Capítulo 9

✧ Saindo de cena ✧

Não sei por quanto tempo fiquei desacordado. Pude perceber que me deslocaram de lugar. Eu não estava mais no armário.

Havia horas que via minha mãe ao lado. Outras vezes, vi até a minha avó. Na maior parte do tempo fiquei completamente apagado.

Foi então que senti uma brisa suave passar por mim. Abri meus olhos. Eu estava confortavelmente deitado em minha cama, ainda no mesmo quarto. As portas da varanda estavam abertas, com as cortinas dançando suavemente por conta do vento. Não havia ninguém além de mim. Já era dia.

Tentei me levantar e reparei na minha mão esquerda. Estava com um curativo de tamanho considerável abaixo do pulso. Olhei para o lado e vi uma bandeja com café da manhã intocado por cima da escrivaninha. Não estava com fome. O desânimo por saber que ainda me encontrava neste quarto maldito me tirava qualquer sensação de fome ou até mesmo ter energia para sair do lugar. Mas eu tinha que pelo menos levantar da cama para tentar me livrar daquilo.

Assim que me apoiei sobre os cotovelos, notei um movimento perto de uma das cortinas. Ao olhar com atenção, congelei na hora.

Era a tal garota.

Prendi a respiração por um momento.

Ela olhava para mim com o semblante inexpressivo. Mas havia alguma coisa diferente, não sei dizer o que era. Seja lá o que for, ainda continuava me assustando.

A garota atravessou pela borda de uma das portas e meio que deslizou pelo espaço até ficar a poucos centímetros da minha cama, e consequentemente de mim.

Fiquei em estado de alerta. Tentei me afastar, encolhendo-me próximo à parede do lado direito da cama. Estava encurralado. Fechei meus olhos. Um completo covarde.

— Me perdoe.

Ouvi a sua voz nitidamente. Arrisquei-me a abrir os olhos. Ela já estava bem mais próxima de mim.

— Eu não quis te machucar... — Ouvi as palavras saírem de sua boca. "Isso não podia ser real, isso não é real...", eu não cansava de repetir para mim mesmo em pensamento. Ela se aproximou e fez menção de pousar sua mão sobre o meu curativo. Recuei de imediato.

— Quem é você?! — Questionei-a. Não acreditava naquela situação: eu ali, conversando com uma...

A garota não respondia. Somente olhava para sua própria mão que ainda mantinha suspensa no ar.

Não parecia mais tão assustadora como antes.

Parecia um anjo agora. Irônico, eu sei.

Toda feita de névoa.

De perto, pude ver como era de fato. O que me chamou mais a atenção eram os seus cabelos, num tom ruivo alaranjado. Compridos e perfeitamente ondulados, como os de uma boneca. Usava uma blusa branca delicada e sem mangas, acompanhada de uma saia rodada com estampa xadrez azul comprida, até um pouco abaixo dos joelhos. E o olhar... agora doce e complacente.

De repente, a porta do quarto se abriu. Era a minha mãe. Quando retornei a olhar para a garota, ela já não estava mais lá.

— Chamou, meu filho? — perguntou, aproximando-se de mim.

— Mãe... — Eu não sabia bem o que dizer. Estava envergonhado.

— Tá tudo bem, meu amor! Sua avó deu uma passadinha aqui e deu uma olhada em você.

— Quando isso? — Sentei de imediato — Há quantos dias eu fiquei apagado? — Ela riu, diante do meu espanto.

— Você se machucou ontem à noite. Passei a madrugada toda aqui com você... E sua vó veio te ver de manhã cedo — respondeu, sentando ao meu lado.

— Sério?

— Sério! Você ficou com febre alta a maior parte do tempo! Só quando amanheceu que deu uma trégua. Fiquei preocupada — comentou, massageando com carinho meu ombro esquerdo. Olhei para o curativo.

— Mas graças a Deus essa febre não tem a ver com seu machucado. Bem, foi isso que sua vó disse. Você se machucou com um prego exposto no armário. O que tava fazendo lá dentro?

Desviei o olhar, sem graça com a situação. O que eu ia falar? Se eu contasse a verdade, iriam achar que não estou bem mentalmente. Eu mesmo estou quase chegando a esta conclusão.

— Fale, querido! Não tenha medo, pode contar!

— Mãe... eu não quero mais dormir neste quarto.

— Oi? Mas por quê? Achei que tivesse gostado tanto daqui!

— Este quarto me assusta! Não me sinto bem aqui.

— Como assim? Foi por isso que se enfiou lá dentro? — Essa insistência dela em saber o porquê me deixava agoniado. Peguei o copo com suco de laranja para desobstruir aquele nó na garganta. Eu deveria contar tudo. Mas o meu egoísmo não deixava. De certa forma, queria resolver tudo sozinho.

Eu continuava com medo também.

Mas o fato de ser o único a ter visto a garota...

— Mãe, tô cansado — respondi, devolvendo o copo à bandeja.

— Tudo bem, então... É bom descansar mesmo. Depois conversamos melhor sobre isso — Ela finalizou, ajudando-me a deitar novamente. Deu um beijo em meu curativo e saiu do quarto levando a bandeja do café consigo.

A garota não apareceu pelo resto do dia.

Confesso que esperei ansioso pelo seu retorno. A forma como se dirigiu a mim, não de maneira assustadora e agressiva como antes, surpreendeu-me.

Pela tarde fui ao médico, por insistência de minha mãe. Felizmente, minha mão iria se recuperar bem, sem grandes danos. Talvez ficasse com um arranhão de recordação. Mas foi recomendado tomar mais uma dose da vacina antitetânica. Combinamos de passar num posto de saúde na próxima semana.

No dia seguinte, voltei para o colégio.

— O que aconteceu? Se cortou? — Perguntou Carina, passando o dedo indicador de leve sobre o meu curativo.

— Nada demais! Me feri com um prego... — Ela fez uma careta.

— Rapaz! Quase fui na sua casa ontem pra saber por onde você andava! — disse Giovani, e eu sorri como resposta.

— E então, o que perdi?

— Provas, atividades valendo ponto... — Carina contava nos dedos.

— Fala sério, gente! Não me assustem! — Agora sim fiquei assustado...

*

Depois do colégio, voltei para casa. Almocei com um pouco de dificuldade, tive que usar a mão direita pois sou canhoto. Na escola não tive problemas já que Carina fez questão de anotar os assuntos em meu caderno.

No intervalo entre as aulas, pensei muito sobre os últimos dias e decidi. Não iria dormir naquele quarto hoje. E provavelmente nos outros dias também não. Falei para minha mãe que usaria o quarto vazio que restou. Ela não relutou, ainda bem.

Assim que entrei em meu quarto... Corrigindo, em breve talvez não fosse mais meu. O meu machucado era a prova de que não estaria seguro continuando ali. Poderia ter sofrido algo mais grave, em se tratando de um fantasma que não vai muito com a minha cara.

Aproveitei a mochila do colégio e a usei para pegar as coisas mais importantes, como meu velho laptop e livros. Depois pegaria outras coisas, pois não pretendia frequentar mais este quarto.

Antes de sair, parei e observei a varanda fechada.

— Eu sei que você está aqui — falei, olhando então ao meu redor — Pode ficar tranquila, eu não serei mais um intruso. Estou me mudando.

Apenas silêncio como resposta.

No fundo, eu não queria sair. Mas a razão me dizia que era o certo a se fazer, já que era para o meu bem. Acho que o ideal seria me mudar de casa.

— Não sou seu inimigo. Eu... só queria saber o seu nome — Essas últimas palavras saíram num tom baixo, sem que eu mesmo percebesse. Eu realmente queria saber. Mas não aconteceria, é claro.

Mais silêncio. Talvez aquilo tudo fosse loucura.

Saí do quarto e me instalei no outro que havia no final do corredor.



Música-tema do capitulo: "Estrela" | Artista: Gilberto Gil

Cena: aparição da nossa fantasminha 👻

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Olá! ☺️

Agora um capítulo mais calmo, não é mesmo?

Espero que estejam gostando da história, até a próxima!

Amplexos,

Babi 🌜

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