Capítulo 2
QUATRO DIAS ANTES
Rafael
(Quinta-feira) 8 de julho
Acordo com minha cabeça latejando levemente. Abro meus olhos e não reconheço nada. Meu colchão é mais resistente do que estou deitado agora e meu edredom não é cor de rosa com listras roxas.
DROGA, essa não é minha casa.
- Droga. - falo alto dessa vez.
Algo se mexer do meu lado e sinto um corpo quente encostando na minha lateral. Levando o edredom para sair da cama com cuidado e vejo uma mulher morena dormindo ao meu lado e por conta da droga dessa cama mole, ela se mexe, devagar, preste a despertar. Paro e tento procurar minhas roupas pelo quarto.
Não lembro muito da noite passada, muito menos dessa mulher.
Infelizmente, hoje será um daqueles dias em que acordo com uma mulher do meu lado e tenho que inventar alguma desculpa para ir embora sem parecer um cafajeste, como já escutei diversas vezes. Coloco minha mão no rosto e tenho certeza que meu rosto não suportaria nem mais um tapa ou soco depois do anunciado.
Ela coloca, carinhosamente, o braço na minha perna, enquanto continuo procurando minha calça, somente com a visão. Minhas roupas não estão aqui. Levanto com mais cuidado, retirando seu braço devagar de cima da minha coxa, até ficar em pé por completo.
A casa está em completo silêncio, então caminho até a porta tentando enxergar no escuro. Meu celular está em cima do armário dela, pego e vejo que tenho cinco chamadas perdidas da minha irmã, algumas mensagens no e-mail da empresa, onde trabalho e um monte de mensagens no WhatsApp.
Abro a porta do quarto conferindo as mensagens da minha irmã e minha audição estoura, com a gritaria que vem da sala. De início não tenho certeza de quantas pessoas estão gritando, mas julgando pela minha dor de cabeça que aparece na hora, diria que eram umas vinte pessoas. O celular cai da minha mão e quebra o vidro com o impacto. Olho para o sofá da sala e vejo três adolescentes me observando, cada uma de uma maneira diferente e percebo o porquê. Estou completamente nu.
- Desculpa meninas. - Recolho o smartphone do chão e tento esconder minha parte íntima com a mão. - pode me dizer onde fica o banheiro?
Elas apontam para o corredor. Riu por um momento das expressões daquelas meninas, enquanto fecho a primeira porta que avisto no corredor. Depois me dou conta que não vou conseguir sair daqui de ''mansinho''. Meu celular toca.
- Amanda?
Sento na borda da banheira e fico de frente para o espelho. Meu cabelo castanho está uma bagunça, vejo que a academia começa a surtir efeito e meus olhos estão um pouco inchados por conta dos pesadelos noturno.
- Onde você está? Já deveria estar aqui. - boa pergunta, porém não sei bem como responder.
Recentemente ando tendo alguns apagões momentâneos, sei que deveria procurar um médico ou psicólogo, mas por enquanto não está interferindo muito na minha vida, tirando essa noite.
- Estou no banheiro, mas se você quiser saber em que casa a resposta é ''não faço ideia de onde estou nesse momento''.
- Não acredito que você está bêbado em um banheiro que você nem conhece, qual o seu problema?
- Não estou bêbado. Estou pelado e com dor de cabeça, esperando minhas roupas aparecerem para que eu possa vazar desse lugar.
Não posso tomar bebida alcoólica, devido a minha saúde. Então por que parece que acabei bebendo todas? Minha cabeça está latejando com força, tentando lembrar da noite passada. Não consigo lembrar de ter saindo na noite passada, na verdade, não me lembro de ter saindo de casa.
- Amanda, você sabe que não posso beber... por acaso lembra do que eu disse na noite passada?
- Você havia dito que iria jantar com uma moça e logo em seguida, MARCOU DE ESTÁ AQUI PELA MANHÃ. - Ela grita essa parte final e eu jogo o celular bem longe.
Três batidas na porta me fazem levantar e ir à porta.
- As suas roupas, Rafael.
Abro a porta e vejo as três adolescentes pela abertura. Elas estão lá me observando atentamente, uma por cima da outra. Uma delas deixa cair o celular quando tenta me ver por cima do ombro da sua amiga, ao se levantar para pegar o celular, percebo que ela tenta olhar por entre a abertura da porta.
Não posso ter uma imagem minha circulando pela internet desse jeito. Por mais que muitos tenham tentado.
- Obrigado. - Recolho as roupas e fecho a porta, escutando os comentários, ousados, através da porta.
Riu e olho para o chão, definitivamente agora quebrei meu celular.
***
Quando chego no meu apartamento, Amanda, já está lá em pé, com os braços cruzados e o olhar de superioridade estampado no rosto. Sua postura me diz que vamos ter outra discussão, sobre o mesmo assunto.
- Agora não. - Caminho diretamente para meu quarto, segurando um lado da cabeça com a mão. Quando abro a porta do quarto, meu sobrinho, Daniel pula da cama e me agarra com força gritando próximo do meu ouvido direito.
- TIOOOOO!
Tento largar ele da minha cintura, enquanto espero Amanda chegar para retirá-lo e possivelmente começará o sermão.
- Amanda, tira essa coisa agarrando minha cintura.
Todo mundo costuma falar que eu não gosto de crianças, mas não é que eu não goste de criança, acho que o problema é que não entendo direito como elas funcionam. E depois do que aconteceu ano passado... passei a evitar ao máximo as que vejo. Toda vez que chego perto de alguma criança, nunca sei o que fazer ou como agir, então parei de tentar, incluindo meu sobrinho de nove anos.
Daniel, aperta com mais força minha cintura, me prendendo em seus braços. Acho que ele não entendeu o meu comentário.
- Amanda, é sério! - ela não faz nada para resolver minha situação. - Olha o que o tio trouxe para você? - Quando percebo que ela não vai fazer nada, pego meu celular quebrado do bolso e arremesso no canto da sala. - Vai pegar! - Ele corre para pegar o presente novo dele, largando minha cintura.
- Rafael vê se cresce. Ele é uma criança e não um cachorro. E você pode devolver o celular do seu tio agora.
Olho para meu quarto e vejo que ele o destruiu em pouco tempo. Fecho a porta e volta para a sala do apartamento. Sento no sofá da sala, rezando mentalmente para os dois irem embora.
- Onde estão os meninos? - ela senta do meu lado, olhando o telefone a todo momento.
Divido meu apartamento com dois amigos meus: Marcos e Carlos. Marcos ainda está na faculdade, terminando seu curso de medicina junto comigo. Seu irmão mais velho (Carlos) é médico no hospital Santa Efigênia. Alugamos esse apartamento já faz três anos e praticamente nunca usamos e só nos encontramos na faculdade. Nesses raros momentos que estou em casa e eles, bom, não sei bem por onde andam, tenho o apartamento somente para mim e gosto do sossego. Portanto, quero descansar.
- Com quem você estava mesmo? - Amanda larga o celular e fica me encarando enquanto Daniel continua brincando com o celular quebrado na poltrona branca da sala, esperando uma resposta sincera.
- Acho que era Maria, Mariana ou Ana, Sei lá, não estou lembrado. - Amanda detesta quando faço isso, não lembrar dos nomes das mulheres que fiquei, nem que seja por uma noite, porém realmente não me lembro de nada dessa vez. Sorrio da cara que ela faz do meu comentário.
- Melhor mudarmos de assunto e falar logo sobre as mensagens. - Ela murcha no sofá e meu sorriso se vai, ficando com o medo estampado na cara.
- Não vou nessa reunião e pronto, e segundo quando você vai embora mesmo? - Aponto para a porta. Tiro a blusa suja e indo para o quarto, encerrando esse assunto ao qual não podemos falar. - Quando sair fecha a porta. Obrigado!
Não sei como, mas quando entro no quarto Daniel está em cima da cama com o celular na mão, me olhando com cara de choro. Me preparo para mais um de seus ataques, mas acho que dessa vez vai ser diferente, seu olhar está estranho.
- Tio, posso ficar aqui com o senhor? Não quero ir nessa reunião de família. Mamãe disse que não tenho opção, mas não quero ir. - Minha cabeça começa a dar pontadas só em lembrar do que aconteceu no ano passado, quando foi escolhido. Sento do seu lado da cama e ele vem para mais perto de mim.
- Daniel porque você não quer ir? - ele me abraça com um pouco de força e chora baixo.
- Só não quero, tio! - percebo que ele não vai parar de chorar, até eu aceitar, portanto, deixo ele chorar nos meus braços até ele pegar no sono.
- Não quer brincar com os seus primos na festa, vai ter piscina e fica próximo do mar. Pensa só que bacana. - Ele tenta responder, mas as lágrimas que ele tenta esconder não me deixa entender sua resposta, mas percebo ser um "dessa vez não tio".
Sou uma péssima pessoa em tentar induzir meu sobrinho a ir nessa viagem, porque sei que não temos outra opção, assim como Amanda mencionou. O não, nunca é válido nesse caso. Já renunciei quase tudo relacionado a nossa família, não estou nos tabloides, mesmo que ocasionalmente meu rosto aparece nas capas das revistas e redes sociais, como o lobo solitário dos Martins e um dos solteiros mais cobiçados do país.
Em poucos minutos, Daniel conseguiu dormir, com o rosto todo vermelho. Deito ele na minha cama e vou para a sala, terminar esse assunto de uma vez.
Amanda, ainda está no sofá e do seu lado está Marcos, meu amigo, que divide o apartamento comigo. Ele é bastante inteligente e segue o lema, perco um amigo, mas nunca perco uma piada, a não ser quando se trata da minha irmã. Ele tem uma queda por ela desde o primeiro momento que a viu, mas toda vez que ele fica perto dela, acaba se atrapalhando todo e começa a falar coisas sem sentindo. Ele é quase do meu tamanho e tem o cabelo ondulado, tem pequenas tatuagens desenhadas pelo braço e sua barba sempre está bem alinhada, como agora.
- Rafa! Meu amigo. - Marcos se levanta tão rápido do sofá que esbarra na mesinha no canto, onde ficam os controles remotos, derrubando todos no chão.
- Não faz barulho, Daniel acabou de dormir no quarto. - falo baixo, ajudando a pegar os controles no chão.
- Desculpa Amanda. - Marcos pega o último controle do chão - ela estava me contando sobre a reunião que vai acontecer. - ele começa a se empolgar todo. - Cara, todo mundo vai começar a comentar, como todo ano acontece e Amanda me convidou para participar. Acredita nisso?
Fico paralisada e jogo os controles em cima do sofá, entendendo todo o jogo que Amanda está armando. Mudando o foco para outra pessoa, desde que não seja ela, tudo ficará bem.
- Você não vai nessa festa. - digo rigidamente para ele, ficando de pé.
- Rafael não seja criança. - quase pulo em seu pescoço ao ver ela fazendo esse teatro comigo, mesmo tendo motivos para agir dessa forma.
- Não podemos levar ninguém que não esteja na lista irmã e você sabe muito bem disso.
Sua mão começa a tremer de medo que seu plano comece a dar errado logo no início, por minha causa. Deveríamos ter conversado antes.
- Olha, se for para causar tanta confusão assim, então é melhor eu ficar.
- Não, Marcos é meu convidado e vai com a gente. - ele se enche de admiração por ela.
- Ele não vai.
- Acho que vou, sim, desculpe.
Fecho minha mão em punho para me controlar e respiro fundo, já sabendo onde tudo isso vai acabar. Como sempre "ele" sempre consegue o que quer, de alguma forma "ele" sempre vencer. Fechos meus olhos e controlo minha raiva por nunca conseguir me livrar desse pesadelo.
- Certo, vou com vocês. Mas tenho uma condição: Quando eu pedir para virmos embora, todos, vão concordar, sem produzir nem um tipo de som.
Os dois se olham e Amanda confirma tudo o que digo, entendendo todas as entrelinhas nesse pedido.
- Fechado. Até parece que vamos cometer um crime juntos.
Erick
(Sexta-feira) 9 de julho 13:32h
Tento colocar mais dois livros de anatomia na mala lotada. Minha paciência está quase estourando, junto com o zíper da mala. Essa reunião vai durar três dias, e minha paciência de aturar família feliz já se esgotou faz quinze anos. Coloco mais força na porcaria desse livro que provavelmente nem irei ler durante esse encontro.
Minha mente começa a trabalhar a mil, os pensamentos me bombardeiam a todo instante, com perguntas e automaticamente com resposta que não quero que seja verdade, mas sei que vou ter que fazer isso na festa. Porque dessa vez, quem será o escolhido serei eu.
Venho tendo pesadelos frequentes durante cinco anos e pretendo acabar com eles.
Nunca estive tão feliz quando dessa vez. Passei o ano inteiro esperando esse dia chegar e agora que foi confirmado, finalmente, chegou o meu momento. Pego meu celular e início a vídeo-chamada com meus seguidores que só sabem o que deixo eles verem ao meu respeito.
- Gente, vocês não vão adivinhar o que estou fazendo agora... - dou um tempo para eles pensarem, enquanto vibro freneticamente em frente a câmera. - A reunião com minha família vai acontecer esse final de semana e estou terminando tudo aqui para partir em viagem. - O número de pessoas online me assistindo começam a subir disparadamente. Aproximo o celular da boca e falo sussurrando. - Vou tentar filmar escondidos para vocês.
Termino de fechar a mala em vídeo, dou uma última olhada na casa. Tudo parece em perfeito estado, como deve estar. Pego minha passagem e tranco a casa, desligando o celular com um ''faloooou!!!" para meus seguidores. Minha rede social dispara com mensagens e likes, obsessivos dos fãs.
Meu carro particular para na minha frente e fico observando a chuva de comentários com meu nome sendo mencionado em todos as redes sociais.
Bando de imbecis! Nunca aprendem que a realidade nunca é aquilo que somos pagos para fazer. Porque se soubessem o que é a vida real e o quando estamos dispostos a pagar para continuarmos vivendo longe dela, eles iriam nos apedrejar e nos queimar em uma fogueira, ainda vivos ao invés de nos enaltecer com a testa colada no chão.
- Podemos ir. - O motorista espera minha confirmação.
Mal posso esperar para ver toda a família reunida novamente.
- Podemos sim.
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