Capítulo 20
✧ Família é a que temos ✧
Quando estava prestes a rabiscar no caderno o quarto boneco de palitinho, parei no meio do caminho e foi surgindo... uma tristeza dentro de mim.
Era como se meu pai estivesse se desconectando da nossa família.
Não gosto de ver a minha mãe chorando, ainda mais quando o motivo era o meu pai.
Cara, eles eram feitos um para o outro! É tão feliz, tão perfeito ver os dois juntos! É como se eles se completassem.
E é isso que eu imagino como deve ser o amor. Eu quero encontrar alguém que me complete.
Levantei os olhos do desenho e a procurei...
Belinda estava sentada de costas à alguns metros à minha frente, concentrada em seu livro.
Eu quero que este alguém se sinta completa comigo também.
Ela é linda. Mas eu precisava conhecê-la melhor. Vontade era o que não faltava, bastava me dar mais abertura. E quanto a mim, um pouco mais de ousadia, sair da minha zona de conforto.
Terminara de desenhar uma réplica do adesivo do carro de meu pai, da nossa família em versão boneco de palito. Ao lado do quarto bonequinho, havia um outro que havia desenhado, porém apaguei por ter ficado mal feito. Mas como a borracha já não era das melhores, ainda dava para ver o esboço.
Amélia tinha que ser tão complicada?
O que aconteceu em sua vida para que ela se tornasse assim?
O que a prendia àquela casa? O que a impedia de partir?
Tantas perguntas e nenhuma resposta.
Olhei para o lado e notei Carina observando a minha obra de arte. Ela tomou o caderno de minha mão e começou a rabiscar por cima do meu desenho. Acho que a entusiasmei a melhorá-lo. Encarei-a, fingindo estar magoado, e ela nem me deu bola. Resolvi então começar a prestar atenção à aula.
Momentos depois, já estávamos no pátio, próximos à cantina. Distraído, conversando com alguns conhecidos, olhei para o pequeno grupo de alunos à minha frente e sem querer reparei em um casal que se beijava às escondidas, num vão debaixo da escada que dava para o primeiro andar. Quando olhei um pouco melhor, a decepção me atingira em cheio.
Era Belinda... com Noah.
Eles se beijavam vagarosamente, como se tivessem todo o tempo do mundo, e como se não houvesse ninguém mais além deles.
Eu não saberia dizer qual sentimento estava mais forte dentro de mim. Era uma mistura de choque, com decepção e com certeza, muita raiva.
Tinha que ser justo com ele?
— É, meu amigo — Gio se posicionou ao meu lado — Pra certas coisas não há explicação! As mulheres são uma incógnita pra mim. Os bonzinhos só se lascam! — deu-me dois tapinhas no ombro e saiu. Também me retirei, porque aquela situação era desconcertante demais. Eu levei um soco por causa dessa garota, e...
Parei um instante de caminhar e decidi voltar para a sala. Foi quando senti novamente Giovani no meu encalço:
— Cara, tem alguém que vale muito mais a pena investir — acenou a cabeça na direção de Carina, que estava sentada num banco no corredor entre as salas, mexendo no celular.
Ele havia tocado num ponto um tanto complicado. Algo que eu estava evitando pensar no assunto.
Ignorei-o e segui até a nossa sala.
Minha história com Carina começou há muitos anos, e posso dizer que ela foi o meu primeiro amor. Um amor inocente, infantil. Uma amizade que me confundia muito. Ela tinha sido a primeira menina em que pusera os olhos. E como eu a admirava! Mas mesmo depois da minha tentativa tosca de declaração, que nem palavras tive coragem de dizer... Foi como se nada tivesse acontecido. A nossa amizade continuou, e confesso que ao invés de ter me desapontado, fiquei foi aliviado. E com o tempo fui deixando este assunto de lado.
Anos depois, voltando para esta cidade, fiquei feliz com o nosso reencontro. Mas confesso que às vezes sinto algo diferente entre nós. Somos os mesmos, porém crescemos. Sinto que preciso tomar cuidado com as minhas atitudes quando estou perto dela. É como se eu sentisse que agora ela prestasse mais atenção em mim. E pelo que vi, Gio também notou. Eu só sei que não quero magoa-la. Ou eu posso estar enganado e como sempre isso ser apenas uma viagem da minha cabeça.
✧
Horas mais tarde, eu já tinha chegado em casa. Não demorou muito para que a minha mãe também chegasse da rua, trazendo um almoço pronto, feito pela minha avó. Ela chegara falante, arrumando a mesa da cozinha, porém eu não prestava atenção às suas palavras. Admirava a sua beleza, em como sua pele negra estava com um bronzeado bonito, agora que podíamos ir mais à praia — apesar das chuvas. Ela estava de cabelos soltos, seus cachos bem definidos demonstravam que havia os lavado hoje. Isso era um bom sinal.
— Por que tá me olhando assim? — Ela riu, colocando as mãos na cintura.
— Nada, não! — Sorri satisfeito, e continuei almoçando. Que bom que ela estava bem hoje. Pelo menos isso.
Pouco depois, saí da cozinha e fui até o meu quarto. Nada de Amélia. Voltei para o corredor e vi Stefany se aproximando no sentido contrário.
— Você viu Amélia?
— Vê se deixa ela em paz! — Depois da grosseria, passou por mim e desceu as escadas correndo.
Dei meia volta e retornei para o quarto. Mas desta vez reparei que a varanda estava entreaberta e a vi sentada no chão, de costas para mim.
Aproximei-me devagar e abri as portas, indo sentar ao seu lado. Amélia me olhou de esguia, e logo em seguida desviou o olhar. Estava com o semblante sério, infelizmente isso não me dava nenhuma pista do seu estado de humor atual.
Ficamos um tempo em silêncio, o suficiente para que eu pudesse admirar um pouco o céu nublado acima de nós. Gosto do cinza das nuvens, e da forma lenta de como se movimentavam.
Como o silêncio já estava me incomodando, resolvi quebrá-lo:
— Eu juro que eu não sabia que ela era a sua irmã.
— Eu sei — Ela juntou os dois joelhos e abaixou a cabeça, encostando a testa neles. Deu um suspiro e continuou:
— Beatrice é a minha irmã gêmea.
— Sério?!
Aquilo era uma revelação e tanta para mim.Vó Beata podia ter me dado essa informação, poxa!
— Me desculpe pela forma como agi... Não imaginava que vocês fossem se conhecer. Fiquei fora de mim! — Ela levantou o rosto, mas não me encarava — Eu a amo muito, sabe? Sempre a amarei. Mas sei que a magoei demais...
— Hum... Ela não me parecia chateada.
— Eu a fiz muito mal.
Ela escondeu seu rosto novamente, como se talvez tivesse vergonha do que havia feito. Ou para esconder seus sentimentos de mim.
Odeio dizer isso, é muito chato, porém eu estava sim com pena de Amélia. Dava para sentir que se esforçava para não chorar.
Nesse instante comecei a reparar em seus traços e associa-los aos de vó Beata. Seus cabelos eram alaranjados e bem compridos, formando ondas por toda a sua extensão, e cacheavam de leve nas pontas. Sua pele era branca, e eu poderia até dizer que ela não era daqui. Parecia até estrangeira, afinal, não era comum esbarrar com alguma ruiva por aí. Era estranho demais saber que eram gêmeas. Que um dia, ela poderia ter envelhecido como Beatrice. Mas... do jeito que Amélia reage ao passado, coisa boa não deve ter acontecido.
Até que era bonita. Mas a sua beleza ficou parada no tempo. A sua vida interrompida em plena juventude.
Ficar aqui nesta casa, vendo os anos passarem, as pessoas se forem... Por que que ela ainda continuava aqui?
Eu evitava pensar no pior. Tinha receio de perguntar, ser mais direto. E se nem ela mesma soubesse muito bem o que havia lhe ocorrido?
Eu também não queria espantá-la, queria saber mais sobre sua vida. Como era pelo menos. Até para ajudar de alguma forma.
Amélia por um instante olhou em meus olhos e enxerguei ali uma menina desprotegida e só. E era estranho vê-la frágil assim, quando houveram vezes em que a temi.
— Nunca deixe de valorizar a sua família. Sua mãe, seu pai, sua irmã... — Fui pego desprevenido com suas palavras, e desviei a minha atenção para as nuvens cinzentas.
— As coisas andam um pouco chatas. Tô preocupado com minha mãe. Ela voltou a fumar.
— Esteja mais presente, do seu lado. Acho que ela pode tá se sentindo sozinha.
Amélia deve passar bastante tempo nos observando como família. Eu achando que ela vigia-se somente a mim.
— Eu queria poder te ajudar.
— Me ajudar? — encarou-me.
— É... — Eu não sabia como explicar, e ao mesmo tempo não queria aborrece-la, achando que estava me intrometendo demais.
— Não existe mais solução pra mim — ela agora olhava para o horizonte, o sol estava perdendo seu brilho pela grande quantidade de nuvens no céu — Eu sei que para sempre terei que reviver essa dor. Nunca serei livre de verdade...
Essa dor nunca irá embora.
Olá,
Publicando mais um capítulo dessa história, que é tão especial para mim. 💙
Coitado do Bernardo, por essa ele não esperava. =/
Até a próxima,
Babi
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