Sabe o que significa tudo isso? — os grilos cantavam.
— Hum... — pensou. — Algo como "nossas mudanças podem machucar algumas pessoas. Mas, de certo modo, se tornará algo relevante para nós?" — pensou mais um pouco. — Decepcionar algumas pessoas é menos pior que decepcionar a si — acertou na mosca. — E caso não nos aceitarem ou nos entenderem, não deve ser nada conosco, estou certo? É sobre as outras pessoas.
— Você é inteligente, Franco — orgulhou o garoto que há tempos não elevaram tanto sua autoestima.
— Nem em todas as disciplinas, doutor — brincou sendo modesto e ambos riram.
— Não só inteligente como corajoso, até entre as inseguranças. Entendeu finalmente que está rompendo uma imposição para se sentir satisfeito, fazer o que lhe preenche de bem-estar. Está buscando o máximo de conforto.
— Há tempos que eu não me sentia livre em escapar de onde nunca quis estar, Dr. Kai.
— Admirável... admirável — concordou com a cabeça. — Continue agindo com suas vontades próprias e cautela, garoto. Para ser sincero, não será fácil, belo e compreensível. Mas continue a trilhar.
— Não desistirei, doutor. Confie em mim.
— Confio mais que minha própria sombra. E mais uma coisa... — preocupou Franco. — Não se esqueça de devolver o aparelho do garoto.
Riu, mas falou sério.
— Jamais se esqueça de retornar a mim quando precisar. Regressando à Rye, anseio que as Demdike lhe recebam como sempre fizeram. Se apresente cauteloso acerca de sua avó e para qualquer coisa, me comunique. Lamento, pois, após alguns alertas — referiu-se a uma advertência em carta da Sociedade Britânica de Psicologia — só manterei um determinado limite entre nós. Com você sendo um paciente é apenas permitida essa delimitada proximidade. Embora eu desejasse interferir no necessário para lhe proteger — suas sobrancelhas uniram-se apreensivas.
— Tudo bem, Dr. Kai. Telefone de volta às devidas mãos e estarei acolhido com as Demdike. Dessa vez tudo ficará bem.
Em seu interior, após conhecer aquele pequeno paciente durante anos, ao compreender suas dores e perdas, ainda que o profissionalismo lhe impedisse de determinar uma aproximação pessoal, desejava defender o garoto de todo o mal.
Sabia que, como a maioria das crianças que vivenciaram situações deploráveis, ele pioraria e possivelmente anularia ajuda psicológica. Por isso ainda cuidava distante.
Tudo era um reflexo da ausência do apoio e compreensão familiar.
O modificaria num futuro adulto mentalmente vulnerável.
Vazia, iluminada pelo luar e o lampião da residência de número cinquenta dos Rutherford, o menino prosseguiu em passos sossegados, mirou o chão de seixos brilhantes e segurou firme as alças da bolsa posta acima das costas.
Rye representava um dos lugares mais sossegados e seguros, além de se exibir pitoresca ao longo da noite úmida e emblemática pelas histórias fantasmagóricas que atraíam turistas curiosos para a cidade.
Ao se aproximar do lar das Demdike, ele se regozijou em avistar a janela aberta e o quarto aceso da sua amiga. O único e vívido ponto de luz dentre os demais lares apagados.
Descartando atenção em relação à sua própria casa e a probabilidade de alguma pessoa escutá-lo, ele clamou pela menina numa voz fraca, quase um sussurro.
Sem sucesso, buscou apressado uma pedrinha perdida no arbusto colado à casa, a limpou contra seu uniforme composto por um suéter de tricô cinza, a mirou e lançou certeiro na direção da janela.
Surpreendentemente conseguiu presenciar a pedra adentrar e comemorou de punho cerrado. Por imediato, animou-se semelhante a um bobo assim que a viu surgir.
— Franco?! Vo-você por aqui? — gaguejou, sobressaltou as escleras e arrumou com as mãos os cabelos bagunçados para se mostrar vaidosa.
Ele sorriu enérgico e admirou sua fascinante bruxa.
— Suba ligeiro, venha! Antes que lhe vejam — inclinou sua cabeça ao exterior, analisou a rua, certificou que não havia ninguém os observando, gesticulou e o convidou para entrar.
Ele subiu por intermédio da escada até alcançar o aposento, onde se surpreendeu com um efêmero abraço entregue pela garota.
Seus olhos esbugalhados em susto e nervosismo, imobilizaram o adolescente e tornaram-no em pedra.
Notou um breve arrepio na espinha e conteve o ar em sua boca.
Gaya nem ao menos se importou com a fobia e reagiu dessa maneira ao revê-lo. Não era o apropriado naquele instante e nem tão cedo.
À medida que o soltou, presenciou o jovem na mesma posição temerosa e se preocupou, até lembrar de que necessitaria ter evitado tal situação.
— Meu Deus! Franco me perdoe, eu te suplico! Senti a necessidade em lhe abraçar, mas eu poderia ter evitado e agora me percebo penitente. Me desculpe — isolou a boca com as duas mãos, desejou ser enterrada viva e suas mãos cheiravam a canela, o marcante perfume do menino.
Recuperando sua orientação, Franco saiu de seu pavoroso transe, contudo, até então detinha o medo de ser tocado, mesmo que em ato caridoso.
Decerto sucedeu numa demonstração de carinho e ele possuía plena consciência disso. Entretanto, se mantinha debilitado psicologicamente ao receber afeto físico.
— Não, não, está tudo bem — seu olhar se desorientou turvo e tentou se encontrar entre os dela. De fato, se abalou com a ação. — Estou me esforçando para retomar os sentidos e você nem sequer tem culpa. Visto que ficamos afastados e nos reencontramos mais uma vez, duvidaria em dispensar sua afeição por mim. Somente estava despreparado para ti. Não tinha como premeditar.
Permitiu escapar um riso nervoso oriundo de seus lábios e por fim, fixou seu olhar nela.
— Ufa! Pensei que você morreria de ansiedade — amoleceu o corpo tensionado. — Meu corpo agiu antes que a mente, Franco.
— O corpo ou apenas o coração?
Gaya enlaçou os braços, o encarou e notou que ele corou.
— Tenho te abraçado com o coração desde que nos conhecemos. Então, entenda ter sido o corpo.
Ao abandonar sua mochila no chão após acalmá-la, Franco se sentou na cama e ela lhe ofereceu um copo d'água, porém, o Gregori rejeitou educado.
Unindo suas mãos escondidas entre as pernas, resolveu explicar o ocorrido do mesmo dia, em Hertfordshire, que resultou em seu regresso à pacata Rye.
Ele riu levemente incontrolável, desacompanhado e causou desconfiança na menina. E movida pela sua reação, Gaya o acompanhou ao seu lado no colchão e aguardou por uma resposta:
— Escapei do internato que me mantiveram, Gaya. Eu fugi — riu, se curvou, posicionou as mãos no rosto e desacreditou no que havia feito.
— Você o quê?! Meu divino universo, o que fez, garoto?
Diferente dele, ela reagiu inicialmente incrédula e repassou seriedade ao enlaçar de novo os braços numa postura autoritária.
— Isso mesmo o que acabou de ouvir.
— Não acredito, não acredito... — repetiu.
— Me libertei do internato e nem tão cedo retornarei. Me senti cansado dessa distância entre nós e das mórbidas ladainhas cristãs.
— Franco, tudo bem se notar insatisfeito, mas sua atitude foi incorreta! E se te sequestrassem ao longo do percurso? Cessassem sua vida ou tanto faz! Ignorou a gravidade das coisas? E sua avó, tem ciência disso? Soube do seu retorno? — aproximou-se dele e o intimidou.
— Está bem, está bem... — se esforçou em confortá-la e gesticulou através das duas mãos. A queria distante — Percebi que errei e o Dr. Kai falou idêntico. Entretanto, apesar disso, me deparava infeliz naquele ambiente até me encorajar para fora daquela "prisão". E não. Minha avó nem sonha com isso. E Deus permita que nunca desconfie. Eu poderia mudar o meu próprio nome e endereço em caso de suspeitas. Ela me mataria.
— Matar você? Coitado... — riu anasalado. — Ela jamais ousaria.
Levantou-se da cama, posicionou um dos punhos fechados acomodados na cintura, a outra mão com apenas o indicador apontado na direção dele e demonstrou dominação.
— Pelo contrário, a partir do ódio pela minha família, sua avó se esforçaria em me queimar viva. Esqueceu que decorreu dessa maneira em que os meus antepassados morreram? Da forma que ela age, nem hesitaria em pôr um fim na minha vida. No entanto, atualmente me encontro preparada para encará-la. Que Moniese nos respeite, porque a maldição talvez se reverta contra ela — o menino sustentou a risada.
— Fique tranquila. Nada de tão grave acontecerá — abaixou a cabeça até retomar os olhos para ela. — Falando nisso, poderia converter a maldição? Me anular como portador? — a esperança transpareceu em seu semblante animado.
— Hum... não sei. Mas eu faria de tudo para que a suposta maldição se distancie de ti. Aliás, desacredito que esse infortúnio lançado pela minha linhagem sobre a sua seja mais perigoso que conviver na presença de sua avó.
— É... concordo por inteiro. Minha avó descobrindo o que fiz, me assusta ainda mais que uma maldição.
Ele decidiu ficar.
Sem enfrentar a matriarca e vizinhos curiosos, Franco considerou se manter escondido na casa das Demdike, sem que as próprias, exclusivamente as mães e avó, soubessem.
E assim descansou.
Acomodado num pequeno colchão guardado embaixo da cama da garota, ele bateu a poeira e teias de aranha com as mãos, repousou composto no uniforme e travesseiro emprestado pela garota, retirou seus sapatos, meias suadas e deixou seus óculos um pouco sujos acima da mesinha de cabeceira.
Quando sossegou os olhos, prosseguiu num sono tranquilo, oposto aos demais em toda a sua vivência na instituição.
Não que o seu quarto fosse horrível ou a presença de William lhe incomodasse bastante, contudo, compartilhava o semelhante espaço com a incrível menina na qual conheceu durante a sua inteira existência.
Se sentia seguro.
22 de Setembro de 2003: Quatro dias depois do Último Quarto Crescente
Na manhã seguinte, com os pássaros a cantarolar aproximados da janela, o dia se demonstrou belo como se a natureza escolhesse aquele lar para repousar os raios do sol. Porém, algo pior que um pesadelo provocou agonia na Rua Mermaid.
Os passarinhos que cantavam desapareceram e fugiram além do céu, as nuvens brancas tornaram-se poluídas no cinza e raios solares secaram sugados pela chegada da presença maléfica.
Gaya pulou da cama num susto, disparou para fora do quarto e desceu através da escada, movida pela curiosidade. Franco, atordoado, ainda caçava os seus óculos acima da mesinha e se esforçava em arrumá-los no rosto.
Insistiu em limpar o borrado de uma das lentes, mas ambicionava saber o que ocorria lá fora.
Assim que desceu, ouvira uma voz apavorante e bem conhecida:
— Devolvam o meu neto, suas infames! Ou... — Moniese vociferou ao lado externo da casa e recebeu desprezo das três Demdike, por intermédio dos olhares.
Gaya igualmente se atentou a respeito daquilo, impressionada, boquiaberta com o tom de voz propagado pela mulher exaltada.
Os demais vizinhos cochichavam entre si, alguns apoiados nas janelas e outros se expuseram para longe de suas residências, abalados pela situação e enxergaram a atitude vergonhosa da Gregori.
Uma delas até se arriscou em se aproximar de modo a tentar acalmá-la, contudo, a matriarca reagiu num forte empurrão de cotovelo, na qual atingira a barriga da moça que se afastou e proferiu xingamentos de incontáveis níveis.
— Ou o quê, Moniese?! — Delphine tomou partido e se posicionou de frente, no intuito de defender sua família. — Seu neto não se encontra por aqui e se estivesse, lhe comunicaríamos. Agora se mantenha sob controle e dê meia volta para sua casa. Nem imagina a vergonha que está passando em nos acusar de uma ação absurda!
Apontou o dedo indicador orientado a ela, que recuou incrédula, mas acreditou que seria amaldiçoada.
— São dissimuladas desta maneira, Demdike? Meu neto foi raptado do internato e desapareceu. Sem dúvidas se situa aqui e agora, implorando por misericórdia para o libertarem, pois, o enfeitiçaram, suas malditas seguidoras do inferno! E digo mais: sua pequena e perversa bruxa o corrompeu! Essa alegoria de Satanás!
— Exijo respeito pela minha filha!
Anya se pôs à frente junto de sua esposa, em defesa da garota, revoltada pelas ofensas direcionadas à sua filha. Gaya reparava todo o acontecimento na ausência do sossego.
Anika se manteve serena, os habitantes presentes quase se recolheram próximos aos outros, de modo a acompanharem o desfecho através das janelas, por trás das cortinas, e de repente, alguém necessário se manifestou a fim de cessar aquela situação constrangedora.
Surpreendendo as Demdike e Moniese, Franco surgiu carregando a mochila na companhia de uma das alças presas aos ombros e expressou fúria na direção de sua avó.
Ao caminhar em passos apressados e pesados, passou por meio das curandeiras, suplicou por remissão em decorrência da eventualidade e encarou a mulher perversa.
Ocupando a atenção de cada um naquela ocasião, ele respirou num pesar torturante e mirou os olhos maldosos de sua progenitora que desviou de encontro às bruxas e se empenhou em culpá-las.
— Vovó, já transitou pela sua cabeça que cheguei até aqui porque eu unicamente quis?
— Nunca agiria desta maneira — revidou.
— Então preciso lhe explicar, ou está sendo um pouco difícil de compreender? — tremeu ao afrontá-la.
— Querido, por que insiste em vir para cá? Se aproximar dessas bruxas, logo elas que lançaram a maldição sobre nós, Franco? — ponderou segurá-lo pelos ombros, porém, suspendeu a ação, por ser intimidada impiedosamente por ele.
— Pare já com isso, vovó! Chega de dramas!
Os curiosos se entreolharam.
— É a verdade! — elevou o tom anterior.
Ele comprimiu os punhos compostos pelas luvas e seu coração acelerou muito antes de admitir o que habitualmente supôs.
— Não! Não é a verdade! — imperou sobre ela. — Já imaginou que qualquer lugar do mundo, principalmente a casa das Demdike, é melhor que me manter na sua presença, vovó? Aliás, qualquer ambiente que me recorde de você?! — o nó na garganta foi desatado.
— Fran-franco... — gaguejou abalada.
— O menino mudou mesmo — Anya cochichou com Anika.
— Ele sempre foi assim, mamãe. A jarra apenas transbordou — Gaya concedeu a resposta ao se intrometer.
As falas simbolizaram conforme extensas lanças afiadas que transpassaram o corpo gélido de Moniese.
Detestava necessitar ouvir tais desabafos, exclusivamente de seu neto, pois considerava como insultos imperdoáveis.
Desconsiderou reavaliar suas acusações ríspidas defronte a ele e aos demais que se opuseram durante todo esse tempo. Negava-se em aceitar os respectivos e insistentes erros. Entretanto, a humilhação tornava-se eminente a qualquer rejeição e Franco havia escapado por um instante do ciclo tortuoso.
Daí em diante, o julgariam análogo a um rebelde aos olhos dos estranhos em Rye. Mas pouco se importava.
Se tratavam de anos acumulando tratamento indiferente a partir de sua avó e resultou na tal conduta. Visto que qualquer local seria superior à sua própria casa, e a residência das Demdike lhe descaberia, após se sentir culpado pela degradação que elas sofreram por culpa de Moniese, decidiu retornar para onde havia fugido anteriormente:
— Você... — sentiu-se traída.
— Já foi o bastante para todos, concorda? — Moniese começou a tremer de ódio. — Por isso, pode sossegar em paz, vovó. Regressarei ao internato e sairei daquele espaço quando eu considerar ser a minha fase ideal. Até logo!
Ergueu a cabeça e afrontou-a numa superioridade. Se direcionou para as Demdike e reverenciou as mulheres. Almejava receber um perdão a respeito da avó.
— Como ousa...
— Sinto profundamente pelo ocorrido anterior, senhoras e Gaya. Jamais compactuarei e aceitarei o comportamento imaturo, ignorante e tóxico da minha avó.
Moniese surpreendeu-se como nunca, já que, no fundo, teimava em acreditar que seu neto se empenharia em lhe proteger.
— Não sei quando retornarei, mas espero ser recebido da forma que sempre fui. Aqui, de fato escolho e considero o meu lar.
— Não se vá, Franco! Eu suplico — exclamou, correu até ele e sua voz enfraqueceu por último. — Não mais.
— Adeus — sua última palavra pressionou o coração de Gaya e a fez lacrimejar.
Novamente distante do seu melhor amigo.
À medida que ele necessitava de seu apoio, por insuportável pressão psicológica depositada por uma avó imprudente, naquele instante se afastariam mais uma vez, porém, naquela ocasião, tratava-se de uma decisão assumida pelo próprio menino. Deparava-se convicto de suas escolhas.
Moniese ainda permaneceu na mesma localização, na similar posição e avistou seu neto prosseguir a caminho da estação de ônibus.
Ela desejava gritar, expor sua revolta, mas repensou. Se manteve orgulhosa, empinou o nariz, percorreu com elegância até sua casa, sem dirigir mais palavras ásperas contra as vizinhas, além dos residentes da rua recolherem-se e simularem que nada ocorrera.
Logo que tudo se acalmou, as Demdike se abrigaram, retornaram ao lar e se mantiveram em silêncio referente ao assunto. Fora uma situação humilhante diante dos vizinhos.
Conquanto, compreenderam a confiança que o Gregori depositou nelas.
E chateadas, ainda pouparam reclamações acerca de Gaya ou qualquer coisa semelhante por esconder o adolescente sem autorização, todavia, entenderam, se sensibilizaram e souberam que seria crucial tomar a atitude de amparar o garoto.
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