Capítulo 7: A Grande Bruxa
*ALERTA DE GATILHOS: CAPÍTULO LIVRE DE GATILHOS.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: 'Tis Autumn - Nat King Cole Trio, Sparks - Coldplay e New Home (Slowed) - Austin Farwell
Logo que as mães, cansadas, desceram a escada rolante e avistaram distante a jovem bruxa animada por vê-las, por segundos, estranharam as mudanças físicas na moça.
Não parecia a mesma Gaya Demdike que saiu tempos atrás de Rye.
Sequer houve palavras.
Mas restaram apenas abraços calorosos, preenchidos de saudade, incontáveis beijos nas testas, bochechas, mãos a se entranhar nas roupas enquanto havia o carinho e soluços misturados com as lágrimas a escorrerem pelos rostos.
Era o reencontro mais lindo e esperado de toda a vida da jovem artista e bruxa.
Assim que os ânimos agitados se aquietaram, atencioso e simpático, Dane se ofereceu para recolher e carregar as duas malas guiadas por Delphine que olhou o rapaz dos pés até a cabeça, num olhar julgador à medida que o corvo demonstrava seus espasmos de costume, a sentir constrangimento.
Porém, Delphine só se assustou com o porte do homem estranho.
Sua filha já se tratava de uma mulher mais alta e agora na companhia de alguém que se assemelhava a Torre de Elizabeth, onde se situa o Grande Sino, na percepção delas, o indivíduo tornou-se um evento.
— E você, querido? Tudo bem? — Dane levantou o olhar cabisbaixo até as bagagens e visou disfarçar os tiques, mas Delphine o interrompeu em meio ao burburinho de pessoas na estação ferroviária. — Não sabia que era tão bonito. Achei que fosse um típico John Lennon — Delphine ainda odiava o Lennon e com motivos, mas apanhou um sorriso do rapaz. — Fico feliz que minha filha esteja bem contigo.
Gaya e Dane disfarçaram e reagiram como um casal. Ela acariciou seus fortes braços e beijou a pele. Precisavam sustentar a mentira, mas o Dawson se contorcia para não rir.
De certo jeito, era tudo bem divertido.
— Uau! Agradeço por tamanha bondade, Sra. Demdike — curvou-se em reverência e Delphine correspondeu num sorriso meigo de mãe. — Contudo, é a Gaya quem ofusca tudo.
Voltou as escleras nela que revirou os globos oculares.
— Ele é bem bonito, hein Gaya? Recorda um famoso! — Anika estreitou os olhos de modo a enxergá-lo com nitidez, contudo, mal conseguiu e fingiu tê-lo visto.
Gaya notou com estranheza sua avó se comportar daquela maneira, porque em tempos remotos, Anika detinha uma visão invejável. De ver formigas e farelos em detalhes.
Além de seu andar cansado com a bengala, pois os ossos choravam.
— Mãe? — Anya atraiu a atenção da matriarca. — De fato enxergou o moço? Ela anda muito cansada — cochichou à filha.
Não queria que Gaya soubesse o que ocorria com Anika.
— Não preciso enxergar melhor para saber que é belo, Anya. Mas que conversa saturada. Olhe para a estatura dele — apontou com o queixo —, é altura de famoso. Se já somos altas, o moço é do tamanho de um armário de livros.
— Sem exageros, vó — escapuliu um sorriso de Gaya e dos demais.
— É um ótimo elogio — Dane replicou.
— E você, querida? Quando voltará a jogar sinuca com sua avó? — Anika deu uma bengalada na neta que afagou o antebraço sofrido.
— Depois da formatura, quem sabe? — acarinhou o ombro da avó após a bengalada. — Podemos virar a noite e enfim, a derrotarei.
— Nunca conseguirá! — andaram um pouco pelo ambiente interno. — Mas precisa ser nesse mês. Estou perdendo as forças, querida — Delphine e Anya se entreolharam tensas e encararam Gaya a se notar confusa.
— O que disse, vovó? — se aproximou de Anika que era menor que ela. Antigamente a jovem batia em suas costelas.
— Sua avó passa um tempo a praticar travessuras como em períodos passados. Você entende, filha. Por isso que Anika está dessa forma. Apenas necessito descansar logo que chegarmos — Delphine soprou destinada a conceder algumas desculpas esfarrapadas.
Mas de repente, nem o barulho absurdo de trens a chegar e pessoas a falar bem alto ao redor, abafaria o silêncio repentino dos cinco. Gaya sentiu que segredos foram ocultados por sua família, mas se buscasse descobrir por intermédio de Anika, as mães iniciariam uma discussão por dias.
Então, preferiu a quietude.
— Filha mudou bastante, não é? Seus cabelos, há tatuagens... continua belíssima — Anya se encantou e Delphine também.
Buscaram reverter o constrangimento.
— Nova cidade, novo visual. Acontece com as melhores pessoas confusas — riu anasalado.
— Nunca tivemos ousadia de fazer essas coisas, mas em você ficou lindo, querida — Delphine se animou com a nova aparência da filha. — Foi bem doloroso, não é?
— Nem tanto mãe — pretendia mostrar com calma cada tatuagem a elas. — Irei convencê-las a tatuar.
— Jamais! Nem pensar — Delphine se espantou. — Dores superficiais não são comigo.
— Ah, eu quero fazer, Sol — Anika brincou. — Uma pequena borboleta.
— Em qual local, vovó?
— Onde um dia seu avô já beijou.
O vexame tomou conta de todos. Dane olhou bem no horizonte e fingiu não ter escutado. Delphine analisou a sogra com olhos suspeitos, Anya selou as pálpebras e apoiou o indicador e polegar na ponte nasal, sem acreditar, e Gaya simplesmente riu sem nenhuma vergonha.
— O que disse, mãe? — sabia onde a idosa se referiu.
— Estou na melhor idade, Anya. Sofri ao engravidar e cuidar de você. Essas novidades do mundo atual não devem ser nada a se comparar. Então, borboleta nessa região, para mim, não doerá tão fácil.
— Bem corajosa, vovó.
Ao atingirem o exterior da estação, entre uma fileira de táxis e viajantes, Dane sinalizou a um dos motoristas que desceu do veículo, os atendeu sem demora e levou as bagagens para o porta-malas.
— É... — Anya se evidenciou perdida. — Gaya, nos leve até o hotel para deixarmos nossos pertences. O pobre rapaz está cansado de carregar as malas.
Anya ajeitou a mãe no banco da frente, pôs o cinto de segurança nela, sua esposa seguiu numa das extremidades de trás e Gaya ainda resolvia com Dane acerca do que fazer.
— Só cabem quatro pessoas no carro — dispôs o braço sobre o teto do automóvel. — Você as acompanha até o hotel e eu sigo atrás em outro táxi.
— Certo. Não nos perca de vista — soprou no ouvido dele.
— Chegarei em seguida. Fique tranquila. Nada acontecerá.
Os dois carros cortaram caminhos até o Hotel Mirage. Considerado o mais acessível para passarem o final de março até abril.
De modo a aguardarem a formatura da bruxa. Se tratava do lugar bem próximo à casa de Gaya.
E há tempos que Anya não saía de Rye. Da última vez, esteve em Liverpool e regressou grávida de um amor perdido num acidente trágico. Seu coração renasceu em Delphine e na sequência, em Gaya.
Assim, se emocionou durante o trajeto ao encostar a testa no vidro e recuperar memórias. Cada decisão tomada carregava desmedida coragem.
1 de Abril de 2018: Sete dias antes do Último Quatro Crescente
A bruxa estava deslumbrante ao descer cada degrau com os pés fixos num salto de tiras vermelhas e cintilantes. Seu vestido longo vermelho cereja de alças finas e com pedrinhas brilhantes colocado por baixo da beca preta com uma pelerine bordô, fora acompanhado por um capelo escuro por cima dos cachos crespos aparados.
No fim da escada, disposto a recebê-la pelas mãos, Dane se anestesiou feito bobo num terno inteiramente preto e adequado para a ocasião.
O cabelo raspado, além das unhas pintadas por ela da mesma cor e os olhos acinzentados contornados pelo delineador escuro, se completava com anéis grossos de prata.
Em sequência da jovem, desceu Anya que a auxiliou a se vestir e Delphine que ajudou a maquiá-la. Enquanto isso, com todos arrumados, Anika descansava no sofá, entre meros cochilos e cabeça a pender por culpa do estofado tão confortável.
Chegou o evento tão ansiado por Gaya Demdike e a própria moça desconhecia haver oportunidades a lhe esperar depois de um tempo distante a escapar da perseguição por responsabilidade da igreja.
Avaliações teatrais se aproximavam, convites de apresentações em recitais...
Se tratava dessa paz como artista que almejava. E o tal dia seria o mais especial. Não permitiria que prejudicassem seu momento.
— Você está... — a mão esquerda de Gaya tocou a de Dane assim que desceu o último degrau e o escutou suspirar.
As irises acinzentadas se acenderam, ferveram, as pupilas se expandiram e os lábios se entreabriram, surpreendidos pela elegante mulher. Se estivesse apaixonado, a pediria em casamento naquele instante. Nem se importaria dela amar àquele que tanto se referia. Porém, sem nome.
— Bonita? — sorriu desconcertada ao se aproximar do corpo de Deangelo que a puxou consigo e quase a fez tocar seu perfumado pescoço.
A voz da jovem inebriou os ouvidos do investigador que atenuava o plano de ambos.
— Encantadora — falou em bom-tom de modo a todas ouvirem e as mães se entreolharam abismadas. — Estou agindo bem? — soprou no ouvido da jovem e ele encarou seu lóbulo a sustentar um pequeno brinco dourado.
— Está dando certo — riu tímida. — Até me convence bem — os rostos se encontraram e o corvo fixou no batom do mesmo tom do vestido.
— E eu entenderia se o seu amado homem ficasse com ciúmes de mim por essa oportunidade — o olhou em completa confusão e notou as escleras correrem em sua boca. — Seus lábios são como cantos de sereia — riu desconcertado.
— Ele não se encontra aqui. Então aprecie conforme o combinado. Entreguemos o espetáculo à minha família.
— Insisti que ela usasse esse vestido. Apesar de todos ficarem perfeitos — Anya interrompeu o falso flerte e Delphine acariciou suas costas.
Entre as duas, parecia também haver uma tensão sexual que se resolveria mais tarde, num dos quartos do hotel.
— Considero ser um bom horário para sairmos — Delphine se portava mais ansiosa que a própria formanda e beijou os lábios da esposa na intenção de tomar a ansiedade.
Ambas seguiram até a sala no intuito de fazer companhia à Anika.
— As senhoras podem nos aguardar por um instante? — Dane notou as duas mexerem nas plantas de Gaya para checarem se a jovem cuidava da forma que ensinaram. — Desejo conversar por um momento com a Gaya, antes de partirmos.
— Tudo bem. Aguardaremos — Anya puxou Delphine para se juntarem a Anika no sofá.
O rapaz apanhou a mão da formanda, a guiou até a cozinha, inclinou o corpo de modo a se certificar que as Demdike estavam na sala e principiaram a dialogar escorados na pia. Por sussurros.
— Embora seja um dia especial, me atentarei a qualquer movimento — por um segundo ela ficou bem nervosa. — Suspeito que nem mesmo na formatura, nos deixarão sossegar. Portanto, caso eu fique fora de seu campo de visão, será por esse motivo.
— Não teriam essa capacidade, Dane. Não é possível que nunca estaremos tranquilos — recuou o rosto e abaixou a cabeça, tensa com toda a situação. — E minha família está aqui — aflita, expressou a sensação logo que voltou a encará-lo.
— É somente um receio — coçou o queixo. — Mas estarei atento em tudo.
Daquela vez não poderia levar armas brancas, mas apostaria em usar de novo a mesma chave que perfurou o olho do padre invasor que se esforçou em matá-lo.
— Sou capaz de me defender, nessa oportunidade. Saltar sobre todos que encostarem em minha família. Nesse momento não me importarei de acabar com a formatura.
— Eu sei, eu sei..., mas se concentre em seu dia — tomou as duas mãos dela nas suas que foram preenchidas por anéis. — Apenas quero que saiba meus movimentos se eu perceber alguma ação estranha.
Ele libertou um suspiro no propósito de aliviar a aflição daquele átimo, pressionou os olhos e respirou imersivo, num ar calmo e sereno, a mudar a face anterior.
— Acho que suas mães nos aguardam. Devem pensar que faremos qualquer ato impróprio — coçou a nuca, tímido.
— Não duvidaria. Principalmente da minha mãe Delphine.
Tratava-se de um grande evento em Londres, feito uma noite de gala. Daquela vez, o clima transitava entre o calor suportável e o ar frio para refrescar formandos e convidados. A cerimônia foi devidamente organizada com variadas flores multicoloridas, iluminação quente e orquestra formada por estudantes pós-graduados no teatro da academia musical.
Contudo, a festividade final ocorreria num magnífico salão colossal nos fundos da instituição.
Entretanto, Gaya havia preparado uma comemoração particular em sua casa, na companhia da estimada família e Dane Dawson. Algo bem intimista, devido aos perigos à espreita.
O espaço refinado se deparava preenchido por pessoas a segurarem taças estreitas com espumantes e faixas na entrada parabenizando os formandos.
Alguns cachos de bexigas douradas presas nas colunas, lustres amarelos opulentes adornados em flores a combinar com as cortinas rosa goiaba, concediam uma aura clássica. E no palco existiam cadeiras douradas ordenadas aos docentes responsáveis por conduzir a solenidade, além do púlpito de madeira adicionado e uma mesa com vários diplomas.
Como de costume, o tablado ainda fora contornado por rosas de diversos tons que combinavam com a atmosfera sofisticada.
No local, de início, a dançar pelas paredes e ouvidos, tocava uma gravação da orquestra Mayon, constituída em maioria pelos próprios alunos, fundada durante o período de formação.
Para os convidados e estudantes, as poltronas do lugar foram divididas na frente, dispostas aos formandos e mais atrás, com vista ampla, selecionaram para familiares ou representantes.
E ao chegarem cedo no local, bem recebidos, Gaya avistou de início uma boa quantidade de colegas animados por toda a organização e pela primeira vez não se sentiu deslocada conforme tempos passados.
O braço enlaçado em Dane que sorria encantado por ela, tomou a atenção dos demais e sua nova aparência confundiu. Podia-se dizer que a bruxa se portava feito a mais deslumbrante da formatura.
Seu corpo tatuado atraiu olhares e cochichos que se misturavam entre elogios e má recepção. Porém, todos sabiam que a Demdike se tornou o momento junto ao rapaz alto e sedutor que a ladeava.
— Estão nos observando — soprou à jovem. — São tão sistemáticos e sem personalidade nessas roupas — debochou de dois rapazes.
— Deixe que nos olhem. Nem todos são corajosos para se libertarem da maneira que nos libertamos.
— Creio se encantarem por você.
— Acha mesmo que aceitam uma mulher preta sendo bela nesse ambiente? — tremulou os lábios. — Acho que se espantam pela coragem. Somente.
— Considero que me vejam semelhante a seu enfeite. Sou como um mero brinco mediante sua beleza. Muitos desejam atingir seus pés, sabia?
— Ah, pare de me bajular — espremeu o antebraço dele.
Toda a festividade foi marcada por lágrimas carregadas de emoção proveniente de cada parente, oradores saudosos por consequência da conclusão e cochichos incessantes por culpa dos estudantes nas últimas poltronas até a almejada entrega dos diplomas.
Em cada formação, chamaram pelos nomes em ordem alfabética que paravam para receber o papel enrolado e serem fotografados. E na vez de Gaya, a bruxa subiu nervosa, contudo, elegante, na plataforma de madeira, foi bem acolhida pelos docentes que lhe abraçaram e elogiaram o seu desempenho como uma das alunas notáveis da turma.
O momento animou sua família e Dane ao extremo até mais uma chuva de aplausos emergir por todo o recinto quando tudo se findou.
Gaya, ao lado dos outros formandos, enxergou tudo aquilo por intermédio do estonteante olhar perdido e tocante, até encontrar sua família de pé à frente dos assentos e Dane que assobiava empolgado. Apoiavam uma de suas maiores conquistas, a Demdike chorou borrando o rímel e pensou como chegou tão longe após lançarem os capelos ao ar.
Em Londres, pessoas feito Gaya Demdike não chegavam a se formar por falta de oportunidades e exclusão social. Carregar um diploma, manter o apoio familiar e ter como alcançar sonhos, a retirava de uma parcela de jovens pretos em situação vulnerável.
Ao descer do palco, com o triunfo em mãos, a bela moça recebeu o abraço caloroso das familiares orgulhosas e seguiu com Anika. A idosa lhe chamou a atenção.
— Parabéns, querida Sol! — a abraçou sentada, assim que não pôde se levantar. — Mais uma bruxa preta formada na família. Orgulho!
Não deveria erguer esforços físicos, mas comemorou como podia.
— Obrigada, querida vovó — a recolheu em seus braços num abraço e cheirou os cabelos alvos.
A matriarca se evidenciou tal qual uma criança indefesa.
— Essa é umas das suas primeiras conquistas, Sol. A próxima acontecerá em Rye. A Mãe Terra me disse, sabia?
Soprou no ouvido da jovem que desentendeu e em sequência sorriu à neta.
— Não voltarei muito cedo para Rye, vovó — beijou as madeixas brancas e cintilantes feito fios de cetim.
Perfumava a lavanda.
— Infelizmente irá, querida. Não queria lhe contar agora, mas seu momento de ser "a grande bruxa", se encontra bem perto do que se imagina.
— Nunca entendo o que diz, vovó — riu desajeitada e desviou o olhar aos demais.
— Você verá. Será histórico.
Amável, a anciã pretendia entregar o que conhecia, mas não revelaria. A entidade da terra solicitou sigilo. Gaya precisava alinhar tudo de maneira natural para, enfim, perceber que não havia nascido em vão.
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