Epílogo - Valentin

Sete meses depois

Assim que coloco a última caixa no porta malas do meu carro um sorriso enorme surge em meu rosto. Nada me deixaria preparado para esse dia. No início do ano passado Valentina me deu a notícia de que estava indo para a mesma faculdade que eu e eu mal podia esperar para que finalmente chegasse o momento em que nós dois partiríamos juntos para nossa nova vida, porém naquela época eu nem ousaria sonhar que estaríamos realmente unidos. A perspectiva de continuar tendo minha melhor amiga ao meu lado por mais alguns anos já era incrível antes mesmo dela ser minha namorada.

Como se soubesse que estou pensando exatamente sobre isso, Val atravessa o pequeno jardim da frente de minha casa e para ao meu lado para examinar nossa bagagem bem estocada na parte traseira do carro. Ela desliza sua mão para dentro da minha e seus dedos finos e delicados se envolvem nos meus com um aperto firme.

Agradeço mentalmente por ter ela comigo e permaneço mais alguns segundos observando o carro cheio antes de finalmente desistir e me virar para encarar seus olhos. Ela pisca e se inclina na ponta dos pés para depositar um beijo em minha bochecha.

— Animado?

— Muito. — Puxo sua outra mão para dentro das minhas e me inclino sobre ela. Sua respiração acelera no mesmo instante em que meu nariz encosta em sua bochecha e ela abre delicadamente os lábios. — Estou ainda mais animado em saber que vou ter você só para mim.

— Você está muito confiante. — Ela tenta dar um passo para trás, mas acaba rindo ao perceber que está com os braços presos. — Eu vou fazer novos amigos por lá e vou precisar dividir meu tempo entre você e eles.

— Elas. Você só vai ter amigas mulheres ou eu não respondo por mim. — Corrijo-a sutilmente, torcendo para que Val não se irrite. Depois da noite em que me declarei para ela acabei descobrindo que sou mais possessivo do que imaginava. A simples ideia de ver Valentina animada com a presença de outro cara que não seja eu é capaz de me colocar em um péssimo humor.

— Ciumento. — Ela ri contra mim e eu sinto meu peito acelerar um pouco.

— Essa é a única coisa que você sabe falar sobre mim? — Abaixo meu rosto até que meus olhos fiquem na altura dos seus. O brilho que vejo atravessá-los não deixa dúvidas de que Val tem muitos outros adjetivos para mim e todos eles são bons.

— Eu tenho algumas outras palavras para usar só com você. — Seus lábios roçam nos meus levemente, porém o suficiente para que o ar em meus pulmões desapareça e meu peito acelere.

Antes que ela tenha a chance de se afastar liberto suas mãos e a seguro pela cintura, puxando-a para mim. Sinto suas mãos delicadas subirem por meu peito até meus ombros, onde ela me segura firme. Sua respiração se mistura com a minha quando aprofundo o beijo e um som profundo sobe por minha garganta. Val se apoia em mim com mais firmeza e sinto suas pernas dobrarem. Se eu não a estivesse segurando ela provavelmente teria perdido o equilíbrio, o que faz com que eu a mantenha ainda mais colada ao meu corpo.

Nunca na vida eu pude imaginar que me sentiria tão bem. Eu costumava acreditar que Valentina era ingênua por acreditar nas histórias de romance e almas gêmeas. Do jeito que eu cresci, vendo meu tio trocar de namorada como quem troca de roupa e ter de consolar Val todas as vezes que algum imbecil a fez chorar eu acabei acreditando que isso era um mito. Eu sentia no fundo da minha alma que amor verdadeiro não existia e poucos eram os sortudos que chegavam a ter um pouco de alegria ao lado de alguém. Entretanto bastaram alguns poucos meses com Val para perceber o quanto eu estive errado por todos esses anos. Se o que eu sinto por ela não é amor, então eu não sei qual é o significado dessa palavra.

— Eu te amo. — Sinto necessidade de falar em voz alta e o sorriso largo que recebo em troca prova que fiz a escolha certa.

— Eu também. — Ela me encara com intensidade e o que vejo em seu rosto me deixa ainda mais seguro de que o amor é exatamente isso; a eletricidade que percorre entre nós e a certeza de que estou no lugar certo e com a pessoa ideal.

Uma tosse alta (e muito forçada) me faz levantar a cabeça e rapidamente solto a cintura de Val, mas não a deixo ir muito longe. O par de olhos azuis que me olham através do jardim faz com que eu assuma uma posição de defesa. Val segue meu olhar e solta uma risadinha ao ver os pais.

— Constantini, — ele diz com a voz distante e eu tenho a impressão de que ele não confia muito em mim. Pensando bem, se os papéis fossem invertidos eu também não gostaria muito do garoto que tivesse minha filha nos braços.

— Senhor Isaak. — Forço um sorriso nem um pouco sincero e escuto mais risadas ao meu lado. Se eu pudesse, lançaria para Val um olhar nem um pouco satisfeito. Ela deveria estar me apoiando e não achando graça da situação!

Desde que eu fui até sua casa pedir permissão para namorar Valentina seu pai passou a me enxergar como o inimigo. Ele disse que confiava em mim para proteger a filhinha dele e que nunca imaginou que estaria entregando de olhos vendados o seu tesouro para o leão. Depois de uma conversa sincera (e intimidadora) em que eu precisei deixar bem claro todas as minhas intenções ele acabou consentindo com o relacionamento, mas não ficou muito satisfeito. Por outro lado sua mãe bateu palmas e me abraçou quando nos viu chegando juntos na casa dela. As duas reações me deixaram um pouco desconcertado, mas eu conheço os dois há tempo bastante para saber que são boas pessoas e que se eles não estivessem felizes por nós não permitiriam que eu me aproximasse de Valentina.

— Você vai ter que cumprir com a sua palavra, ou eu juro que vou atrás de você até o fim do mundo. — O pai de Val olha bem para as mãos dela e em seguida aponta em minha direção. Eu sei que ele está se referindo à nossa conversa e minha promessa de que assim que eu conseguir meu diploma vou colocar um anel no dedo de Val. Eu não tive problema algum em concordar com os termos dele, já que eu não consigo ver um futuro para mim sem Valentina.

— Pode deixar, senhor. Não pretendo desistir.

— Muito bem. — Ele me estuda por mais alguns minutos. Sinto suor escorrer em minha testa enquanto ele pondera e meu coração bate tão alto que posso ouvir. O toque de Val em meu braço direito é leve, porém o bastante para que eu não comece a tremer também.

— Pai, para de assustar o Valentin! — Ela pede depois de um tempo em silêncio e vejo o homem sorrir.

Ele puxa a filha para um abraço longo e se despede dela. Sua mãe e irmã vem logo atrás e começam a falar ao mesmo tempo, ambas fazendo exigências e gritando animadas. O movimento na porta de casa faz com que eu dirija minha atenção para lá e, ao ver tio Stefano, eu decido dar um pouco de espaço para Valentina se despedir de sua família em privacidade.

— Estou muito velho para te pedir um abraço? — Meu tio diz assim que me aproximo dele e vejo lágrimas acumuladas em seus olhos.

Ao invés de responder envolvo meus braços ao redor dele, sentindo um pouco de resistência que rapidamente some. Ele me aperta de volta com vontade, como se eu fosse evaporar se ele não me segurasse com tanta força. Ao se afastar seu rosto está vermelho e eu noto, com surpresa, que ele não está se esforçando para segurar o choro.

— Acho que essa é a primeira vez que te vejo chorando. — Tento fazer uma piada, mas Stefano apenas dá de ombros e me abraça mais uma vez.

— Você vai fazer muita falta pigrone.

Ele limpa os olhos e volta a me encarar. A emoção é visível em seu semblante à medida que ele empalidece e seus lábios tremem. Nunca vi meu tio tão abalado e me pergunto se há algo mais o incomodando além do fato de eu estar indo para a faculdade. Lembro de todas as vezes em que ele me fez jurar que eu jamais o substituiria ou me esqueceria de seu rosto. Desde pequeno, ele sempre esteve ao meu lado. Foi ele quem me criou, mesmo quando não podia. Meus pais me trouxeram para ele quando eu ainda era muito pequeno e eu sei que na época Stefano tinha acabado de comprar o restaurante e estava começando sua vida. Ele provavelmente entrou em pânico ao perceber que teria que cuidar não só de si mesmo, mas também de uma criança que mal conhecia e não era sua obrigação.

— Stefano, você sabe que sempre vai ser meu pai. — Minhas palavras parecem ter um efeito calmante, pois ele pisca e sorri aliviado.

Sem resistir, dou um último abraço em meu tio e caminho de volta para o carro.

Val acena para os pais e em seguida para meu tio. Eu me despeço rapidamente de seus familiares e sento no banco do motorista do meu carro, que eu consegui comprar na semana anterior. Depois de muito tempo finalmente consegui juntar gorjetas e mesadas o bastante para pagar por um modelo econômico e seguro. Apesar de ser um modelo ultrapassado, é exatamente o que eu sempre sonhei em ter.

— Preparado para ir? — Val pergunta ao se sentar do meu lado.

— Sim. E você está preparada para conhecer o Valentin Júnior? Ele está muito animado com a nova mãe.

Valentina solta uma gargalhada tão alta que faz as janelas do carro estremecerem. Demorou algum tempo para ela me contar sobre a história e eu acho que ela só fez isso depois que Sally Hastings declarou seu ódio por mim na frente de todo o refeitório. Ela estava com tanto medo na hora em que me revelou que acabou caindo da cadeira, mas eu ri tanto que acabei convencendo-a de que não fiquei chateado.

— Eu estou preparada para qualquer coisa se você me prometer que vai estar ao meu lado.

— Sempre. — Seguro sua mão na minha e Val me lança um sorriso doce.

Alguém bate no vidro ao meu lado e as sobrancelhas de Val se unem. Viro para encontrar meu tio segurando uma caixa sem tampa e ao abrir minha janela ele a passa para mim.

— São para você. — Ele aponta para os envelopes amarrados com um barbante dentro da embalagem. — Você não precisa ler agora, mas eu acho que ao menos deveria levar com você.

Levo algum tempo para compreender o que ele está dizendo. Meu olhar cai para dentro da caixa e se fixa no nome escrito no verso de um dos envelopes. Ellie. Eu não preciso virar os outros para saber que todos vem do mesmo remetente. Passei anos vendo estes envelopes chegarem através do correio e em todas as vezes que meu tio pareceu perder o ar e amaldiçoou ao ler o nome eu acreditei que fosse alguém o procurando.

Eu estava muito errado. Ellie estava atrás de mim.

— Quem é Ellie? — Val se debruça sobre mim e encara meu tio.

Sua voz sai tão confusa que por um segundo eu acredito que ela nunca ouviu o nome antes, porém eu sei que ela está tão abalada quanto eu. Valentina sabe, assim como eu, que Ellie vem enviando cartas desde que me mudei para a casa de Stefano porque eu corria para lhe contar toda vez que um envelope novo surgia dentro da caixa de correio.

— Ela é minha mãe. — As palavras saem sem que eu tenha tempo para pensar. Eu desconfiava de que Ellie fosse alguém que meu tio temesse e agora, juntando os fatos eu só consigo concluir que ela é a mulher que me trouxe para Stefano. Não consigo pensar em ninguém mais que iria me procurar.

— Você não precisa responder. Nem precisa ler essas cartas, Valentin. A Eleonora fez muitos erros na vida, mas você não foi um deles. Ela só está tentando encontrar uma maneira de se desculpar por tudo que fez. Eu espero que algum dia você compreenda. — Meu tio diz apressadamente e eu quase levanto a voz para lhe impedir de continuar. Ele não precisa explicar nada para mim.

— Eu entendo os motivos dela. Ela estava feliz com um novo amor e não tinha lugar para mim para onde eles foram. Eu não sinto raiva dela por isso, eu estou feliz porque pude ficar com você. — Para confirmar que estou dizendo a verdade, encaro meu tio por vários minutos até que ele se convença de que estou sendo sincero. — Não estou com raiva de ninguém.

— Eu não sei o que fiz certo para merecer você, mas eu sou grato por minha irmã irresponsável ter me dado a oportunidade de te criar. — Ele segura meu rosto em suas mãos e estuda minhas feições. — Eu tenho tanto orgulho de você. Agora vai lá, vai ser feliz com sua garota. Vocês dois tem uma vida inteira pela frente.

— Obrigado. Eu vou voltar logo. — Trocamos um olhar cheio de compreensão e ele se afasta para que eu possa dar a partida do motor.

Val aperta meu braço uma vez em um toque reafirmador. Agradeço sua preocupação por mim e sei que sempre que eu precisar ela estará ao meu lado. Silenciosamente ela pega a pequena caixa em meu colo e coloca no banco traseiro junto com nossas malas. Observamos em silêncio a imagem de nossas famílias desaparecem pelo espelho retrovisor e ela beija minha bochecha.

— Pronto para encontrar nosso futuro? — Ela pergunta em um tom dúbio. Sei que ela está ansiosa, porém ao mesmo tempo preocupada com o modo que essa nova revelação me afetou.

— Não, — vejo confusão em seus olhos e apressadamente me explico: — Não vamos encontrar nosso futuro, a gente já começou a construir ele tem um tempo.

Ela me dá um sorriso largo e tranquilo, do tipo que me faz perder o ar e esquecer tudo ao meu redor. Eu posso não ter certeza do que nos aguarda, mas ao menos sei que enquanto estiver ao lado da minha melhor amiga eu estarei feliz.

FIM





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