Capítulo 3


✧ Alguém do passado ✧


Quarta-feira. Tirei o celular debaixo do travesseiro e vi que já eram quase oito da manhã. Acordei tinha cerca de meia hora, mas ainda permanecia deitado observando meu novo quarto. Só não agradeci à minha mãe até agora por tê-lo me dado, por medo dela mudar de ideia e resolver presentear a grudenta.

Levantando da cama, espreguicei-me e fui até o computador que já se encontrava em cima da escrivaninha que havia no quarto. Arrastei a cadeira e me sentei, tratando de checar os meus emails e redes sociais. Havia algumas mensagens de amigos que deixei na capital... Não estava com saco de responder a todos agora. Se o fizesse, poderia acabar sendo rude pois acordei mal-humorado. É que apesar de passar praticamente a maior parte do meu tempo no computador, sinto um imenso tédio. Outra coisa para confessar: sou um completo "Nerd". Minha irmã sempre joga isso na minha cara. Está certa, fazer o quê. Já ela, no segundo dia que chegou aqui já fez várias amizades. É o oposto de mim. Ontem mesmo, combinou com a minha mãe que iria passar o dia de hoje passeando por aí com uma vizinha que mora logo em frente. Ouvi que iriam à praia. Já se passou uma semana desde que nos mudamos para cá e eu não fiz outra coisa a não ser ficar em casa e de vez em quando fazer algumas compras para minha mãe.

Saí da frente do computador e fui para o banheiro me arrumar. Fiz tudo na maior preguiça do mundo, ninguém estava me esperando. Depois desci as escadas, observando se havia mais alguém pela casa. Meu pai viajou ontem para a capital a fim de resolver algumas coisas do trabalho. Minha mãe pelo visto, saiu também. Enfim, estava completamente sozinho. Fui até a cozinha para tomar meu café, mas incrivelmente acordei sem fome. Dei uma olhada rápida num bloco de notas preso à geladeira, pois havia um recado. Parece que minha mãe tinha ido visitar minha avó que morava perto daqui. Que vergonha, desde que cheguei ainda não fui ver minha avó...

Abri a geladeira e peguei uma jarra de leite. Normalmente detesto leite, mas quando está gelado até que é bom. Enchi com generosidade um copo quando de repente ouvi o interfone tocar. Tomei um susto na hora, quase derrubo o copo ao chão. Devolvi com cuidado a jarra na geladeira e enxugando rapidamente a boca com as costas da minha mão, fui atender a portão. Devia ser a tonta da Stefany. O interfone estava com defeito, mas tinha certeza que era ela.

Caminhei descalço pelo jardim e ao abrir o portão, deparei-me com uma garota... desconhecida. Deve ter errado de endereço. Digo isso porque era linda. E eu não tinha toda a sorte do mundo, não é mesmo?

No momento em que abri a porta, ela estava de costas acenando para alguém da rua. Virou-se para mim e sorriu. Sorri em resposta e aproveitei e para dar uma rápida olhada geral nela. Não era muito alta porém esbelta, tinha os cabelos castanhos e curtos estilo Chanel e... parecia ser uma "nerd" como eu, mas totalmente na moda. Segurava um livro enorme... Pronto. Só faltava saber quem era ela.

— Bom dia! Dona Cecília está? — perguntou, analisando-me de cima a baixo, assim como eu tinha feito com ela.

— Bom dia... Não, ela saiu. foi aqui pertinho. Er... Posso ajudar?

— Acho que sim! Eu sou a vizinha aqui do lado. Moro naquela casa amarela, sabe? — Apontou para uma direção onde pude ver uma casinha amarela a uma curta distância de onde estávamos.

— Hum! — Sou péssimo com visitas. Até quando isso vai durar? Acordei com uma impaciência...

— Você... é filho dela?

— Sou sim. — Prendi um bocejo e fingi uma tosse.

— Bernardo, não é? — perguntou novamente, ajeitando um livro que levava embaixo de seu braço esquerdo. Respondi acenando com a cabeça.

— O nome "Carina" te faz lembrar de algo?

Ouvir esse nome foi como um estalo. Acordei do meu tédio na hora e fixei minha atenção na moça. Olhando bem para ela agora, até que me parecia familiar... Carina.

Foi então que se aproximou de mim, num movimento rápido. E se erguendo na ponta dos pés, ela me beijou.

Foi um beijo... no nariz.

Na verdade, um selinho no nariz. Foi o que me fez lembrar dela.

— Carina... Isso ajudou muito, agora sim me lembrei de você! — Depois dessa cena, caímos na gargalhada. Como eu iria esquecer um mico tão grande quanto este? Micos de infância a gente nunca esquece.

— Eu sabia que iria se lembrar! Só precisou de um empurrãozinho! — riu novamente, mas dava para ver que não tinha corado só pelo riso.

— Confesso que fico contente de você ainda se lembrar disso! — Assim que falei essa última frase, começou a chover bem forte. E eu nem reparei quando começou a garoar. Foi como se alguém lá de cima tivesse contado até três para então deixar cair tudo de vez. Tomamos um susto ao mesmo tempo.

— Venha, corre! — Chamei-a para que entrasse. Bati o portão e corremos para a varanda de casa.

— Ai, droga! — Lembrei — Minha mãe avisou para fechar todas as janelas caso chovesse. Já volto, fique a vontade! — Entrei depressa, ao longe ainda pude ouvi-la rindo. Ao chegar ao meu quarto, senti um cheiro gostoso de terra molhada vindo do jardim de trás. Fechei as portas que davam para a varanda e fui cuidar das janelas dos outros quartos. Depois de fechar tudo, voltei para a sala e reparei que ela não tinha entrado. Ao chegar à porta, riu mais um pouco ao me ver novamente.

— Que foi?

— Eu não falei de início, mas seu cabelo está um pouco desarrumado... — sorriu, divertida.

— Droga. — Resmunguei baixo, ajeitando meu cabelo com a ajuda de um grande espelho retangular que havia no hall de entrada. Meus cachos estavam como sempre rebeldes, mas foi ao olhar para baixo que fiquei chateado. Estava vestindo uma camisa branca bem folgada e uma velha calça moletom cinza. E para completar, estava descalço. Minha pele morena estava um pouco pálida, precisava pegar um pouco de sol. Eu estava um caos, não poderia negar.

— Sempre tenho que arrumar ele, é muito rebelde. — Falei, um pouco constrangido enquanto passava as mãos pelos cabelos. Questionei-a:

— E então, por que não entrou?

— Ai, com essa chuva o tempo ficou tão fresquinho... bora conversar aqui na varanda mesmo? Até porque não vou poder ficar muito tempo.

— Ok, então! Senta aqui — Convidei-a para sentar no sofá balanço que havia ao lado.
Sentamos e começamos a conversar. Assim que me lembrei dela, senti-me totalmente à vontade. A conheci quando morava por aqui com uns quatro anos de idade, eu acho. Éramos muito amigos, até me mudar com os meus pais para a capital.

— Se lembra de Giovani?

— Lembro, sim! Mas ainda não nos esbarramos. Como ele tá?

— Ah! Ele cresceu, acho que tá até maior que você!

— Então pelo jeito só o verei na escola mesmo — Continuamos conversando enquanto a chuva caía. Havia momentos que a chuva engrossava a ponto de nos forçar a aumentar o volume de nossas vozes, e também de nos aproximarmos o suficiente para que eu sentisse o cheiro doce de seu perfume. Carina estava usando um cropped de crochê preto com mangas até o cotovelo, com um shorts jeans azul claro não tão curto, além de delicadas sandálias do tipo rasteirinha. Estava simples, mas linda. Sua roupa realçava o seu tom de pele, que era bem branquinha.

— Sabe... — Ela mudou o tom de voz, ajudando-me a fazer o balanço se movimentar de trás para frente, lentamente — ... nunca vou me esquecer daquele dia.

— Qual? — Fiquei confuso. Notei que estava um pouco hesitante em responder, seu rosto começou a ficar levemente corado. E então, disparou:

— Eu fui o seu primeiro amor, não fui?! — Sorriu, apontando-me com o dedo indicador. Parecia até uma acusação. Nesta hora tive que desviar o olhar, pois fiquei desconcertado. Mas senti que continuava me encarando, esperando obviamente por uma resposta.

— Você foi o primeiro a gostar de uma garotinha com janelinha! — Neste momento ela encostou seu ombro no meu e apontou para a sua própria boca. Rimos juntos. Não sabia em que buraco deveria me enfiar. O mais próximo era a caixa de correio.

— E como não bastava só a declaração, ainda me deu um selinho justo no nariz! Pode uma coisa dessas? — Ela continuou curtindo com a minha cara.

— Ok, ok! Pode rir... — Revirei os olhos, sem graça.

— Poxa! Já vou indo, Ben!

— Já? — Fiquei aliviado, já tinha passado vergonha o suficiente.

— Tá na minha hora! Antes que eu me esqueça — entregou-me o livro que segurava até então — isto é um álbum de fotografias. Sua avó passou lá em casa já faz alguns dias e nos deixou este álbum. São fotos antigas da sua família... Não fique com vergonha, mas tem fotos suas de quando era menor! E eu vi todas! — desatou a rir novamente. Não lembrava que risse tanto assim.

— Muito bom saber disso! — Ironizei. Peguei o livro e notei que era pesadinho.

— Nos vemos na escola! Você vem pro Fonte do Saber, né?

— Esse mesmo!

— Certo! Cadê meu beijo?

Acompanhei-a até o portão e nos despedimos com beijos na face, é claro. E ela foi embora, aproveitando que a chuva tinha passado. Voltando ao meu tédio costumeiro, fui para a sala para procurar o que fazer.





Horas mais tarde, minha mãe voltou para casa trazendo uma sacola cheia de verduras e novidades de minha avó. Almoçamos, mas confesso que mal a ouvia tagarelar, pois estava lembrando do que tinha acontecido mais cedo.

— Anda chovendo muito por esses dias, né? — Ela ia enxugando os pratos que eu lavava. Assenti, tentando me concentrar na conversa.— Ah, me faz um favor meu filho? Vá ver se tranquei realmente a porta da frente... Não podemos facilitar, esta cidade não é tão segura assim. Não precisa olhar o portão, esse eu lembro de ter fechado direito. — Enxuguei minhas mãos com o pano de prato e corri para confirmar que a porta estava mesmo trancada. Em seguida, retornei para a cozinha.— Está! — Fiz dois joinhas com as mãos e fui guardar os copos no armário.

— Ótimo!

— Ah, mãe — lembrei do álbum — hoje mais cedo, Carina apareceu aqui. Não sei se a senhora lembra dela.

— Foi? Claro que eu lembro! Você a reconheceu? Ela cresceu tanto e ficou ainda mais linda, não acha?

— Er... Ela deixou um álbum de fotografias... Disse que é da minha avó, que lhe deu para dar uma olhada — Fui até a sala e voltei com o álbum. Minha mãe ajeitou a mesa e no momento que se preparava para pegar o álbum de minhas mãos,desabou uma tempestade lá fora. Olhamos um para o outro, chocados.

— Meu Deus, que aguaceiro! E sua irmã lá fora! Vai chegar em casa toda ensopada, você vai ver! Tá até demorando de chegar... — comentou, já abrindo o álbum. Mas foi então que ouvimos um barulho vindo do segundo andar, batidas muito fortes.

— Você fechou todas as janelas?

— Claro! Espera aí que vou dar uma olhada, já volto! — Dirigi-me às escadas. Assim que cheguei ao topo, apurei a audição. Andei pelo corredor, procurando de onde vinha aquele barulho todo. O som vinha logo do meu quarto. Assim que entrei,deparei-me com uma cena lamentável: as duas portas da varanda estavam abertas,batendo na parede sem parar por conta do vento forte. Sem falar que o chão estava com uma enorme poça d'água. A ventania fazia as cortinas dançarem alucinadas, respingando para todo lado. Minha mãe chegou logo atrás de mim.

— Deus, que bagunça! Feche logo isso! — Corri para fechá-las, tomando cuidado para não escorregar no chão molhado. Assim que as fechei, tudo se acalmou, mas ainda podíamos ouvir a violência da chuva lá fora.

— Você não deve ter fechado direito, meu filho. Agora terá que enxugar, fazer o quê!

— Deixa, já vou limpar tudo — Bufei de raiva. Enquanto Stefany estava lá fora se divertindo, eu ainda tinha que esfregar o chão. Se bem que com essa chuva,como será que deve estar a praia agora?

Minha mãe me deixou sozinho no quarto e voltou para o andar de baixo. Peguei um esfregão e um balde, e comecei a trabalhar. Enquanto enxugava,procurei esvaziar a mente para não me distrair e assim poder terminar logo.Incrível como aqui chove durante o inverno.




Música-tema do capítulo: "Just Right" | Artista: GOT7

Personagem: Carina

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Olá!

Mais um capítulo entregue... Considero que a história começa mesmo por aqui, hehe 💜

Inté a próxima pessoinhas,bju!

⭐ Babi

babiempaginas


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