Capítulo 25: Aliança Improvável

*ALERTA DE GATILHOS: MENÇÃO A MORTE, LUTO E PERTURBAÇÃO ESPIRITUAL.

*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Beautiful Crime - Tamer

*CAPÍTULO SEM REVISÃO MINUCIOSA.

27 DE MAIO DE 2018

Algumas horas se passaram após a discussão. No escritório, Franco analisava a papoula-vermelha com pesar. Diante da janela, enxugou lágrimas com as costas das luvas e ao sair do recinto, sentou-se no sofá, a encarar a lareira. Se acolhendo na solidão.

Aparentou que o próprio reflexo que temia, inexistia nos vidros. Ele se apagava aos poucos.

Tudo parecia frio porque estava frio. Sentia a proximidade da morte. O toque da entidade se achegava com o tempo e sem emitir ruídos.

Sua memória custou a relembrar de tudo o que presenciou e experienciou. Os avisos no internato, a recepção estranha de Kansas ao chegar no seminário, os documentos assinados e esquisitos... passou a desconfiar que a maior traição também vinha de Kansas.

Sua mente pairava bem confusa.

E se eu burlar tudo? Se eu der um fim em mim, não tirarão meu direito de partir da forma que quero — discutia sozinho e sua mente conflitava com decisões impensáveis. — Não posso dar esse gosto a eles, mas também irão atrás dela quando eu não estiver mais aqui — pensou em Gaya. — Ela mentiu. Eu também menti sobre seus temores. Parece que, revidar tomou conta de nós.

Até refletiu se o falecido pai experienciou a sensação similar antes de falecer. Diziam que as pessoas sentiam quando se aproximava de seu último dia. Do decisivo suspiro que rompia a passagem na terra.

Para Franco, essa sensação se arrastava mais rápido que antes. Perfurava a mente até restar somente a dor, influenciava sua rotina. Não suportava mais.

Até que dois meros toques macios na porta o fizeram ter uma certa esperança. Contudo, ao abrir, sua feição se derreteu repulsiva.

— Oi — a voz reprimida da pessoa fez Franco bufar inquieto. — Os ânimos agitados não nos permitiram a possibilidade de conversarmos como dois adultos maduros.

— Pensei que fosse... — mirou os cantos à procura dela.

— Eu sei. Ela acabou dormindo. Chorou tanto que pensei que morreria aos prantos — enfiou as mãos nos bolsos da calça para se aquecer do arrepio de pelos. — Portanto, vim para dialogarmos melhor.

O Gregori coçou a nuca, um tanto confuso. Indeciso no que traçar.

— Mas Gaya está bem? — ainda se importava demais, mesmo depois da discussão. — Apesar de terem me escondido, me importo com aquela mulher.

— Sabe como ela é. Gaya se recupera rápido — respirou fundo e analisou os extremos da rua quando latidos se elevaram entre o cantar dos grilos. — Então posso entrar? Para conversarmos. Estou desarmado de tudo.

— Fique à vontade — gesticulou para permiti-lo entrar.

O deixou atravessar a entrada e notou o corvo observar cada detalhe do ambiente, como se pesquisasse fragmento por fragmento, enquanto principiou a conversar com o padre.

— Franco, venho aqui ser sincero e pedir desculpas pela forma que a notícia foi repassada. Além da nossa briga. Me exaltei. Aliás, nós três nos exaltamos.

De pé, de frente ao sacerdote, Dane sentiu segurança em expor. Franco pareceu receptivo quando os ombros caíram leves. Sem qualquer munição de momentos antes.

— Tudo bem, mas estou preparado para isso. Não aguardei por coincidências e segredos entre vocês. Aliás, ela dizia tanto que não queria ser um segredo e, na verdade, o segredo de tudo, sou eu — comprimiu a mandíbula e enlaçou os braços para conservar distância. — Desde quando guardam isso tudo? — afinou os olhos e apontou com o queixo para a porta.

— Desde o instante em que Kansas me contratou como investigador particular. É óbvio.

— Então ele está por trás. Me recusei a crer.

— Kansas nem sabia que a última vítima se tratava de você. Somente conhecia acerca da sua herança. Mas já era tarde, porque, por ironia do destino, Gaya se tornou testemunha de um assassinato de outra testemunha que repassaria informações preciosas ao Kansas acerca dos assassinos, você e o líder dessa maldita seita na igreja — Franco se expôs curioso quando abaixou o queixo e os globos oculares expandiram. — Não faz ideia do pesadelo que vivemos até voltarmos para cá.

— Eu não fazia ideia mesmo — libertou os braços, desarmando sua posição segura. — Para mim, considerei o retorno dela somente devido à avó.

— Você nunca soube o motivo de tudo ser feito debaixo dos panos, Franco. Acabou assinando documentos que passaram seus bens para a igreja sem nem perceber. Assim como os outros padres que faleceram. Contudo, sua morte, para eles, precisa ser emblemática. Especialmente nessa onda crescente de novos conservadores dispostos a linchar inocentes.

O padre engoliu raspando espinhos. Jurou sentir o gosto de sangue antes de um dia partir.

— Bem que me recordo de ter assinado quando entrei no seminário e Kansas estava estranho. Inquieto. Comunicando por códigos indecifráveis... — inspirou tensionado e as narinas alargaram.

— Ele tomou conhecimento do roubo da sua herança pela igreja, além dos demais amaldiçoados. Kansas entrou em contato comigo na intenção de desmascarar algumas coisas e me permitiu descobrir conforme a investigação se ampliava. Mas acabou se surpreendendo. De alguma maneira me senti traído em pleno risco junto à Gaya, até que tudo chegou em você. Além de que, ele insistiu que eu precisaria te afastar dela. Que não poderiam se aproximar.

— Kansas não faria isso comigo... — negou insistente com a cabeça e um falso riso. — Não... permitir que eu perdesse tudo?

— Eu duvidaria. Kansas cedeu às ordens, compactuou e quando soube que o último amaldiçoado se tratava de você, precisou intervir. Você é o protegido dele — assistiu ao ruivo entristecer a face. — Nesse instante não dá para confiar em ninguém que não seja as bruxas. E sobre Gaya, desde o início ela insistiu que eu fizesse algo ou que fizessem para lhe proteger. A coitada não sabia antes de mim. Ela jamais se vingaria de você, Franco. Talvez de mim — riu desconcertado e coçou o queixo. — Mas você? Gaya não deseja sonhar com sua morte. Estou sendo sincero justamente com alguém que jurei matar. Sabe o que a sua família fez contra a minha. Então não me importo de falar a verdade ou te machucar. E agora, ela se esforça em se afastar por medo de cravar nas memórias os últimos momentos ao seu lado, fora a proteção para as mães. Então prefere apagar tudo o que tiveram e lhe tratar com total indiferença. Fora que a machucou com suas atitudes.

— Já estou morto em vida, Dane Dawson — contornou o sofá e apoiou os cotovelos no encosto do estofado. — Não me abalo com o que disser. Então, se ela prefere assim, que recorde de mim por causa de uma briga, o que posso fazer? Já insisti que só a quero em minha vida, que eu morreria por Gaya, mas estou morto. Além de exausto.

— Você sempre esteve morto, não é? É algo familiar. No seu sangue — apontou ao rapaz.

— Então somos família. — Franco foi sincero em considerar. — Duas faces da morte que se encontram. Estou com um pé na cova e você me enterra, já que o seu trabalho é ser um algoz.

— Família é algo complexo. A se tratar de Gregori... somos apenas os destroços de uma ruína, Franco. Não tenho mais tanta vontade de sujar minhas mãos com seu sangue amaldiçoado. Já está sofrendo o bastante.

— Então me perdoe pelos meus antepassados. É o que posso suplicar nesse instante.

Dane riu anasalado e folgado, sentou-se na ponta do estofado.

— Você é apenas o resultado. Não digo em questão de nascer. Mas sobre o que se transformou. Então não é necessário perdão. Seguimos dois caminhos desde Dante e Francesco Gregori — Franco contornou a sala, caminhando sobre os calcanhares enquanto conversavam. — Seu azar é o medo, não é? Medo de se libertar, de amar, se expor, perecer. E por isso finge. Vive de imagens.

— Não é bem isso — parou diante do investigador, feito uma sombra tomada por sensações penosas.

— Admita, Franco. Não vou te julgar sobre isso. Antes eu julgaria. Agora estamos num nível semelhante. Sabe que a morte é nossa certeza e solidão eterna. Onde existe o vazio, principalmente das lembranças. Você não quer estar mais sozinho. Sinto isso. Mas está afastando quem deseja lhe ajudar a romper seu tormento. E ela teme seus medos. Gaya não quer o deixar. Apesar de achá-lo inconsequente. E assim somos diferentes, mesmo tão próximos. Uma única mulher como ela, consegue enxergar um amor diferente para cada um de nós. Por você, não é semelhante ao meu. Ela me vê como um amigo.

— Por um tempo ela me enxergou assim.

Pela primeira vez, ambos riram em uníssono.

— A diferença é que Gaya te ama de verdade. Para amar alguém tão complexo, ela é resistente.

— Ela nunca confessou me amar.

— Ambos nunca falaram. Eu sei. Ela me confidenciou.

— Ela disse? — a esperança dominou o tom de sua voz, fora seu rosto lívido.

— Acha que sirvo apenas como investigador particular? — soprou um riso. — Sei que é tarde para evitar sua morte. Algo que deveria ser feito antes de nascer. Mas não deixe de expor para ela o que sente. Digo por experiência. Já perdi alguém. Não quero vê-la sentir o mesmo.

Eram constantes as memórias do amor perdido. O passado machucava sua cabeça até extrair o pior dos prantos.

— Meus sinceros sentimentos. Por um momento, achei que a amasse.

— Sim, a amo. Mas não da forma que você. Amo e sempre amarei outra pessoa que não se encontra mais aqui. Por isso que deveria estar próximo de Gaya. Se amam? Acertem-se. Não te odeio o quanto eu deveria. Você é uma pessoa que destoa bastante de sua família.

Simpatizou um pouco, contudo, conservou um lado da razão.

— Comecei pelo meu pai. Ele foi o primeiro a romper essa visão que detém dos Gregori. Acredite em mim — mirou o escritório. — Foi o responsável por construir e manter minha humanidade.

— Então ele foi uma pessoa sensata.

— Havia mais bondade nele do que em mim.

Ainda sentado no sofá, Dane observou um pouco a casa. Analisou móveis, objetos deslocados, pinturas, cada fragmento reformado.

— Esses quadros, você quem pintou? — apontou para alguns nas paredes.

— Sim — correspondeu mirando as pinturas e voltou a atenção no corvo. — Quando estou ausente das ocupações sacerdotais, me encontro aqui, pintando quadros.

Caminhou para próximo da parede da lareira e tateou a moldura com tintas.

— Têm mais uma razão para abandonar o sacerdócio.

— É, penso muito em seguir o que amo de verdade — enlaçou os braços e caminhou pelo cômodo.

— Você já a pintou?

— Quem? Gaya?

— Sim.

— Desde o lar diocesano que não paro de pintá-la. É minha maior inspiração — desviou o olhar para o corredor que guiava ao ateliê. Lembrou de momentos inesquecíveis.

— Já decidiu o que quer. Só basta tomar iniciativas — esfregou as palmas, aquecendo os dedos.

— Sim. Apenas precisamos acertar nossa relação — Franco se distanciou. — Aceita alguma coisa? Alguma bebida?

— Somente água — afirmou com a cabeça e seus lábios se estenderam num sorriso fino, sem exibir dentes.

No mesmo instante, ao cruzar despreocupado até a cozinha, disposto a servir, sua audição foi tomada por um estalo de arrepiar a espinha, e seus olhos, com pupilas dilatadas, se direcionaram ao alto da escada que guiava aos quartos. A garganta seca incomodou, as escleras arderam e o ar se tornou denso, escasso, logo que testemunhou uma figura sinistra.

A mesma que na formatura o encarava estática feito uma presa ideal. O Gregori foi apanhado por um temor indecifrável, porém, sabia de quem a criatura medonha se tratava e rejeitou a presença do espectro que se fazia presente quando estava decidido a desistir do sacerdócio.

Certo em se libertar do luto e ser abraçado pela arte e sua musa.

— Aconteceu alguma coisa?

Distante, Dane rompeu a inércia, o avistou assustado, de passos interrompidos e fixo em algo na escada. A voz do bastardo despertou Franco, que se dirigiu para apanhar um copo prometido ao rapaz.

— Achei que havia perdido os sentidos — o padre retornou e se aproximou do investigador. — Foi meramente bizarro — riu frouxo para descontrair.

— Não, não foi nada. Apenas lembrei de algo e estagnei — repassou o copo cheio e o assistiu beber em longos goles.

— Bem... obrigado. Foi interessante conversar com você pela primeira vez e sem estranheza, Franco — devolveu o copo e se levantou elegante, ajustando a roupa no corpo. — Espero que tenha certeza em seus caminhos como tenho nos meus. Me sinto liberto de ter vindo até aqui antes de viajar e percebo que trarei alguma resposta sobre os responsáveis por encomendar sua morte. Tenha certeza que, trarei justiça. Está em mim — libertou um suspiro exausto. — Portanto, mesmo que o fim já esteja escrito, quero que muitas coisas se resolvam. Acho que entre nós não haverá mais farpas, certo?

— Antes eu torcia para que deixasse a cidade — revirou as escleras por ter se considerado imaturo. — Mas hoje, peço perdão por tudo.

— Por mim, obteve seu perdão. Talvez, um dia, minha família saiba o quanto você se mostrou ser o Gregori digno de empatia. Quiçá merece que eu o ajude em algo antes da minha viagem. Para pôr um fim em nossas intrigas.

Franco o guiou até a porta, cabisbaixo e com alguma coisa presa na garganta. Antes que ele fosse embora, necessitava pedir por isso.

— Então, posso fazer um único pedido? Me promete somente uma coisa, Dawson?

— Não sendo nada material, me esforçarei — deu de ombros e deixou nítido um espasmo. — Concedo meus ouvidos.

O Gregori preencheu os pulmões com receios, transitou as escleras ansiosas nas mãos, pressionou os lábios secos até enxergar o rapaz que aguardava por seu pedido, como se esperasse uma eternidade que durou segundos.

— Quando as coisas acontecerem comigo, prometa que cuidará dela até o fim. Eu a amo tanto que — suspirou ao ponto de desaprender como respirar. Custou considerar seu corpo doer por isso —, saber que Gaya ficará solitária, é pior que ela amar outra pessoa algum dia.

— Isso não acontecerá, nem que você queira. Gaya é fiel a ti, até e depois do túmulo, Franco. Ela nunca, jamais amará ninguém da forma que te ama.

O sacerdote reprimiu os lábios trêmulos num provável choro, suspirou mais uma vez de modo a tomar todo o ar do ambiente, pendeu a cabeça para frente e concordou silente, insistente.

— Mas me prometa que cuidará dela — os olhos azuis expandidos voltaram a pressionar o corvo. — Talvez, se estiver ao lado dela e eu ainda esperar minha morte, escreverei cartas assim que me comunicar o endereço — desviou o olhar para qualquer coisa que não fosse o bastardo. — Acho que será a primeira e última vez que ela receberá cartas minhas. Então suplico que a faça aceitar cada correspondência.

Doeu em Dane ouvi-lo sofrer com antecedência. Seria mais doloroso quando Gaya se informasse distante da morte de seu amado padre.

— Eu prometo, Franco.

— Ao menos descanso em paz. Agradeço.

— Não se agradece uma promessa quando seu direito tem que ser cumprido.

Dane o abandonou na casa silenciosa, solitária. Onde as paredes pressionavam a alma corrompida pela sensação da morte.

Franco viveria em completa perturbação até que o dia de seu falecimento chegasse. Mas descansaria ao saber que Gaya seria de fato cuidada por aquele que antes detestava e em tão pouco tempo, numa simples visita, convenceu ser leal.

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