Capítulo 18
✧ Seu Perfume ✧
A sensação de sair da escola sempre era gratificante para mim. Pois era menos uma responsabilidade no dia.
Hoje o dia era de sol. Assim como ontem, fiz novamente o convite para um passeio aleatório aos meus amigos, e desta vez aceitaram. Para falar a verdade, sentia-me até melhor do lado deles, um sentimento de segurança... Ainda mais depois do episódio do ônibus.
Andávamos sem rumo ao certo, e sem querer chegamos à rua de minha avó. Neste horário, a rua estava completamente vazia. As casas eram modestas e tinha até um ar de interior. Não havia prédios, somente casas. E a maioria dos moradores já tinham uma certa idade, como contara certa vez a minha mãe. O sol estava a pino, sentia gotas de suor escorrerem pelas costas por debaixo da farda escolar.
— Eu odeio esse tempo maluco daqui, — reclamou Gio — atrapalha muito nossos planos!
— Ahh! Eu gosto da chuva! Só não gosto quando faz estragos, deixa as pessoas ilhadas ou causa deslizamento — comenta Carina, equilibrando-se no meio-fio.
Chutei uma pedrinha em direção aos pés de Giovani e ficamos "batendo bola". Algumas vezes eu me distraía um pouco, lembrando novamente de ontem.
Agora Stefany também conhecia Amélia. O que será que conversavam? Será que ela se abria mais... que conta de seu passado? Pelo fato de ser uma garota como ela, deve facilitar as coisas.
De repente, Carina correu de forma serelepe para a calçada do outro lado da rua, lado oposto ao portão de madeira da casa de minha avó. Porém deu mais alguns passos e apontou para o grande pé de mangueira que havia na casa vizinha.
— Querem garantir a sobremesa? Olha quanta manga!
Alguns galhos passavam por cima do muro entre os terrenos, porém os frutos não estavam ao nosso alcance.
— Não tem como pegar daqui, Carin... — observou Gio — A não ser que a gente pule o muro!
— Oi? — Ri com a molecagem dos dois.
— Bora, Banks! Não é nada demais... Coisa que nós adolescentes gostamos de fazer!
— E aqui é a casa da vó dele! — Carina apontou para mim.
— Melhor ainda! Assim fica mais fácil pular, lá dentro é mais discreto — Gio esfregou as mãos como uma mosca audaciosa, enquanto nós aproximávamos do portão dela.
— E desse outro lado mora uma senhora cega, nem vai dar por falta! — Carina completou.
— Estamos fazendo um favor, né? — Brinquei. Enquanto retirava um pequeno molho de chaves do bolso da minha calça jeans, encaixei a chave certa na fechadura do portão, tentando não fazer muito barulho e assim não chamar a atenção de minha avó. Já do lado de dentro, ajudei Carin a subir no muro, entrelaçando minhas mãos para servir de escadinha. Assim que ela pulou para o outro lado, eu e Giovani nos viramos para conseguir o mesmo feito.
Andamos em frente à árvore, observando a grande quantidade de manga que pendia dos galhos. Olhei ao redor e percebi várias outras plantas. Era um jardim semelhante ao de minha avó. Havia uma casa de térreo aos fundos e parecia um tanto abandonada. Suas paredes eram pintadas num tom de pêssego já gasto talvez pelo sol, e as janelas eram de madeira. Tanto as janelas como a porta estavam abertas, dando para ver um pouco de seu interior. Apesar da casa ter este aspecto, o jardim parecia bem cuidado. Encontrei uma vara, que provavelmente servia para alcançar as mangas. Havia na ponta um pedaço de garrafa pet cortada ao meio, para ajudar a pegar com cuidado o fruto.
— Tem certeza que só mora uma velhinha aqui? E cega?
— Tenho! — Carina pegou a vara de minha mão, parecia entusiasmada com a pequena aventura — Seria bom se vocês procurassem algum balde...
— Qual o seu nome?
Ouvi uma voz grave feminina ao meu lado. Ao virar-me, dei de cara com uma senhora baixinha, de camisolão florido e cabelos grisalhos. Quando dei por mim, Carina tinha deixado a vara cair ao chão e tanto ela como Giovani correram. Escalaram o muro tão rápido que pareciam até atletas olímpicos. E eu fiquei, de tão lerdo que sou.
— Eu perguntei... Qual é o seu nome? — questionou-me novamente a velha senhora. Respirei fundo e respondi:
— Bernardo.
A velha respondeu com um sonoro "hum!" e deu-me as costas. Continuei ali parado vendo-a se distanciar, até que ela chamou:
— Venha, entre! Tá calor demais aqui fora.
Fiquei um momento sem saber o que fazer. Estava sem graça com a situação, porém não estava com a mínima vontade de ouvir sermão.
— Me desculpe... A gente só queria pegar algumas mangas. Vou embora, desculpa mesmo!
— Depois você pega. Já disse, entre!
Fiquei desconcertado e resolvi ceder. Ela devia conhecer a minha avó...
— Você é neto de Cidinha, não é? — Ela andava com cuidado, apoiando-se numa bengala de madeira gasta. Alcançou a porta e entrou na casa.
— Sim, sou — Cheguei logo atrás e instantaneamente foi como se o calor tivesse se dissipado, e eu senti um frescor muito bom.
Ao entrar, visualizei uma pequena sala com mobília simples mas com aparência antiga. Havia uma estante de livros, uma cristaleira, um sofá de frente para uma televisão LCD presa na parede e ao lado uma pequena mesa com tampa de vidro com cadeiras. Havia também vasos com flores sintéticas espalhadas pelo local e plantas pendentes. Não muito diferente da casa de minha avó.
— Então, senhor Bernardo... — A velha senhora andou mais um pouco e tateando, alcançou uma cadeira de vime e sentou diante de mim. Eu escolhi sentar no sofá, e deixei a mochila ao meu lado.
— Cidinha ficou muito contente com a vinda de vocês. Porém ela reclama muito que o senhor quase não aparece — Esbocei um sorriso amarelo, mas ao vê-la ali sentada à minha frente, percebi que realmente era cega e não poderia ver o quão sem graça eu estava. Seus olhos eram claros e sem vida. Seu corpo parecia ser frágil, tanto quanto o ralo cabelo branco preso num pequeno rabo de cavalo atrás de sua cabeça. Ainda assim, alguns fios rebeldes emolduravam bem seu rosto cansado.
— Talvez se ela tivesse um pé de manga, seria mais interessante, não é? — Ela riu um pouco e não tive como não rir também.
— Sou um péssimo neto. Tentarei me redimir!
— Acho bom mesmo! Está gostando da nova casa? Bem espaçosa, não é?
— Ahh, sim! Desculpa perguntar, mas como se chama?
— Pode me chamar de vó Beata, que eu não ligo, não. É bom que crio concorrência pra sua avó! — Ela deu um sorriso doce e ao mesmo tempo zombeteiro.
— A senhora mora aqui sozinha?
— Sim e não... Meu filho às vezes dorme aqui para me fazer companhia — ela tossiu um pouco — e já fez novas amizades?
— Er... Meio que reencontrei alguns amigos de infância.
— Sei...E ela?
— Ela quem? — Olhei ao redor, um pouco confuso — Fala da menina que tava comigo?
— Você a viu, não foi? — Encarei-a surpreso. De quem ela tá falando? Não é possível que seja dela.
— O gato comeu a sua língua? Viu ou não a viu?
— A-acho que sim...
Ela deu um sorriso tão fofo que fiquei com medo de estar me enganando quanto à pessoa.
— Sabe como eu sei que você a viu?
— Hum?
— Eu sinto o perfume dela impregnado em você.
Fiquei aéreo. Não tenho lembrança de sentir algum perfume na sua presença.
— Estamos falando da... ?
Ela suspirou.
— Você não enlouqueceu, se é o que anda pensando. E eu também não estou tão velha assim. Eu só fico curiosa, do porquê exatamente você consegue vê-la.
— Eu me faço a mesma pergunta!
— Amélia deve ter gostado de você.
Ao ouvir o nome, deu-me uma alegria tão grande! Era complicado guardar tamanho segredo e eu precisava de respostas! Finalmente encontrara alguém...
Animado, pensei um pouco e respondi:
— Não acho que ela goste de mim!
Beata gargalhou alto com o meu comentário.
— Ahh, garoto! Não sabe como eu fico feliz em ter notícias dela. Pela primeira vez... E com certeza ela gosta de você, sim.
— Se a senhora tá falando...
— Amélia sempre foi um pouco ingênua com as pessoas. Sempre foi do tipo de pessoa que ficava feliz em fazer amizades, conhecer alguém... Que bom que ainda restou isso nela — Sua boca se fechou, formando uma linha, e em seguida fechou os olhos.
— Você a conheceu mesmo? Eram amigas?
Beata respirou fundo e abriu os olhos, assentindo.
— Sempre acreditei que sim.
Ficamos um tempo em silêncio. Eu confesso que fiquei bastante animado com essa descoberta. Era talvez uma forma de saber mais sobre ela, já que não se abria para mim.
A senhora de repente bateu as mãos numa única palma, despertando-me dos meus pensamentos.
— Vá, volte pra casa! Sua mãe deve tá te esperando!
— Eu posso voltar aqui depois? Outro dia?
— Claro que pode. E leve algumas mangas com você.
Levantei-me e peguei a mochila, colocando-a nas costas. Antes que saísse da sala, ela avisou:
— Tome cuidado, Bernardo.
— Com o quê?
— Nem sempre é bom sinal ver espíritos.
Fiquei parado, esperando que ela falasse mais alguma coisa. Aquilo me deixou preocupado, precisava mesmo de respostas.
— Ande, vá! Mande um beijo meu à sua mãe!
— Tá bom, Tchau!
Saí encucado. E nem contei que podia ver mais alguém, além de Amélia.
Bom, mais um capítulo entregue com sucesso. Lembro-me que curti escrever, digitei tão rápido... Não sei porque, é um dos capítulos que mais gosto.
Espero vocês numa próxima!
Amplexos,
Babi
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