Capítulo 32: O Vôo das Borboletas

*ALERTA DE GATILHOS: ANSIEDADE, DEPRESSÃO, MENÇÃO A SUICÍDIO E PERTURBAÇÃO ESPIRITUAL.

*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Cry For You - New West, Oceans - Seafret e Turning Page - Sleeping At Last

*CAPÍTULO SEM REVISÃO MINUCIOSA.

"Suspeitos protegidos pela igreja?

O Departamento policial de Londres reabriu a minuciosa investigação acerca do assassinato dos padres, Charles R. Nowell e Michael Chatoxx, e asseguraram inexistir interferências externas. Em declaração pública na tarde de ontem, sem seu porta-voz, o chefe de polícia Edmund Cloverfield, interliga a morte da cantora de jazz Lillian McNeill, popularmente conhecida como Ivone Castrell, aos misteriosos crimes contra os sacerdotes. Formando suspeitas acima de membros da igreja católica. Como uma decisão arriscada, o mistério, antes embaraçoso, se alinha em largos passos."

Estampava no jornal apanhado na frente da porta do Gregori.

Passou mais de um mês e ele se conservou como um refém de sua própria casa, recusando saídas, somente recebendo auxílio e visitas calculadas de Kai.

Até o exato momento que recusou.

Antes do seu sumiço, sem qualquer expectativa de visitas, Solomon, em pura preocupação, visitou a residência Gregori. Mais de duas vezes desde o colapso psicológico e emocional do ruivo.

Os boatos em Rye juraram que Franco havia partido, tal qual seus parentes. Seu corpo decomposto mesclaria como parte da esponja do sofá, talvez permanecido na banheira cheia de sangue. Comentavam e nem sequer detinham coragem de prestar qualquer tipo de solidariedade ou assistência. Mas quem passasse na frente da casa dos Gregori, enxergaria algumas luzes acesas em cômodos ao fundo, nas acomodações do primeiro andar e vultos pela janela.

— Você precisa sair dessa cidade, Franco. Não está certo.

Kai bateu as botas no tapete, durante o pôr do sol, e falou fitando os próprios pés para conferir se a poeira das solas saiu. Nas mãos, segurava sacolas de feira.

— Prefiro me manter aqui — escorou no batente da porta à medida que deu acesso para o amigo ultrapassar a entrada.

— Olha como se encontra. Não raspa a barba há uns... o quê? Uma semana? — finalmente o percebeu e sua face expôs preocupação acerca do jovem rapaz.

— Não tenho o que cumprir na igreja, Kai. Ainda. Fiz minha parte do sacerdócio. Agradeço por se preocupar — escondeu as mãos na calça moletom cinza logo que Kai passou da entrada. — Trouxe o que lhe pedi?

— Bem — inspecionou as sacolas quando o sacerdote fechou a porta por trás e relaxou os ombros. — Algumas frutas, legumes, até um pouco de carne se precisar — conferiu cada item na sacola.

— Enlatado? — se aproximou para ver.

— Não — enrugou os lábios em confusão. — Tive que passar no açougue. Queria que eu lhe trouxesse peixe fresco?

— Esqueci de lhe avisar que não como carne natural há um tempo. Me desculpe, Kai.

— Entendo. Posso levar para minha casa, se não for um problema e lhe comprar um saco de batatas para aproveitar fazendo qualquer prato.

— Agradeceria e muito, Kai.

— Tudo está sendo tão injusto com você, Franco. Faço o que posso. Mas confiscarem seu dinheiro? Até hoje não acredito que fizeram isso. Sem sua permissão.

— Sou propriedade da igreja. Não sei mais como agir — maneou a cabeça e franziu a testa quando caminhou para a cozinha e deixou Solomon sentado relaxado no estofado. — Aceita água, chá ou outra bebida, Kai? — exclamou do cômodo.

— Não precisa, Franco — o assistiu retornar e remover cada item da sacola para dispor na mesinha de centro. — E a Gaya? Ela não sabe disso? Dessa injustiça contigo?

Cruzou as pernas e se arrastou no sofá até o canto, para se apoiar num dos braços.

— Nada. Prefiro que nem descubra. Também acho que não se importaria, depois da forma que me repeliu.

Por um instante parou o que fazia, ainda com uma das mãos numa das sacolas e seus olhos estagnaram no encosto do estofado. Entrava em conflito próprio. Revivendo a noite que deixou de ser o amor de sua bruxa. Um peso voltava na garganta, implorando para ser expulso.

— E sabe onde ela se encontra? — o tom baixo de Solomon recuperou a atenção do padre.

Escócia — voltou a tirar mais coisas e sua voz soava desinteressada. — Viajou com as mães e com um amigo. Talvez para nunca mais voltar — embolou os sacos em um maior e foi deixando cada coisa na cozinha, à medida que conversava. — Fiquei sabendo pelo seu antigo paciente. O Dawson ou Dante, tanto faz.

— Quando se conheceram? — uma postura interessada ressaltou no psicólogo. — É novidade para mim — por segundos sorriu anasalado e descrente.

— Posso afirmar ser uma longa história. Lhe contarei um dia de eu resistir — coçou a cabeça, confuso se levava os latões de molho de tomate ou o saco de cebolas. — Não sei. É uma história detalhada. Um dia saberá.

Solomon, para se distrair com qualquer coisa ao passo que o Gregori findava a organização, vistoriou a casa e percebeu algumas coisas fora de ordem. Indícios de algo que merecia cuidados.

— Kai, eu estava um dia desses pensando sobre o passado. Bem como rasgões no tempo, feito queimaduras transformam papéis em pó — retornou de vez para a sala e se encostou ao lado da lareira, ajeitando uma escultura de madeira em formato de pássaro. — Acho que surgem pensamentos assim, tão cinzentos, quando sentimentos que iremos falecer.

Levemente sobressaltou o psicólogo que se remexeu no assento e reprimiu os lábios. Na sequência, engoliu o ácido que voltava e rasgava a garganta

— Não diga isso, Franco — sua cabeça insistiu em negar e os olhos cravaram na expressão triste do ruivo. — Não diga.

— Você soube o que aconteceu. Carrego a culpa por não evitar tantas coisas, entende? Eu deveria ter protegido a Gaya como prometi. Era a única pessoa na minha pobre vida. Ela não quer me ver jamais e e-eu também respeitei o espaço que colocamos — um suspiro cansado cortou seu desabafo e ele sentiu prender um princípio de soluço. — Todas as noites durmo acordado. O sentimento de perseguição me corrompe. Não é o mesmo sono de antes.

— Franco, eu... — foi interrompido.

— E aguardo minha carta de excomunhão. Como deve saber — seus ombros caíram, o corpo se afastou da lareira e os calcanhares giraram enquanto traçava passos na sala para conseguir formular suas palavras embaralhadas. — Não sei se leu nos jornais, mas meu nome foi destacado. Pode ver. Se encontra entre as folhas.

Apanhou de uma pilha de jornais distribuída perto da luminária da sala. Gradualmente se tornava um acumulador.

— Olhe aqui — quando encontrou a página vista antes, quis obrigar o amigo a ler no instante que apontou insistente nas palavras que formavam seu nome e sobrenome.

— Não dou a mínima para o que falam de você, Franco. O conheço desde pequeno — se recusou e recuou a pressão.

— A igreja disse que cedi ao pecado por não ter me apegado de fato com Deus e que fui convencido por uma mera bruxa a manter envolvimentos destoantes dos fundamentos cristãos — se distanciou enquanto lia as linhas mediante as escleras nervosas e o sorriso falso. — Falaram isso da minha esposa, Kai. Como se ela tivesse me forçado a fazer tudo o que fizemos. Forçado a amá-la. Sendo que eu sempre a amei e ainda a amo. Ah! E querem celebrar uma missa para me despedir do sacerdócio. Isso não é hilário?

— Franco, queime esses jornais o mais rápido possível e não os apanhe mais da porta. Isso vai te martirizar.

O psicólogo se levantou para enxergá-lo melhor. Temia que a mente do Gregori se corrompesse até se autodestruir. Suas mãos em defesa junto ao corpo não podiam fazer nada. Franco não estava preparado para o contato, mesmo sendo amigos há tantos anos.

Contudo, o seu peito se definhou quando assistiu ao rapaz se apoiar na parede próxima da porta, em busca de equilibrar a respiração que soava chiada. Os olhos azuis selaram para enxergar as estrelas, manter o controle entre a ansiedade que lhe desmembrava.

— Kai, no dia do meu aniversário, no próximo ano, por favor, não esteja na cidade — desatou as pálpebras e enxergou Solomon numa expressão preocupada.

— Por que diz isso?

Estáticos e distantes, Franco sentiu ser acolhido pelo tom de voz do homem negro.

— É um conselho sincero. Não quero te assustar demais. Te peço que passe um período fora da cidade. Algumas coisas irão pesar para quem estiver do meu lado.

Rejeitava que Kai assistisse sua trágica morte diante de todos. Só não carregava certeza sobre como partiria. Por conta própria ou incentivo de terceiros.

— Bem, após um longo tempo, depois da morte do meu pai, num dia desses ergui uma repentina coragem de me encarar no espelho e me assustei — apertou os lábios sequer sabia para onde olhar. — Me assustei porque enxerguei meu pai em mim. Apesar de desviar dos reflexos no carro, nas taças, janelas... só pude me ver com nitidez no espelho. Não a imagem, mas o todo. Minha alma estampada naquele objeto. E Kai, estou quebrado — cedeu os ombros, rendido à sensação de fracasso. — Não sou feliz desde que nasci e se fui, se tratava de uma ilusão. Do que adianta viver se não sou feliz com o que amo fazer, se não tenho meu pai, se habito em desastres e pressões que me comprimem de todos os lados... se não tenho Gaya comigo? — arfou à procura de largar o peso tal qual um bolor na garganta. — Então, pegarei o resto dessa ilusão e escreverei mais uma carta para Gaya. Pelo menos para saber que tentei, entende?

— Franco, virei para cá — a voz comprimida anunciou um choro contido. — Direi para minhas filhas que passarei um tempo morando contigo. Lhe farei companhia. Não pode ficar sozi...

— Se fizer, nunca mais fale comigo, Kai — suplicou mediante os lábios que tremiam. — Não quero isso. Ser um fardo para você também.

— Você nunca foi! Franco, és amado como um filho!

— O amor envolve respeito. Por mais que me enxergue como um filho e eu como um pai, é tempo de aceitarmos respeitar algumas decisões. Por favor, me aceite partir. Às vezes é necessário deixar. Você sabe disso bem mais que eu. Me deixe partir.

Trêmulo, sem saber de onde tomou tanta coragem, Franco estendeu a mão esquerda ao seu amigo de longa data. No instante, Kai não soube como reagir. Seu olhar estupefato saltava entre a mão firme que o aguardava e o rosto de expressão suave do amaldiçoado.

— Franco... — existiu receio em seu tom.

Habitava o medo de machucá-lo emocionalmente. Dele ainda não estar preparado para isso.

— Confio em você, Kai. Desde criança. Sinto que consigo aceitar um último aperto de mão e talvez um abraço — um canto dos seus lábios se elevou.

Como se encarasse um animal instável, sem saber ao certo se o veria correr, se encolher, com extrema cautela e em passos calculados quase abafados, Solomon encaixou sua palma direita com leveza até felizmente notar que gradualmente um aperto surgiu entre a ação. E principiou do Gregori.

As mãos permaneceram estáticas. Kai era o único que tremulava emocionado. Enquanto o padre prevaleceu num sorriso inocente, frouxo. Os olhos brilharam e por segundos, o psicólogo enxergou um menino. O mesmo que entrou na sua sala com tantos medos cravados num corpo ainda pequeno, que merecia proteção.

A imagem de uma criança apertando sua mão, atingiu o peito de Solomon que sequer prendeu as lágrimas. Doíam demais para serem contidas. Chorou como nunca havia chorado. Machucava aceitar que o menino, visto como filho, partiria sozinho.

— Não quero vê-lo descansar, Franco.

— Um abraço. É o que preciso.

Na mesma estratégia de aproximação, o abraço desatou como se não houvesse mais barreiras.

Franco foi envolvido pelo homem, recebido com carinho, leveza e cautela. Na mesma altura, o sacerdote encaixou o seu queixo no ombro do psicólogo, seus braços apertaram as costas e aceitou que o amigo não pretendia reagir da mesma forma. O amaldiçoado ansiava por sentir aquilo. Um abraço que recordava o pai falecido há tempos atrás.

E qualquer aperto por Kai poderia desabar a ação sincera do Gregori. Dele ao padre, só restava dedicar um afago que o fizesse sentir estar em casa, ter uma família e proporcionar despedida.

— Adeus, Kai.

Gaya,

Te escrevo para admitir o quanto sinto saudades suas e preciso dizer adeus. Me perdoe por tudo o que fiz, escrevi e pensei. Amor, nunca quis te magoar de coração por você ser uma parte de mim. Jurei que passaríamos mais tempo juntos e nessa carta não posso esconder que em breve morrerei sem ao menos te ver. É tão pesado saber a data da própria morte, ainda mais seguir sem estar ao lado de quem ama.

Queria com toda a alma poder te enxergar pela última vez, mesmo que distante. Só para repousar sua última imagem comigo, um fragmento seu na minha mente à medida que tudo se escurece diante da minha visão.

Deve estar confusa acerca de como eu soube onde atualmente reside, mas só envio a correspondência para ter sua permissão. Quero te ver, amor. Eu preciso. E se não chegar a ler ou se recusar, torço para saber ou te confidenciem sobre o quanto te amei.

Gaya Demdike, você é o amor da minha vida e pós-morte. Meu primeiro e último. Te amo mais que a mim e talvez seja a maior maldição. Quiçá, uma benção.

Franco Gregori.

Na mesma noite, após traçar as palavras numa penúltima carta de despedida, quando Kai retornou para casa por extrema pressão do sacerdote e respeitou sua decisão, o Gregori guiou o corpo frio, abatido, para o único cômodo que o acolhia naquele átimo. Seu espírito inexistia.

Ele se arrastou no colchão até o encosto com travesseiros e se encolheu na cama que antes era quente.

Parecia um caixão de tão rígida e gelada.

Suas mãos se afundaram embaixo da cabeça e os joelhos tocaram seu peito do tanto que a coluna se curvou. Os olhos azuis molhados e vermelhos, por consequência das lágrimas, alcançaram a janela descortinada que o permitia ver um pouco do céu escuro e estrelado.

Tudo dentro ardeu, machucou quando reviveu cada segundo experienciado. Desde os melhores com seu pai e as Demdike, até os piores sob o controle de Moniese.

Um golpe no coração o fez relembrar da catástrofe abandonada no andar de baixo. Alguns quadros quebrados no chute, livros rasgados pelos dedos doloridos, unhas quebradas e dentes que rangiam... Exceto os que relembravam o Callahan e Gaya. Além de alguns objetos antes vistos como valiosos.

No canto do quarto, o diário arremessado contra a parede se conservou no chão com as folhas soltas devido à força que ele depositou em segundos de ira.

Se a morte é assim, então que eu descanse bem rápido — murmurou bem baixinho quando selou as pálpebras para assistir à escuridão e levou as mãos ao rosto para esconder a tristeza cravada na face. — Dessa vez você foi vitoriosa, Moniese.

Ele sentiu. Notou uma presença preenchida de ódio tomar seu quarto, arrumar um espaço no colchão e envolvê-lo numa manta de maldades. Mas torceu muito que essa sensação de medo o levasse de imediato.

30 de Setembro de 2018

Numa localidade camponesa da Ilha de Mull, na Escócia, onde se escutava o mar bater na costa e distante se podia ver perigosas falésias, além de testemunhar focas, baleias e rebanhos de ovelhas; numa casa de campo entre um arco de árvores, cercas baixas de madeira e afastados de Tobermory; três bruxas e um corvo se abrigavam.

Após a fuga de Rye, o antigo lar das bruxas se fechou por um tempo, restando portas e janelas seladas. Num futuro não tão próximo, as duas mães desejavam se reerguer e reconstruir a floricultura consumida por um fogo repentino.

Dane Dawson, havia feito uma escolha quando soube do ocorrido. Permanecer na Romênia ou prestar apoio às bruxas na Escócia. Viver por um tempo enquanto retomavam forças para se reestruturar.

Sequer hesitou viajar quando soube da mudança.

Um pôr do sol quente alimentou as árvores que balançavam calmas pelo vento e ovelhas pertencentes a uma casa vizinha distante, comiam a grama da relva à medida que Gaya e Dane repousavam sentados no jardim.

Ambos assistiam o pasto bem distante e se consumiam dos últimos raios daquele horário. A sensação de tranquilidade, depois de tudo, era compartilhada.

Os cabelos crespos, antes curtos, cresceram um pouco para o alto por sentir saudades de manter a árvore de cachos acima de sua cabeça. A mesma de antigamente antes de cortar e raspar.

Entre o falso silêncio, o corvo cutucava uma folha que caiu com a brisa e a deslizou entre os dedos, desconcentrado em qualquer conversa que Gaya iniciasse. Ela, por sua vez, riu encantada com um border collie de pelagem preta e branca que servia como guia de pastoreio, levando as ovelhas de volta para a casa vizinha.

— Olha só a Abby guiando as ovelhas de novo — apontou com o queixo e tomou a atenção de Dane.

— Hoje o Isaac não veio?

— Ali! Está acenando distante — os dois acenaram em simultâneo. — Senhor Isaac!

Senhores Talbot! — foi possível enxergar um sorriso amável surgir do homem velho que se atentou na guia. — Vamos, Abby! — assobiou até a trazer de volta.

O rebanho havia retornado para onde o vizinho residia e sumiram com a cadela e seu tutor.

Um sobrenome falso para esconder as identidades, foi o combinado entre as três e o Dawson. Necessitavam viver em reclusão até alcançarem a tranquilidade. E dentre muitos segredos compartilhados, Dane ocultou somente um.

Jurou não confidenciar à Gaya que foi o responsável a passar o endereço da casa na Escócia ao Franco. Sentiu a importância de compartilhar com o sacerdote para trazer conforto antes de sua morte. Entretanto, esse segredo não se manteria por mais tempo.

— Vi o jornal que escondeu mais cedo — os olhos escuros fixados no horizonte, sequer o encarou ao falar. Até alcançar com os dedos um ínfimo dente-de-leão que voou próximo.

De soslaio, o percebeu confuso.

— Falo sobre a acusação da igreja contra mim — soltou a flor no ar e resolveu enxergá-lo.

— Emitiram uma nota absurda. Não queria que visse o espetáculo de misoginia — levou alguns fios de cabelo caído na testa para trás. — Porém, suas mães desejam manter e receber para conferir diariamente o classificado.

— Estou acostumada e elas precisam muito buscar novas parcerias para quando abrirem a floricultura de novo.

— Sobre a igreja, um ótimo sinal é que se aproximam de Arlo Hill e ele nem sabe o que fazer, muito menos como agir. Kansas confirmou que todos estão em pânico. A incluir ele, claro.

Recostou na grama, sustentado pelos cotovelos. Assim que se reencontraram, o Dawson confidenciou sobre quem se encarregava como o mentor dos crimes.

— Imagino — uma lufada quente a seguir dos olhos direcionados para baixo, entregou preocupação. — Queria tanto arrancar a cabeça dele com as mãos...

Seus sentidos mais perversos se apossaram de si quando apertou os dentes ao anunciar seu puro desejo.

— Rasgar a pele dele com as unhas, espremer os olhos com os dedos, pisotear a língua...

— Quero o mesmo e talvez suas mães e minha família anseiam por isso — inclinou a cabeça para o lado, deitando no próprio ombro, na intenção de olhar.

— Depois que o pegarem e também os restantes, finalmente retomarei minha vida de artista. E para isso preciso manter minha ficha limpa, não é? — riu anasalado e se recostou na grama como ele.

— Você nasceu para os palcos. É nítido. E como Kansas prometeu enviar uma ótima quantia de dinheiro por todo o trabalho, metade dele chegará para suas mães e você.

— Deve imaginar que precisemos muito — seus olhos reluziam no princípio de noite e o céu tornou-se lilás.

— Imagine a possibilidade de reerguer a floricultura e cumprir todos os cursos de seu interesse, Gaya — sua voz animada apanhou um sorriso tímido da amiga.

— Não posso sonhar assim, Dane.

— Pode sim. Asseguro-lhe que quando tudo se esclarecer, haverá um julgamento. Recorreremos contra todos os danos morais e materiais que você e sua família experienciaram. O dinheiro que vier, não veja com desmerecimento. Sempre pertenceu a vocês e dos demais que eles calaram.

Sua mão a tocou nas costas e acariciou como um consolo depois de tudo o que viveram. Enxergar o pôr-do-sol com tranquilidade não significava que tudo estava quieto na cabeça deles. Ainda faltava a justiça.

— Parece até um sonho. Mas ainda inalcançável. Daqueles que assistimos distantes e almejamos se aproximar. Como tocar a luz por ser tão bela e não sentir.

Seu corpo precisou deitar na grama e a visão atingiu as nuvens que se espalhavam como algodão laranja.

— Um dia sentiremos.

— Bem... e você? Por quanto tempo ficará aqui? — conversou ainda mantendo os olhos no céu escurecendo.

— Na próxima semana visitarei meus pais na Romênia. Mas antes passarei em outro lugar.

Ela sentiu os cantos dos lábios de Dane se alargarem e os olhos tímidos caírem nos pés esticados. Mal imaginava o quanto as bochechas do corvo queimavam.

— Sorriso no rosto, mostra que algo bom aconteceu — seu tom brincalhão o puxou das nuvens.

O rosto curioso voltou para o lado, à procura de assisti-lo confidenciar.

— Conheci alguém — a surpreendeu. — Por intermédio da minha família.

— Vamos, conte mais — se apoiou nos próprios cotovelos. Interessada na novidade.

— Ela é linda, os cabelos crespos brilham como se fossem pedras preciosas — a elogiava com encantamento. Seus olhos reluziam feito estrelas. — Acho que temos gostos parecidos e nem hesitei em convidá-la para jantar comigo.

— Então também é uma pessoa preta? Quem é? — seu tom curioso e animado o cativou a falar mais.

— Sim. Ela é sim. Um dia te apresentarei. Acho que vai gostar de conhecê-la.

— Depois de tantas coisas que passou, você merece alguém que te ame como Miranda te amou. Precisa ser amado da forma que ama tantas pessoas.

— Às vezes sinto a falta dela. Em partes, me culpo por estar gostando de outra pessoa depois que descansou. Mas Miranda não ficaria feliz em me ver solitário, sem receber o mesmo que ela me entregou enquanto vivia.

No mesmo instante em que conversavam, mediante o fim do entardecer, devido ao vento forte capaz de secar tudo, Delphine se aproximou com uma cesta de roupas limpas para estender no varal próximo a eles. E Anya preparava o jantar na cozinha, assistindo aos dois colherem o fruto do sossego.

Ambos se encarregavam de higienizar toda a casa, manter arrumada e deixar que o casal se ocupasse com as outras funções menores.

— Mãe, deixe-me ajudá-la — Gaya se preparava para se levantar.

— Não é necessário, Sol. Já fizeram muito hoje e só tenho que me apegar a isso — sorriu à medida que distribuía os tecidos.

Os olhos de Dane esticaram na amiga, as sobrancelhas subiram abismadas por algo notado ao passo que a bruxa se atentou à mãe. Quase imóvel, o rapaz umedeceu a garganta antes de avisar.

— Gaya, não se mova — rouco, a voz estava comprimida na garganta, pressionada a sair. — A sua barriga. Olhe para a barriga.

Num tom mais firme, também atraiu Delphine que deixou uma das roupas cair da mão e tocar a grama. Além dos pregadores e cestas. Surpreendida, seus passos se achegaram até os dois, mantendo uma distância para não afastar o que testemunhavam.

Um quase grito se prendeu entre os lábios da moça que expandiu tanto as pálpebras, ao ponto de secar quando uma brisa bateu nos olhos. Sua pele vibrou num arrepio descomunal. Suas forças pareciam ter ressurgido com aquilo tão sobrenatural.

Há tempos que não sentia aquela energia desde quando conversava com a Mãe Terra. Não sabia ao certo se havia retornado aos tempos de bruxa.

— Anya! — a outra Demdike escutou e avistou distante por intermédio da janela aberta da cozinha. — Pela Mãe Terra, veja isso!

Quando apareceu na porta destinada ao local externo, enxugou as mãos num pano de louça e jogou sobre o ombro, até levar as palmas à boca.

Como um aviso do universo, quiçá da divindade, cinco borboletas-azuis planavam acima da barriga da jovem Demdike. Numa dança mágica, um bater de asas tão belo que as cores se mesclavam num brilho holográfico. Mostravam se recusar a sair de perto da bruxa.

Mãe... — Gaya soprou estremecida às mães que sentiram os cantos dos olhos encherem de lágrimas. — O que está acontecendo?

Dane era cético acerca de muitas coisas. Todavia, enxergar tudo desde o dia que passou a viver com as Demdike, o sobrenatural tornou-se crível.

Como no dia em que você nasceu, Gaya — Anya soprou.

Inexistia uma alma que não estivesse em choque. Até o instante que as borboletas voaram distante, tão pequeninas que se camuflaram entre as árvores.

— Filha, meu amor... — Anya se ajoelhou próximo de Gaya lançando um olhar terno, que abraçava sem precisar de um aperto. Sua mão direita acariciou os cabelos de Sol que cresciam e a notou enrugar os lábios até o princípio de um choro emocionado. — É nítido. Está carregando uma vida. Que será como nós: bruxas.

Mãe... — por mais que suportasse uma emoção sobrenatural, ainda não acreditava no que ocorria.

— Está grávida, Gaya.

Ainda sem saber como digerir, a jovem Demdike somente tocou a barriga que não percebia evidente, sequer os demais. Nem ao menos recordava que se passaram quatro meses desde o dia em que esteve com Franco. Se via tão tensa com tudo, que mal notou o mero volume. Considerava ser qualquer coisa desde que passou a se alimentar melhor.

E então caiu na realidade. Mesmo que um dia recusasse, Franco viveria consigo de qualquer maneira. Em seus pensamentos, nas boas memórias que restaram e agora, uma parte em seu ventre. Com o fruto de um amor de tempos, para jamais esquecê-lo.

https://youtu.be/8qaJPB2FqgM

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