04 - Valentina
Avisto a cabeça loira de Sally assim que deixo a sala de aula e por mais que eu tente me esconder no meio da grande quantidade de alunos que enchem o corredor ela acaba me vendo. Pergunto—me se seria estranho sair correndo agora e ignorar o aceno animado que ela me dá, porém ela me alcança antes que eu consiga mover meus pés.
— Valentina! — Ela dá seu sorriso largo cheio de dentes e em seguida vira para cumprimentar alguns dos alunos que estão atrás de mim. — Tudo bem?
Faço que sim e seu sorriso fica ainda maior, como se fosse possível alargar tanto os lábios sem se parecer com o Coringa. Acredito que esse é o tipo de coisa que apenas Sally Hastings consegue fazer. Ela é sempre simpática a ponto de te fazer sentir culpado por não saber acenar feito uma miss ou sorrir alegremente até nos dias chuvosos.
— Preciso falar com você. — Seus olhos castanhos escurecem com preocupação, mesmo que ainda estejam enrugados nos cantos por causa do sorriso emplastado em seu rosto.
— Aconteceu alguma coisa? — Tento pensar em algum motivo para Sally querer falar comigo, mas além de me convidar para suas festas ela só se incomoda em me perguntar como estou. Essa será nossa primeira conversa com mais de duas sentenças.
— Oh, claro que não! Está tudo ótimo. — Ela gentilmente me puxa para um canto do corredor, liberando a saída da sala que eu havia esquecido que estava bloqueando. — É sobre Valentin Constantini.
— O que tem ele? — A mera menção de meu amigo faz com que todos os meus pelos se ericem e eu sinta uma vontade incompreensível de mandar Sally ficar longe dele. Ela é uma garota legal; na verdade, ela é perfeita e bastariam alguns minutos conversando para que meu amigo percebesse que alguém como Sally é uma amizade muito mais qualificada para ele do que eu.
— Nada! Puxa, Vale, você está muito tensa. — Para amenizar a situação ela solta uma risadinha graciosa que acaba me deixando completamente irritada. Não sei qual é o meu problema, geralmente me sinto quase normal perto de Sally, mas hoje cada um de seus movimentos está servindo apenas para me mostrar o quão pouco feminina e graciosa que sou. Deve ser estresse pré—encontro. — Você sabe que ele está saindo com uma grande amiga minha?
— Sim. — Meus olhos reviram por vontade própria e Sally franze as sobrancelhas em arcos perfeitos.
Eu deveria imaginar que a conversa seria sobre Suzie sabe-tudo Woods. Ou talvez seja Suzie chata-para-caramba Woods. Antes de o Valentin começar a sair com ela eu não tinha nada contra Suzie, mas então eu tive que conversar com ela por exatos oito minutos e descobri que ela é a pessoa mais chata do mundo. Não sei como Valentin consegue escutar aquela voz aguda e irritante dela por tanto tempo, mas eu desconfio que o tipo de atividade que eles fazem juntos não envolve muitas falas.
— Eu quero saber se ele vai convidar Suzie para minha festa. — Ela força mais um sorriso nos lábios cor de cereja e eu percebo que por baixo da fachada de menina fofinha de Sally Hastings há uma garota malvada feito Liza.
Eu daria tudo para ver Sally perder o controle uma única vez. E então penso que seria muito engraçado fazer com que ela perdesse a pose nesse minuto.
— Ah, Sally querida, você não soube? — Arregalo meus olhos o máximo que consigo e olho para ambos os lados antes de voltar a falar. Sally observa meus movimentos com curiosidade e chamo-a para mais perto a fim de fingir que estou contando um grande segredo. — O Valentin está muito envergonhado, então você precisa me prometer que não vai falar para ninguém o que vou te contar. Nem mesmo a Suzie pode saber. O Valentin não pode sonhar que eu te contei, entendeu?
— Pode confiar em mim. — Ela franze ainda mais as sobrancelhas e se esquece do sorriso dessa vez. Aparentemente consegui sua atenção completa. — O que há de errado?
— O Valentin vai se ausentar. Ele não vai poder ir à festa porque... — Tento imaginar o que deixaria Sally assustada e preciso controlar minha vontade de rir. — Ele não pode ir porque precisa ir à Flórida.
— Flórida? — Ela pergunta em confusão.
— Sim. Essa é a parte que você precisa manter em segredo. — Praticamente encosto meu rosto ao seu e abaixo minha voz para um sussurro. — Ele vai visitar a família.
— Pensei que ele não conhecesse os pais... — Ela me interrompe, mas antes que consiga dizer mais eu encosto um dedo em seus lábios e volto a falar.
— Ele não vai ver os pais. — Reviro meus olhos teatralmente e apoio uma mão em seu ombro. — Ele vai ver o filho, o Valentin Júnior.
— Ele tem um filho? — Noto que toda a cor de seu rosto some e nem mesmo o gloss cor de morango é suficiente para colorir seus lábios. Bingo! Ela acreditou em cada uma de minhas palavras. — Mas isso é... Meu Deus! Como ninguém sabe disso?
— Ele não gosta de falar muito sobre si. — Aproveito-me do fato de meu amigo confiar apenas em mim pra compartilhar seus segredos. — E ele não se orgulha muito do modo como tudo aconteceu. Além do mais, ele conheceu a mãe da criança na cadeia e ela era casada na época...
— Quantos meses a criança tem?
— Meses? Não, ele tem três anos. — Finjo contar nos dedos e Sally abre a boca em um círculo perfeito. Cada vez que abro minha boca ela parece mais horrorizada e é só por isso que ainda estou falando. Espero que ela seja sincera e não conte para ninguém, ou eu vou precisar de muita sorte na hora que for explicar para Valentin o quanto foi engraçado ver a expressão no rosto perfeitamente inabalável da loira. — Mas você não pode contar para ninguém, nem para a Suzie.
— Eu sei. — Ela passa uma mão pelo cabelo e pisca algumas vezes. — Posso entender o motivo de ele ter mantido essa criança em segredo, mas fico feliz que tenha me contado sobre o filho dele. E estou ainda mais surpresa por saber que ele já foi preso. Ele parece ser um menino tão educado. — Ela solta um suspiro e eu me pergunto se é de decepção. Pelo modo como seus olhos ainda estão arregalados, ela está demonstrando alguma dificuldade para processar os fatos. Será que Sally tem uma queda por Valentin?! Não, não é possível. Ela disse não quando ele a convidou para sair no primeiro ano.
— As aparências enganam. — Dou de ombros e avisto a cabeça morena de Valentin se destacando na multidão. É fácil encontrar Valentin devido a grande diferença de altura entre ele e o restante dos alunos. E como se não bastasse ter quase dois metros de altura, ele ainda está sempre de boné. — Ele está vindo para cá. Fique quieta.
— Claro que sim. — Ela balança a cabeça e parece sincera.
Em poucos passos Valentin corta a distância entre nós e me lança um olhar confuso ao ver Sally parada ao meu lado. Eu conversar com Sally é algo tão inacreditável quanto chuva no deserto, mas não sei o motivo de nunca termos nos falado. Ela é o tipo de garota divertida e amigável que geralmente consegue prender minha atenção. Menos hoje, porque estou me sentindo muito incomodada com sua presença.
— Olá garotas. — Ele lança seu sorriso educado para Sally e envolve meus ombros com um dos braços.
— Olá. — Ela diz de modo automático e reparo que está tendo dificuldades em encarar meu amigo. Se eu não estivesse com medo do que ela poderia falar, eu riria. — Eu só estava falando com Valentina sobre a festa. Melhor eu ir agora, já sei tudo o que eu precisava. — Ela alterna o olhar entre nós por longos segundos e eu tenho vontade de empurrá-la para longe, mas isso levantaria suspeitas. — Divirta-se na Flórida.
Sinto meus lábios se abrirem em choque enquanto observo Sally Hastings correr para longe de nós. Eu não acreditaria que ela falou de propósito se minha irmã não fizesse exatamente a mesma coisa sempre que quer dizer algo e fingir que não era sua intenção.
— Por que ela me disse isso se só vou para a faculdade em agosto? — Suas sobrancelhas negras se juntam e eu aposto que ele está pensando que Sally Hastings enlouqueceu.
— Não sei. — Forço uma careta de quem está tão confusa quanto ele e começo a andar. Logo Valentin está me acompanhando. — Então, vai me contar algo sobre Ansel Moose? Estou começando a achar que ele não existe. Você nunca falou desse garoto antes e eu não encontrei nada sobre ele na internet.
— Eu sabia que você ia procurar... — Ele balança a cabeça como se meu comportamento fosse previsível e um sorrisinho surge no canto de seus lábios. — O que você acha do parque municipal?
— Aquele lugar velho? — Sinto minhas sobrancelhas franzirem e a postura de Valentin se torna ainda mais animada. Há algo errado.
— O parque não é tão ruim.
— Eu não vou lá desde meus onze anos. Agora pare de enrolar e me fale sobre Ansel! Ele é real ou você inventou tudo isso?
— Você acha que eu seria capaz de uma coisa dessas? — Ele finge estar magoado e eu só o ignoro porque sei que Valentin não ficaria triste por tão pouco. Em todos os nossos anos de amizade ele nunca se chateou com nada que ninguém tenha feito ou falado.
— Considerando que te conheço desde os oito anos, sim, eu acho que você é capaz de fazer muito mais.
— Engraçado você falar isso... — Um brilho diferente passa por seus olhos, mas logo desaparece. Sinto meu corpo se agitar ao constatar que é provável que nada disso passe de uma brincadeira, porém antes que eu tenha chance de começar a gritar ele volta a me encarar com seriedade. — De qualquer jeito, Ansel existe. Ele estuda aqui e é um cliente assíduo do Constantini's, então não estrague tudo com ele ou meu tio vai vir pessoalmente conversar com você por perder um freguês.
Eu me limito a revirar os olhos e sinto V. me empurrar para o lado com seu ombro. Mesmo que ele pareça relaxado há algo diferente em sua postura, como se ele estivesse tenso. Odeio a ideia de que ele possa estar enfrentando algum problema e logo minha consciência ganha vida. Se fosse o contrário ele já teria me forçado a contar o que quer que fosse e me ajudaria.
— Valentin, o que está acontecendo? — Suas sobrancelhas negras sobem tanto que desaparecem debaixo de alguns fios de cabelo que fugiram do boné. — Você parece incomodado.
— Ah, não tem nada acontecendo. — Ele dá de ombros em um movimento mecânico, quase forçado, e puxa uma folha de caderno amassada de dentro do bolso da calça. Reconheço minha lista de imediato. — Voltando ao Ansel... Ele é um cara bem legal, se encaixa em alguns dos pontos da sua lista.
— Esconde isso! Ninguém pode ver ou vão achar que eu sou louca. — Tento tirar o papel de sua mão, porém ele ergue acima da cabeça e só me resta implorar com os olhos para que ele volte a guardar a folha.
— Valentina, todo mundo já acha que você é louca. — Mesmo se divertindo, ele dobra novamente a lista e guarda dentro da mochila. — Viu? Sua mais nova prova de loucura está bem guardada.
— Não mostre isso de novo.
— Nunca. — Ele ri e enfia os fios rebeldes de cabelo de volta dentro do boné. — Como eu estava dizendo, o Ansel é bem original e sempre que o vejo está lendo. Acho que isso se encaixa no ponto de ler revistas ao invés de usar a internet. Você devia seguir algumas dessas exigências que escreveu, sabia? Passar tanto tempo na internet não é saudável, nem quero pensar o que você fica vendo naquele computador.
— Você se acha engraçado? — Minha voz sai entediada, porém Valentin continua rindo sozinho de sua péssima piada. Eu nem uso meu computador por tanto tempo assim!
— Só uma coisa, o Ansel gosta muito de ficar ao ar livre e exigiu que o encontro fosse no parque municipal. — Sinto meu estômago afundar com a menção do ponto de encontro, mas ao menos agora tenho certeza que o garoto existe, pois Valentin não seria criativo a esse ponto.
— Tudo bem. Se ele for minha alma gêmea eu posso ignorar o fato de ele gostar de passear em um lugar desses. — Valentin me lança seu olhar gélido e me pergunto se falei algo errado. — Ele vem me buscar na saída?
— Falando nisso... — Ele cobre os lábios com ambas as mãos, provavelmente escondendo seu sorriso irônico. — Ele não tem um carro.
— Tudo bem, você também não tem um. Então eu vou dirigindo?
— Também não. — Ele para de andar e desiste de esconder o riso. — Diferente de mim, o Ansel não tem um carro porque não quer um. Ele usa um meio de transporte alternativo, mas não se preocupe porque ele se ofereceu para vir te buscar na hora da saída. Tudo que você precisa fazer é estar na porta na hora certa.
— Posso fazer isso.
— Ótimo. — Ele abre a boca para falar algo mais, porém um de seus amigos o chama e ele acena para a mesa antes de voltar a me olhar. — Se você precisar saber de mais alguma coisa é só me enviar uma mensagem. Divirta-se no encontro Val.
Ele beija minha bochecha e corre para a mesa, deixando-me plantada no meio do refeitório. Não vejo nada fora do comum nisso, pois sempre passamos os intervalos com outros amigos já que minhas amigas não se dão bem com ele. Depois que entramos no ensino médio as garotas se dividiram entre as que o acham fofo e as que não o suportam. Minhas amigas se encaixam na segunda categoria. No entanto, hoje Valentin parece estar mais esquisito que o normal, como se algo estivesse tomando todo o seu pensamento. Aliás, todo mundo parece estar agindo de um jeito anormal nesta manhã. Ou talvez seja apenas eu e minha ansiedade para o primeiro encontro.
— Val. — Abby chama por mim e lembro que ainda estou parada no meio da cantina. As outras garotas sentadas na mesa acenam e me forço a ir até elas, deixando meus pensamentos sobre o encontro e a confusão que arrumei com Sally Hastings para trás.
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Meu Deus, olha a confusão que a Valentina está arrumando, no que vocês acham que isso vai dar? E esse encontro... será que vai dar certo?
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