Capítulo 10

✧ Vegetal com nome ✧

Alguns dias se passaram, mas a preocupação ainda persistia. Claro que não com a mesma intensidade que antes, até porque mudei de quarto. Mas o fato é que não havia mais sinal da garota. Inclusive, pensei na loucura de ter perguntado seu nome diante do que tinha acontecido. Devo ter batido com a cabeça muito forte para ter cogitado isso.

Já na escola, nenhuma novidade. No intervalo entre as aulas, fiquei conversando com Giovani em uma das arquibancadas da quadra de esportes. Enquanto ele tagarelava sem parar, eu ficava com os pensamentos soltos, vendo o pessoal jogando futebol. De repente, Carina chegou por trás de nós:

— E aí, gente? Vamos falar sobre o trabalho de literatura? — e sentou no meio entre nós dois. Colocou o celular que carregava consigo no colo. Parecia um tablet de tão grande.

— Cara... Será possível que você só fala de trabalho, Carina? — Giovani comenta, já se levantando.

— Não! O caso é que é pra apresentar amanhã! E eu detesto essas coisas... Você também não quer fazer nada!

Giovani deu de ombros e foi se juntar aos outros rapazes.

— Gio tá precisando de um puxão de orelha! Depois fica querendo resolver tudo faltando meia hora pra apresentar! — continuou, digitando sem parar no celular.

Suspirei de tédio e resolvi dar uma olhada no que Carina estava fazendo. Ela estava olhando um site sobre vestuário.

— O que é mesmo pra fazer? — Perguntei, com a minha cara de pau.

— Ai, Bernardo! Não me deixe na mão você também!

— Tá, me diga logo o que é!

— Ahn... Temos que escolher uma década e falar sobre a moda dessa época, é algo assim.

— Oh! Que bela explicação! — ri e ela me deu um empurrão, quase me fazendo cair da arquibancada. Voltei e sentei mais para perto dela. Nessa hora olhei novamente para a tela do aparelho e foi então que reconheci uma imagem.

— Posso dar uma olhadinha? — ela então estendeu o aparelho para mim.

— Vou aqui beber água! — avisou, descendo os degraus da arquibancada. Ela estava olhando vários sites, um havia chamado a minha atenção. Era um blog super feminino, falando de uma maneira bem extrovertida sobre os diferentes estilos de se vestir de cada década. Carina havia selecionado um artigo sobre os anos cinquenta, com imagens de várias mulheres vestidas à caráter.

Os vestidos e saias eram longos, não sei como uma garota aguentava vestir algo assim. Mas não deixava de ser bonito, até.

O que tinha chamado minha atenção foi um conjunto em particular. Ele era semelhante... ao da garota que assombrava meu quarto. A saia era xadrez também, porém num tom cinza.

Que engraçado... Eu não parava de olhar para aquele conjunto. Nem percebi quando Carina voltou e sentou ao meu lado.

— Tá achando bonito, é? Vai mandar fazer um pra você? — Riu, divertida. Distraído, apenas devolvi o celular à ela.

— Algum problema?

— Nada não — respondi de forma mecânica, pois minha cabeça estava em outro lugar.

— Gente! — exclamou Giovani, do outro lado da quadra — Vamos pra sala, bateu o sinal faz tempo! Quero que passe as horas logo. Tô doido pra sair daqui! — Levantei-me e comecei a descer os degraus.

— Vão indo na frente, vou terminar um negócio aqui! — respondeu Carina pelas minhas costas. Juntei-me a Giovani e entramos no corredor com os outros garotos.

— Rapaz, fiquei sabendo que um pessoal novato vai chegar aqui no colégio! Um informante meu viu eles na secretaria hoje mais cedo!

— É tanta gente assim? — Perguntei, mas minha cabeça ainda estava "mentalizando" aquelas roupas.

— Bem, não sei dizer... mas com certeza teremos novidades. Inclusive, cheguei a ver um deles bem rápido. Parece que ele ainda não foi pra sala. Aliás, será que é da nossa sala?

— Tomara que não. Detesto quando o povo fica curioso, fica um monte de gente em cima da pessoa. Dá agonia! — comentei enquanto entravamos na sala, indo até nossas carteiras.

— Verdade. Quer saber o nome dele?

— De quem?

— Do novato! Você não está prestando atenção! — Ele me deu um empurrão e acabei derrubando meu estojo aberto. Comecei a recolher tudo que havia caído ao chão. Olhei de maneira ameaçadora para ele.

— Foi mal! Você também é muito lerdo, Bernardo!

— Idiota...

— Certo... Continuando, parece que o nome dele é Noah.

— Af! Já chega de plantão de noticias, Giovani! Já deu!

— Esse colégio é um tédio. Estou tentando alegrar o seu dia, Bernardinho!

— Nah! — Dei um empurrão nele, só que não deu certo, pois ele se esbarrou na coitada da Carina que vinha logo atrás. Esta deu um grito.

— Seus doidos! Só sabem brincar desse jeito, é? Parecem duas crianças!

Carina sentou à nossa frente. Giovani foi até ela e sentou no braço de sua carteira.

— "Carin", tá sabendo do cara que está enfurnado lá na secretária?

— Claro! As meninas da sala ao lado não param de falar sobre ele.

— Como assim? — Ele pergunta, curioso que só.

— Não sei... Dizem que ele foi expulso de outro colégio, de uma cidade vizinha. Mas deve ser mentira, tão clichê inventarem isso!

— Expulso? Isso tá ficando interessante... E por que ele ainda não veio pra aula?

— Não faço ideia, Giovani. Vou lá perguntar pra você! — deu um sorriso forçado, gesticulando com uma das mãos para que ele saísse de sua frente.

— Deve estar acertando a matricula ainda — Deduzi.

— É, deve ser mesmo — Giovani bocejou e voltou para o seu lugar. De repente, ele se levantou novamente. Chegando por trás de Carina, sussurrou tão alto em seu ouvido, que até eu pude ouvir:

— E na sua opinião... Ele faz seu tipo? — Carina enrubesceu de imediato, mas somente um leve rosado sinalizava sua timidez em cada bochecha.

— Por que quer saber? — pergunta, arrastando sua cadeira mais para frente, sem encará-lo.

— Nada, não. O que eu queria, você já me deu! Olha só ela toda vermelhinha, Bernardo! – Terminou dando uma risada curta e sarcástica, coisa que eu e Carina detestávamos.

—Seu besta... — Ela respondeu, tentando esconder seu rosto entre os cabelos.



Horas mais tarde, já chegando do colégio, entrei em casa repetindo milhares de vezes pra mim mesmo: "O livro de Giovani, pegar o livro de Giovani..." Esse costumava ser o meu ritual para não esquecer coisas importantes. Repetir mentalmente várias vezes aquilo que eu deveria fazer no instante seguinte. É que na última aula do dia, Giovani havia me lembrado de que eu peguei dele um livro de fotografia a mais de um século e até hoje não lhe devolvi. Não que eu me interessasse por fotografia, mas ele insistiu tanto para emprestar, que acabei aceitando. O ruim era que eu não me lembrava onde tinha enfiado esse livro.

Depois do almoço, perguntei à minha mãe se ela tinha visto algum livro enorme com uma fotografia de cachoeira na capa. Seria muito fácil, para não dizer o contrário, achar esse livro nessa casa tão imensa.

— Não sei que livro é esse... Um livro com uma foto tão linda, eu já teria visto, com toda certeza!

— Será que a peste da Stefany não pegou pra ela? Não acho em lugar algum! — Exclamei, saboreando uma tangerina de sobremesa. Ela "fechou" a cara por eu ter falado mal de sua filhinha.

— Creio que não. Sua irmã sabe que não deve mexer em suas coisas.

— Saber, ela sabe. Mas mexer é com ela mesma! — Saí da cozinha e fui subindo as escadas com o restante da fruta entre os dedos — Só procurei embaixo, só falta lá em cima!

— Comece pelo seu antigo quarto, é provável que esteja lá! — Gritou minha mãe da cozinha.

Meu antigo quarto... Por sinal, Stefany anda sondando minha mãe, dando indiretas, dizendo que aquele quarto é grande demais para ficar vazio. Ela nem imagina o mal que mora ali.

Fui até o maldito quarto e abri a porta. Incrivelmente, não sentia mais medo. Na verdade, sentia indiferença, não sei como explicar. O ambiente estava como se eu nunca estivesse dormido naquele local.

Dirigi-me até o guarda-roupa, remexi em todas as gavetas e nada. Olhei também no grande armário no fundo do quarto, nada também. No banheiro não podia estar, é claro, mas ainda assim procurei por lá. Do jeito que sou "organizado", era capaz de ter largado o livro em qualquer lugar, inclusive no banheiro. Então pensei no mais óbvio: embaixo da cama. Posicionei-me ao lado, ajoelhei ao chão e tentei enxergar o que havia lá embaixo. Para minha surpresa, havia uma coleção de coisas: livros, CDs, roupas... E eu nem me lembrava em qual momento pude reunir tanta coisa assim num lugar tão impróprio como este.

Assim que localizei o bendito livro, me estiquei por baixo da cama e com grande esforço consegui tira-lo de lá, arrastando-o até a luz. Assim que o visualizei melhor, assoprei sua capa e milhares de partículas iluminadas de poeira voaram para cima. Como a varanda estava aberta, um vento suave invadiu o quarto, fazendo com que a poeira voasse diretamente para os meus olhos. Agi da maneira mais errônea possível, os cocei na tentativa frustrada de me livrar do pó. Foi então que ouvi uma voz:

— Amélia.

Com os olhos irritados, tentei enxergar a dona daquela voz feminina.

— Meu nome é Amélia — repetiu. Esfreguei um pouco mais os olhos e observei em direção ao lado externo. Lá estava ela. A garota pela qual havia prometido a mim mesmo nunca mais vê-la. Suas roupas pareciam ter sido tiradas daquele site. Incrível como havia memorizado tão bem aquele conjunto.

Ela me olhava agora como se esperasse uma resposta. O que eu falaria? "Prazer, meu nome é Bernardo!" e ainda por cima sorriria como se nada tivesse acontecido?

Idiota. Vamos fazer as coisas diferentes, esta era a oportunidade.

— O meu é Bernardo...

— Eu sei! — Ela se adiantou – Como vai sua mão?

— Bem, eu acho... — Respondi, estranhando a forma civilizada como estávamos conversando. A garota estava em pé a cinco passos de mim, eu me encontrava ainda sentado no chão ao lado do livro. Levantei-me, embaraçado. Ficamos alguns minutos calados, somente olhávamos bastante um para o outro. O que era novidade pra mim, também parecia ser para ela.

Sua imagem era enevoada, o que deixava seus traços ainda mais delicados. Seus cabelos, no tom vermelho-alaranjado, voavam de leve por conta da brisa. Seu olhar agora era quente e doce. O interessante é que ela não aparentava estar totalmente ereta, com os pés fincados no chão. Até visualizei melhor seus sapatos, que pareciam de boneca. No estilo sapatilha, na cor preta.

Dei um passo em direção a ela, mas assim que o fiz, um vento forte atingiu-me em cheio, causando incomodo aos meus olhos irritados. Assim que os abri, ela já não estava mais à minha frente.

— Seu cabelo é engraçado — Ela falou pelas minhas costas. Tomei um susto, virei-me e dei alguns passos para trás em modo de defesa. A garota havia se posicionado ao lado do livro de fotografia. Passei a mão no cabelo, tentando ajeitar.

— Você saiu daqui, mas deixou tudo desarrumado — comentou, olhando por debaixo da cama. Nós estávamos realmente conversando?

— Também mal sai de casa... Que tipo de jovem é você? — Continuou, dessa vez sentando sobre o criado-mudo. Havia alguns objetos sobre o móvel, mas para ela não fazia diferença, é claro.

— Seu nome é Amélia... — Repeti, tentando digerir tudo aquilo.

— Sim. Você é surdo? — A outra me questionou. Arregalei os olhos. Eu realmente estava falando com o espírito de uma garota e ainda por cima ela estava sendo grossa? Quem ela pensa que é, para falar assim comigo?

— E você, pelo visto, é mal educada! — devolvi, um pouco arrependido de tê-lo dito, pois já tinha constatado que ela era bem mais forte do que eu. Estava em desvantagem naquele quarto. Ela nem se abalou, desceu do móvel e agachou-se em frente ao livro no chão. Olhou para a capa e do nada o livro se abriu sozinho, as páginas sendo folheadas pelo vento.

— Existem muitas coisas belas para se ver lá fora. Um mundo para viver e conhecer. Você não deveria se manter recluso em casa — disse, levantando seu olhar para mim.

— Você que vive enfurnada aqui! Já deveria ter sacado que eu sou meio novo nesta cidade! Não conheço muita gente...

— Então deveria sair para começar a conhecer, não acha? — Nossa conversa já estava me causando agonia. Ela estava realmente folheando o livro sem ao menos tocá-lo?

Já que não podia me aproximar mais, também sentei no chão para ficarmos no mesmo nível. Ela não olhava mais para mim, admirava as fotografias do livro de Giovani.

— Que lindo... Tão colorido! — exclamou, maravilhada — É seu?

— Não, é de um amigo meu da escola — Era incrível... Agora eu estava tendo a oportunidade de vê-la sem ser lançado contra a parede. Não resisti, comecei a engatinhar para chegar mais perto. Ela nem parecia notar a minha aproximação, pois continuava a olhar as fotografias. No meio do caminho, contive-me. Comecei a ficar nervoso.

— Bê, mamãe mandou perguntar se conseguiu achar o livro! — Stefany chegou, abrindo a porta do quarto de supetão. Tomei um susto, como se estivesse sendo pego ao fazer algo de errado.

— Caramba! Que garoto lesado você é! Se assusta com qualquer coisa!

Boquiaberto, olhei para o lado e a garota já havia sumido. Agora que tudo estava se resolvendo, essa pirralha inventa de invadir meu quarto...

— E então?

— Já achei.

— Então desça, ela quer que você vá pro mercadinho!

— Pode deixar... — Assenti, mas já sem nenhuma noção do que falava. Stefany saiu do quarto, deixando-me sozinho. Quer dizer, não mais sozinho agora.



Nossa, na hora em que eu estava revisando o capítulo, entrou um cisco em meu olho e deu trabalho pra tirar! Parece que tô bem conectada com Bernardo kkkkk

Será que teremos uma nova amizade à vista? Ou não?

Pelo menos já sabemos o nome dela =)

Vamos ver o que acontece...

Até a próxima!

Babi

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