Capítulo 14: A Figura na Janela

*ALERTA DE GATILHOS: ANSIEDADE, CATOLICISMO E MENÇÃO A MORTES.

*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Can't Pretend - Tom Odell

Gaya aqueceu a mente a martelar em dúvidas, à medida que subiram com meras coisas até o antigo quarto resguardado da mesma forma que deixou logo que partiu de Rye. Persistia o mesmo perfume, porém, roupas de cama foram lavadas, o chão estava limpo, até as prateleiras ausentes de poeira. Suas mães fizeram questão de preservar o que pertencia à filha.

Distraído, Dane visou escapar de questionamentos provenientes de Gaya quando desviava da interferência da jovem que resultou em barrá-lo na porta. Os corpos se chocaram assim que ele a encarou de cima e sorriu de modo a despistar chateações.

Mas não teria como evitá-la. Gaya se dispôs a pressioná-lo feito nunca. O rapaz guardava muitos segredos ainda não revelados para a bruxa que buscava descobrir qual a associação entre o Dawson e o Gregori.

Por uma perspectiva, recordava das histórias que a avó contava.

— Dane... — no centro da passagem, a Demdike ansiava por respostas. O homem alto em sua frente agia tal qual criança birrenta e reprimiu bem mais.

Até pensou como o investigador ficava tão belo ao ser encurralado.

— O que quer de mim? — a língua passeou pelos lábios e seus braços apoiados no portal nem sequer a intimidaram.

Custou a sorrir e sabia o perigo que corria diante de uma mulher disposta a arrancar todas as confissões.

— De onde conhece o Franco Gregori?

— Falei que o conheço? — seu artifício não funcionava mais com a Demdike.

— Foi certeiro ao descrever a aparência e a altura — conversava com os olhos do rapaz, enquanto ele focava nos lábios carnudos em fúria.

— Ah, mas qualquer pessoa na Inglaterra pode ser ruiva — irônico, sorriu de canto e Gaya quis tomar o sorriso dele dos beiços de todas as maneiras. Lhe provocava.

O corvo retornou às caixas no dormitório e levou duas até o canto e juntamente organizou algumas plantas postas em locais vazios da prateleira. Queria que ela mudasse de assunto e ajudasse a arrumar o aposento para ambos descansarem do dia tenso.

— Não me enrole — os passos seguiram o rapaz incomodado.

Ele largou outra caixa na cama e se sentou ao lado. Sua cabeça abaixou na intenção de recuperar uma coragem perdida e ela o acompanhou no colchão. Ao agarrar um dos travesseiros no intuito de pôr sobre as coxas, Gaya esperou que fosse direto.

— Franco era o último que aqueles padres planejaram matar — as irises acinzentadas traçaram os dela que reparou o estômago se contorcer. — Aliás, continua a ser. Ele morrerá.

Faltou ar e saliva nos lábios da bruxa, os dedos apertaram o travesseiro e ela notou a pele formigar. Não entendia ser medo, ódio ou tristeza profunda. Apenas sentiu.

— Você... — pareceu confusa e se levantou para longe dele. — Você me escondeu isso por tanto tempo? — gesticulou ao se pôr em frente ao rapaz retraído.

— Como eu esconderia se não sabia que o conhecia, Gaya?! — ele se ergueu e disparou para perto, foi rejeitado e afastado com as mãos, mas de alguma maneira, não se distanciava. — Gaya, eu não sabia que se conheciam.

Apanhou as mãos da jovem que contorceu os lábios num provável choro e acariciou os dedos. Ambos se apoiavam e entravam em conflito.

— Franco e eu temos uma longa história. Não entenderia — largou as mãos do rapaz e sentou-se de volta na cama, pensativa e abalada.

Ela contava os dedos e se segurava para não chorar. Não queria se mostrar sensibilizada em descobrir que Franco morreria. Era certo disso acontecer, mas Gaya torcia em nunca testemunhar. Seria o fim de sua existência.

— Agora entendo um pouco — se ajoelhou diante da moça, beijou as coxas feito um submisso e deitou a cabeça ao notá-la acariciar. — Sinto muito, Gaya. Mas não posso prosseguir com isso. Não mesmo — ergueu a cabeça na intenção de enxergá-la e os olhos da jovem brilharam confusos.

— A cada palavra que diz, não compreendo. Por que não fala logo como o conheceu? Como chegou até esse ponto de desistir de algo que não sei — a voz embargou.

— Não é estranho meu sobrenome ser Dawson? Gaya, Franco e eu somos, digamos que... — respirou imersivo. Demorou segundos para retomar as palavras —... parentes distantes.

Assim, Gaya Demdike compreendeu uma informação de seu passado, recuperado nas memórias infantis. Os Dawson não eram só assassinos como se informou na época do colegial, tampouco sanguíneos, mas vinham de Michelin Gregori.

A rivalidade entre famílias não custava a ser apenas com as Demdike. Cada um detinha razões para consumirem a vingança contra o último sanguíneo, porém, de outra perspectiva, Gaya alimentava um amor pelo padre. Do outro, Dane queria que a revanche não saísse de suas mãos, mas também seria incapaz de comemorar a morte de Franco. Agora o enxergava com excessiva pena. Percebia que o amaldiçoado já pagava pelos antepassados.

Não havia pessoas corretas em toda a história. Eram humanos preenchidos de erros. Contudo, atualmente a carga pesava para o lado mais beneficiado por tanto tempo.

— Estou aqui por você. Não por ele — agarrou forte as pernas de Gaya, que se colocou inerte. Se evidenciou em choque com a descoberta. — O Gregori não merece minha ajuda. Os padres assassinados faziam parte de duas famílias que sua linhagem amaldiçoou com motivos.

— Se o conhecesse de perto, Dane, pensaria em reverter essa maldição — conversava focada em qualquer canto do quarto, à medida que a vislumbrava de baixo, em súplicas. — Franco foi a exceção — a voz doía ao pronunciar o nome daquele que amava ao extremo. — E então, o que ocorrerá de fato no final? Parece que tudo o que acontece comigo se corrompe. Sonhos, família, amores... O que devo esperar? — no instante, prestou atenção no rapaz que se mantinha ajoelhado.

— Planejam culpá-las pelas mortes — referiu-se às bruxas. — Isso agora não faz o menor sentido, mas aos poucos conseguirão. Não demorará muito para tomarem Rye, serem expulsas ou algo pior. Portanto, fugiremos enquanto resta tempo ou levaremos suas mães conosco.

— Elas não iriam, Dane. A floricultura vive aqui, minha avó descansou aqui, nossa casa é um bem das nossas ancestrais, nosso cedro resiste... — lágrimas despencaram de seu rosto e ele as enxugou com os dedos logo que se sentou ao lado da bruxa.

— Precisamos contar. Ao revelar tudo, podemos planejar em conjunto a respeito dos próximos passos e decisões.

Necessitava sanar mais uma incerteza.

— E sobre o Franco, o que acontecerá depois que ele partir?

Se Franco morrer, como já era certo por culpa da maldição ou responsabilidade da igreja, com o sacerdote morreria todos os devaneios em sua mente.

Nela, finaria cada desejo não dito e anunciado, a chance de exclamar diante dele que o amava e a oportunidade de viverem juntos até envelhecerem ao lado de filhos e netos.

— Quando ele partir — a palavra machucou a alma destruída da Demdike —, o resto da herança será tomada, e bem na igreja abafarão o caso para arquivarem novamente. Mas não posso fazer mais nada. Não estou disposto a me aproximar dele no intuito de contar e evitar desastres.

— Dane, deveria pensar um pouco mais. Me apossei de um sentimento de repúdio durante esses anos afastada, mas ainda planejo impedir que ele sofra além do que já sofreu.

Soava estranho conversar acerca do futuro fim do Gregori, mas precisava edificar uma barreira no ínterim dos sentimentos reais, de modo a não desabar no segundo que ele não se fizer presente em vida.

— Não poderia ser aliado de um inimigo eterno, Gaya. Prefiro honrar minha linhagem ao contrário de trair por alguém construído acima de uma trajetória suja.

A bruxa se deitou na cama e os pensamentos gritavam na cabeça enquanto o rapaz buscava concluir a organização de algumas caixas.

— Senti que algo une os dois. Algo romântico? — segurando uma caixa, parou para assisti-la focar no teto do quarto conforme fazia antigamente.

— Digamos que sim, se não pensarmos na maldição — se abraçou no travesseiro. — Mas hoje acho que não é o mesmo de antes. Não faz mais parte da minha rotina há tempos. Me desacostumei e farei o máximo para não cruzar com ele na cidade. Não nos reconheceríamos.

— Tem medo de que a veja? — indagou cansado ao erguer uma caixa bem pesada.

— Não é sobre isso. Tenho medo de que tenha me matado na vida dele.

Apesar de se recusar a encarar Franco novamente, temia ser esquecida pelo sacerdote. Até pensava que a falta de comunicação entre ambos se evidenciou por culpa disso.

Ele nunca ligou, mandou cartas, nem mensagens por intermédio das mães. Gaya alimentava uma revolta por isso. Embora soubesse que o amaldiçoado estava em construção sacerdotal.

No similar instante em que conversavam, mediante o ambiente agradável, tranquilo e acolhedor, o aparelho telefônico do rapaz principiou a tocar no bolso. Por instantes se entreolharam em suspeitas. Ligações resultavam na igreja a perseguir, Padre Kansas ou o espírito de Moniese a perturbar.

Apreensivos, Dane apanhou o objeto na mão que tremia e levou à orelha que queimava curiosa.

— Quem fala?

Não demorou tanto para responderem.

— Dante? — a voz medrosa transferia a mesma sensação por meio da linha. — Sou eu, o Kansas. Possui um momento?

Padre Kansas telefonava em cantos diferentes, aparelhos ou omitia o contato no intuito de surgir como "número desconhecido". Arrumava qualquer jeito para não ser apanhado e poupar o investigador.

Não é nada de mais — soprou à Gaya e se retirou do aposento, disposto a priorizar a ligação.

O rapaz se trancou no banheiro principal e conversou por intermédio do próprio reflexo no espelho.

— Ligo para informar que descobriram onde estão. Rye não é mais segura.

Kansas se comunicava direto de Londres. Se hospedou num hotel custeado pela catedral e demais sacerdotes também se faziam presentes em cada quarto. No dia seguinte ocorreria um jantar com a presença do bispo e um arcebispo do pontífice.

Como descobriram?! — em fúria, soprou no telefone.

— Eu estava recebendo comida pela camareira e de uma das portas ao ser aberta, um dos padres mal disfarçou um rumor que percorre acerca de Sol Basil e Gaya Demdike serem a mesma pessoa, uma bruxa — coçou a cabeça raspada ao observar a avenida movimentada através da janela. — Tive que pagar uma gigante quantia para a funcionária arranjar alguma forma no hotel de captar o restante da conversa. Mas você sabia disso?

Dane não entendia como explicar ao clérigo, mas careceu contar a verdade.

Quando conversamos pessoalmente no clube de jazz, não era do meu conhecimento. Porém, soube assim que Gaya me revelou todas as informações, a incluir seu nome verdadeiro.

— E por que me omitiu a informação? — a raiva o consumiu por momentos.

Em algum dia eu contaria. Mas não compreendo o motivo de sua revolta, padre.

O sacerdote esfregou as palmas no rosto, puxando a pele. Não queria revelar, mas agora precisava.

— O Gregori e ela não podem se reencontrar. Em nenhuma hipótese — andou pelo recinto, nervoso e preocupado ao extremo.

Provavelmente não se encontrarão se depender dela. Pode ficar sossegado — apanhou um creme de mãos e analisou o rótulo. — Mas por que me diz isso? É uma missão de vida ou morte?

Ah, ele me odiará por quebrar um sigilo, mas... — cochichou consigo — Franco Gregori ama Gaya Demdike tal qual a única pessoa que zela no mundo — Dane engoliu seco e reprimiu algo. — Não é apenas amá-la, Sr. Deangelo. Ele é obcecado. Chega a ser assustador e insano a maneira que admite amá-la. Se agirem contra a bruxa, creio que ocorrerá uma tragédia e não quero saber que em algum instante os dois se reencontrem.

Dane olhou para a porta, deixou o creme de volta no local que se encontrava e sentou-se na borda da banheira. Buscava sentido na situação.

Kansas, não me importo com seu amigo. Entende bem como sou. Meu objetivo é protegê-la e se ela me permitir, não haverá aproximação. Mas se Gaya desejar vê-lo, não posso fazer nada. Porém, na primeira chance, ela fugirá comigo daqui. E sobre nos acharem enquanto estivermos em Rye, fique tranquilo. Não lhe entregarei. Entretanto, devem estar cientes que minha construção como um corvo não foi em vão. Matarei todos que fizerem algo contra mim e as bruxas. E não estarei sozinho nessa barbárie.

— Suplico, não façam nada, Sr. Deangelo. Poupem a sanidade, a virtude e a liberdade. Só evite que ambos se vejam. Na primeira oportunidade que Franco enxergá-la, tenho certeza de que ele se esforçará para se aproximar. Nem sei se poderá alcançá-la em todos os cantos de Rye para tê-la. O Gregori reprime muitas coisas perigosas e uma delas é o amor. E com o amor, existirá o crescimento de um fruto entre essa relação. A basílica faria de tudo para dar um fim em qualquer criança e a mãe, para torturá-lo antes de abater.

Frutos de padres sempre são silenciados no propósito de manter o status da igreja e do sacerdote. A materialização do rompimento de um celibato.

— Afirmo que não agirei do jeito que implora. Quem tomará as decisões, é Gaya Demdike. Interfiro caso as coisas fujam do controle. Então cuide do seu sacerdócio, da investigação e de sua preservação, Padre Kansas. Todos contamos dívidas com a morte.

À medida que Dane contactava Kansas, pensativa, sentada no apoio da janela, feito nos velhos tempos, Gaya analisou a escada abaixo dos pés soltos e balançantes. E a escada ainda se conservava na mesma posição que outrora.

Até riu anasalado, desconcertada tal qual uma criança boba e admirou as pequenas estrelas alinhadas no céu escuro.

A brisa de Rye a tocar em seu rosto plácido, tatuagens traçadas, significava incomparável e assim sorriu. A audição, focada nos barulhos de pratos distantes, choros de crianças famintas, latidos e chiados de corujas, se perdeu com o ranger de uma janela distante a ser aberta. O olfato custou a sentir o perfume de canela misturado com as plantas da redondeza.

A luz amarelada, quente, escapava de um quarto pertencente aos Gregori. Na realidade, o aposento do falecido Sr. Callahan. Alguém que despertava as melhores memórias no amaldiçoado e que se rebelou contra a mãe e seus ensinamentos.

A fenestra era composta por um vaso de folhas murchas que pertenciam a alguma flor branca com diversas pétalas. Foi o que deu para enxergar à distância mediante a sombra.

Todavia, de repente, bem inesperado para apanhar as emoções da bruxa, se revelou a silhueta de um homem que tocou as folhas no intuito notar o ponto de sua morte e retirou uma por uma com cuidado para não se farelar nas mãos. Os ventos de Rye secavam árvores de tão frios durante a madrugada, mas isso havia ocorrido antes dela chegar.

O "desconhecido" aparentava entender bem como se cuidava de flores mortas. Aprendera com alguém e não se referia aos padres do seminário.

O rapaz atraente e misterioso de camisa social branca, colar de prata e tecido manchado de tinta ressaltada, nem percebeu a presença da bruxa a lhe observar longe com apreciação.

Ele apenas estava lá de modo a colher folhas secas.

Gaya ouvira sobre como Franco Gregori se portava bonito, diferente. Numa fase de atrair olhares e arrepiar o corpo em todos os sentidos. Minutos atrás, jamais imaginou que o tal homem forte, de postura ereta e solitário, se tratava do amaldiçoado.

O sensual contorno a instigou a imaginar obscenidades.

Após recolher as folhas, ele fechou a janela com lentidão, queria passar mais tempo com a vista externa e Gaya, acompanhando seus passos, somente avistou a lâmpada que antes fora acesa, se apagar.

No decorrer do hiato a testemunhar distante, a barriga tremeu de nervosismo. Precisaria correr ao banheiro para se libertar da ansiedade reprimida no estômago.

Mal sabia como Gaya se encontrava fisicamente, em outras questões pessoais profissionais, há períodos que não se viam e agora, ambos tinham vinte e seis anos. Jovens demais para reprimir amores.

Franco, torço que não me veja. Temo de retomar os maiores sentimentos já vividos. Nunca ficaremos juntos — sibilou tristemente a conversar sozinha. — Que seu Deus te afaste de mim.

https://youtu.be/6lKR_QzSmlk

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