Capítulo 15
✧ Sendo seguido ✧
No dia seguinte, acordei mais tarde que o normal. Não era pra menos, estava com o corpo moído. O rosto estava desinchando aos poucos, já não doía tanto, até porque estava tomando analgésico. Levantei da cama e me dirigi até a varanda, que estava fechada. Afastei um pouco a cortina e pude ver um céu de azul claro e sol forte. Notei uma movimentação ao lado. Abri um pouco a porta e vi pela fresta a minha mãe na varanda ao lado, era a do seu quarto. Ela estava encostada no alambrado, segurando seu celular com uma das mãos. Logo em seguida, enxugava suas lágrimas na manga de sua camisa. Aquilo me doeu um pouco.
Fechei a porta com cuidado e de forma silenciosa para não incomodá-la. Ao girar nos calcanhares, deparei-me com Amélia sentada numa cadeira. Com o mesmo traje de sempre, enrolava uma mexa de cabelo em seu dedo indicador, olhando-me com um semblante sério. Sempre acharei estranho compartilhar o quarto com ela... Sim, eu retornei para o temido quarto, aparentemente eu já não era um intruso como outrora. Afastei-me da varanda e sentei no meio da cama. Pensei em pegar o celular para tirar uma foto dela.
— Por que ela está chorando? — Ouvir esse tipo de pergunta me pegou um pouco desprevenido.
— Não sei. Por que não vai lá perguntar pra ela?
— Se eu sou esquentada, você então é um grosso! — Ela se levantou e pensei que fosse sumir, porém andou até a porta da varanda e colocou uma das mãos para afastar um pouco a cortina para olhar o lado de fora. Não gosto de me sentir invadido assim, mas ao mesmo tempo, gosto de sua presença. Antes que sumisse mesmo, tentei explicar:
— Foi mal... Ainda não estou acostumado com você, entende? E ver ela chorando também não me faz bem.
— Então não é a primeira vez? — Mas que garota curiosa! Com o celular, tirei discretamente uma foto dela. Porém, só havia uma foto do ambiente vazio na galeria do celular. Deixei a ideia da foto por enquanto de lado. Não estava com tanto ânimo para isso. Ela estava invadindo um campo...
— Acho que meu pai não deve voltar hoje pra casa — Foi o máximo que consegui responder.
— Quase não vejo seu pai... Aconteceu algo? — Suspirei, sem saber mais o que falar para encerrar este assunto.
— Ok, se não quiser contar... — Amélia foi levitando, em direção à porta de saída. Como se realmente precisasse disso para sair do quarto, quando se é uma fantasma. Resolvi ceder.
— Quando decidimos vir para cá, foi meio complicado — Ela parou no meio do caminho e virou-se para mim. Desviei seu olhar para me concentrar no que estava dizendo — Minha mãe tinha perdido o emprego faz uns meses e só meu pai tá trabalhando. Por isso você não o vê muito por aqui. Mas pra falar a verdade, já era um pouco assim antes.
— Hum... — Ela veio levitando e sentou-se na ponta da cama, não de frente para mim. Ficamos um momento em silêncio, e continuei:
— Eu não sou bom em gravar datas. Não sei ao certo quando começou a ficar assim entre os dois. Só acho que deve ter a ver com o fato das coisas estarem um pouco ruins, sabe? Meu pai se virando no trabalho e minha mãe se sente mal por isso, eu acho.
— Você vai lá falar com ela?
— Pra quê? Ela deve querer ficar sozinha. Só vou atrapalhar.
— Meus pais também brigavam muito — Levantei o olhar. Amélia estava entretida a passar as mãos na barra de sua longa saia xadrez. Um verdadeiro milagre estar me contando algo dela.
— Eles também estão aqui com você?
— Não — Ela fechou a cara. Levantou-se e caminhou para o centro do quarto. Suas reações eram um pouco inesperadas para mim. Qualquer pergunta mal feita poderia fazê-la sumir de vez. Será? Amélia não parecia ter a intenção de querer fazer amigos. Mas pelo visto, tínhamos algo em comum.
— Seu pai... Ele pode querer ir embora? — Ela me jogou essa no peito. Mas não fora tão chocante assim.
— Eu não sei. Quando estão juntos, são tão felizes... Se encaixam, sabe? Eu acho que o problema está na distância, mesmo. Talvez as coisas se resolvam quando vendermos esta casa.
— Vocês vão embora? — olhou-me com uma carinha surpresa, que não resisti:
— Ué! Não é essa a sua vontade? De se ver livre de mim?!
— Você não é tão chato assim. Dá pra aguentar — Ela riu um pouco e foi sumindo aos poucos da minha frente, como num passe de mágica. Deitei novamente na cama e preguei os olhos. Estava começando a gostar dessa história de fantasmas...
✧
Domingo é sempre uma decepção, pois passa muito rápido. No dia seguinte, eu e Stefany chegamos juntos à escola, não trocamos nenhuma palavra pelo caminho. Até porque ela estava entretida, ouvindo música no celular. Senti um arrepio e lamentei não ter um agasalho. Cobicei por um momento o guarda-chuva que minha irmã levava preso à mochila, sempre esqueço o meu quando mais preciso. Porém, ao olhar para o céu, não vislumbrei uma nuvem sequer.
Chegando à minha sala, cumprimentei alguns rostos conhecidos e fui sentando ao lado de Carina e Giovani. Os dois estavam desenhando juntos, nas últimas folhas do caderno dela. Giovani reparou na minha presença:
— E aê, Banks! Não vai querer se esbarrar com Noah por aí...
— Quem é Noah?
— O carinha que te deu um soco na festa — Respondeu Carin, sem levantar os olhos do caderno.
— Então eu que tô devendo uns bons tapas naquele sujeito! — Os dois riram.
— Acho que ele merecia mesmo! Mas não perca seu tempo com isso não — Carina bocejou — Não vale a pena brigar por causa daquela metida.
— Não briguei por causa dela — Dei de ombros — Eu que não fui com a cara dele mesmo.
— Relaxe! O povo tá zoando, depois do que aconteceu. Ele tava muito bêbado! Sem falar que quando começou a chover...
— Quê que tem? — Lembrei da chuva e consequentemente de Amélia.
— Não lembra? Caiu um toró e do nada parecia que surgiu um furacão! O Noah é tão seco que foi jogado pelo vento!
— Foi mesmo! — Fiquei sem graça, comecei a tirar o caderno da mochila para disfarçar.
— Quem foi que você chamou lá na hora, Bernardo? — Questionou-me Carina.
— Eu?
— Você deu um grito do nada! — Lembrei do exato momento que tentei impedir Amélia de fazer algo.
— Lembro não! Depois do soco, minha cabeça entrou em parafuso! — Dito isso, nos atentamos à frente, pois o professor já tinha entrado em sala. Atrás dele apareceu Noah, que na mesma hora mirou seus olhos em mim, como se já estivesse à minha procura. Ficamos nos encarando até ele sentar numa carteira próxima à janela. Procurei por Belinda, e a vi sentada ao lado da mesa do professor. Estava entretida mexendo em sua bolsa. Seus longos cabelos estavam soltos desta vez, chegavam a reluzir de tão sedosos que aparentavam ser. Continuava linda.
No meio da aula, pedi licença para ir ao banheiro. No caminho, fiquei pensando em como Carina tinha uma boa memória, de ter reparado no momento que gritei sem querer o nome de Amélia. Nem me lembrava mais.
Assim que virei o corredor, notei poças de água em alguns pontos pelo chão. Olhei pela janela mais próxima e notei que estava chuviscando. Ouvi sons de passos e ao virar-me, percebi pegadas de lama atrás de mim, que não havia antes. Corri para tentar alcançar quem quer que fosse, mas ao virar novamente o corredor, não encontrei ninguém.
Só podia ser ela.
A manhã passou chata como sempre. Saindo pelo portão principal, o porteiro avisou que meu pai estava à minha espera. Fiquei surpreso. Despedi-me de meus amigos e avistei seu carro estacionado há alguns metros. Era um corsa bem tratado, com um adesivo ilustrando uma família feliz de bonequinhos de palito de fósforo ao fundo. Ao me aproximar, dei duas batidinhas na janela. Ele abaixou o vidro.
— E aí, moleque? Entre aí! — Obedeci e me desloquei para o outro lado do carro, abrindo a porta para o banco do carona. Entrei e sentei, sem antes tirar uma mochila que havia no lugar, colocando-a no assento traseiro. Encaixei o cinto e partimos.
Ficamos alguns segundos em silêncio, enquanto ele se aproximava lentamente de uma sinaleira, que estava fechada.
— Sua mãe me contou sobre a sua travessura.
— Travessura?
— É... Realmente, você não é mais criança pra falarmos assim. O que devo chamar então? — O sinal abriu, ele acelerou com o carro, rumo ao caminho de casa. Estava com aquela cara de quem esperava por alguma tentativa de resposta inteligente da minha parte. Como eu já sabia que viria sermão de qualquer forma, esperei calado. Para a minha surpresa, ele também não se manifestou durante durante todo o percurso.
Aproveitei para observar a sua cansada fisionomia, de quem agora teria que fazer viagens pela semana, para manter o emprego. Meu pai era designer numa gráfica na capital. Como era amigo do dono, conseguiu manter o emprego mesmo com a mudança. Dormia num quartinho nos fundos da empresa. Mas era muito puxada a rotina, e havia ficado a promessa de que venderíamos a casa, para possivelmente voltarmos. Sabe-se lá quando.
Próximo de completar quarenta e dois anos, meu pai já possuía alguns fios brancos que se enroscavam por quase todos os cachos de sua cabeça. Diferente de minha mãe que tinha a pele negra, meu pai era branco dos olhos cor de mel. Puxei sua cabeleira, ao passo que Stefany puxou a beleza de seus olhos. No semblante, puxei mais a minha mãe. Eu gosto disso. Olho-me no espelho e vejo um pedacinho de cada um.
Chegamos à nossa rua e ele estacionou devagarinho, debaixo de uma árvore à poucos metros do portão. Ele desligou o carro e puxou o freio de mão.
— Sabe qual a minha opinião? — Ele recomeçou a conversa — Eu já esperava o dia que você fizesse algo assim. Qual jovem não faz essas coisas? E escondido dos pais? — Enquanto falava, eu o observava, medindo suas expressões para tentar prever qual era a pegadinha.
— Relaxe! Eu e sua mãe, já tivemos a sua idade! Não serei hipócrita... Aprontei muito na sua idade — Deu um sorrisinho e balançou a cabeça — Sua mãe, sabe como ela é, né? Fica muito preocupada. O que eu te peço, é que sempre se lembre dela. Eu confio em você! Nós confiamos em você! Tenha cuidado. Divirta-se, mas... Também não quero problemas! Qual foi da briga?
— Um aluno novo da escola queria pegar uma menina à força... Eu só a defendi.
— Esqueceu de devolver o soco? — Olhei incrédulo em resposta — Tô brincando! Violência não resolve as coisas. Mas não sou contra se defender. Não seja sonso! — Não pude deixar de rir.
— Eu tentei! Mas não deu né!
— Deixa pra lá, esqueça e não se meta mais com ele. E a menina, é bonitinha mesmo? — Sorri desconcertado, desviando o meu olhar pra qualquer coisa pela janela.
— Já usou a camisinha que eu te dei?
— Você não me deu nenhuma camisinha!
— Como não? Tá na sua carteira, imbecil! — Ele me deu um tapa na nuca, rindo da minha cara.
— Ai! Acabou, né? — Fui logo abrindo a porta do carro. Eu gosto e ao mesmo tempo sinto vergonha alheia das conversas de meu pai. Mas estava doido para sair dessa situação.
— Sendo sincero? Já tava ficando preocupado com essa sua demora, hein! — Nem me arrisquei a perguntar sobre o que era essa demora. Saí de imediato do carro e me dirigi ao portão. Meu pai acionou o controle da garagem e deu a partida no carro. Enquanto eu entrava, vislumbrei minha mãe com uma cara de poucos amigos na varanda. Graças aos céus que não tenho como ficar vermelho, porque ela perguntaria na hora o motivo. Ela me deu espaço e entrei, sem darmos uma palavra um ao outro. Olhei pela janela e notei que meu pai não foi ao seu encontro. Provável que tenha preferido entrar pela garagem.
Acho que agora Bernardo terá oficialmente uma companhia para todas as horas né? 🤭
Será que isso é bom ou ruim pra ele?
Não digo nada, só observo hehehe
Até a próxima postagem ☔☘️
@babiempaginas
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