01 - Valentin

Ainda lembro o dia em que conheci Valentina como se tivesse acontecido esta manhã. Ambos tínhamos oito anos e em minha opinião ela era a garota mais esquisita do parquinho. Para mim, uma garota que cheirava a flores e jogava futebol melhor que os meninos era algo esquisito. E o fato de ela ser a única menina que eu sentia vontade de falar era estranho também.

Na primeira vez em que a vi ela estava com os joelhos sujos de terra e calçava tênis que acendiam conforme ela andava. Seu cabelo era da mesma cor do chocolate quente que meu tio fazia para mim no inverno e os olhos eram azuis feito a piscina comunitária que tinha em meu bairro. Os pais tinham acabado de se mudar para uma casa perto da minha e eram donos de uma mercearia. Foi desta forma que Valentina passou de uma garota que passava de bicicleta pela rua para minha melhor amiga. Com o passar do tempo seus pais fecharam a mercearia, pois os grandes supermercados não permitiam que houvesse procura suficiente para manter seu negócio de pé, então o pai de Valentina investiu em um novo negócio e não poderia ter tido mais sorte, porque logo depois da primeira concessionária ele abriu mais duas e agora faz parte da lista de moradores com uma boa renda que reside em um condomínio cercado na área mais nobre da cidade. Mesmo com todo o dinheiro, Valentina e a família continuam sendo as pessoas mais humildes e engraçadas que conheço razão pela qual ela continua sendo minha melhor amiga depois de anos.

Como se ela soubesse que eu estava pensando nela, Val surge no salão do restaurante de meu tio, onde trabalho. Ela fecha a porta atrás de si com pressa, impedindo que o vento gelado entre junto. Sua cabeça se ergue e assim que ela me vê corre em minha direção.

— Eu preciso da sua ajuda. — Anuncia ao se sentar em um dos bancos em frente ao bar. Observo-a tirar o casaco acolchoado branco que a faz parecer com um marshmallow mutante e seus olhos reviram como se ela soubesse exatamente o que estou pensando. — É sério Constatini, preciso de você.

— Desculpe Kozlov, estou ocupado. — Dou de ombros e continuo a esfregar o balcão, sabendo que isso a deixará frustrada a ponto de dizer o que está querendo sem que eu pergunte. Valentina odeia quando não demonstro interesse por algo.

— Valentin, me escuta. — Ela bate com uma mão sobre a bancada, atraindo olhares curiosos de alguns clientes.

— Tudo bem. — Jogo o pano por cima do ombro e me debruço até estar com os olhos na altura dos dela. Quando eu era novo pensava que seus olhos eram a coisa mais incrível do mundo por possuir um tom único; uma mistura de azul quase violeta que nunca vi em ninguém mais. — O que você quer Val?

— Você vai me ajudar a encontrar um namorado para o dia de São Valentim.

— O que aconteceu com Cole? — Suas sobrancelhas franzem ao ouvir o nome e preciso segurar minha risada. Como eu disse desde o começo e Valentina escolheu ignorar, Cole acabou se revelando o maior gay da história da nossa pequena cidade, mas ele ainda é um cara legal.

— Sally Hastings vai dar uma festa no dia de São Valentin, em duas semanas. Sabe o que isso significa? Eu não posso aparecer sem um par! As festas da Sally Hastings são as melhores e eu preciso manter minha imagem. Preciso de um namorado!

— Estou sabendo. Andei pensando em convidar a Suzie para ser meu par. O que você acha?

— Oh! Isso significa o que eu acho? — Seus olhos se arregalam e ela parece esquecer por um segundo de seu problema. Se bem que eu não chamaria sua busca incansável por um namorado de problema. Eu acho que Val está mais para confusa ou indecisa. Ela não sabe o que quer, mas não sou eu quem vai lhe dizer.

— Não significa nada. Só pensei em chamá-la já que estamos saindo tem algumas semanas.

— Você não pode convidar se não está pensando em dar o próximo passo! Um convite para a festa dos namorados na casa de Sally Hastings faz coisas esquisitas com a mente feminina.

— Eu posso ver. — Para justificar, aponto em sua direção e recebo um olhar de fúria.

— Vá se ferrar! Eu estou bem. Tão bem que elaborei um plano infalível e desta vez vou encontrar o cara certo. — Val retira um caderno de sua mochila com estampa de zebra e puxa a caneta azul que está no bolso de meu uniforme. Ela começa a rabiscar em uma folha e depois lê em voz alta. — Como encontrar meu par perfeito. Coloquei aqui todas as qualidades que eu procuro em um cara e os defeitos que eu considero indesculpáveis. Você pode me ajudar a encontrar pretendentes que se encaixem neste perfil e depois de um encontro com cada um deles, vou eleger o melhor para ir comigo à festa.

Ela fala como se tivesse acabado de encontrar a cura para a AIDS e por este único motivo não consigo fazer nenhum comentário sarcástico. Puxo a lista para mim e começo a ler os itens que ela colocou na coluna de qualidades, mas ao ler "bonitinho" e "cheiroso" não consigo evitar e começo a gargalhar. Que tipo de cara possui um animal de estimação com um nome original e lê revistas de viagens durante as tardes ao invés de "acessar sites de sacanagem" (estou citando as palavras dela)? Além do mais, não acho que ter um corte de cabelo ruim possa ser considerado um defeito já que basta uma ida ao cabeleireiro para consertar.

— Você já cansou de rir as minhas custas? — Ela arranca o caderno de minhas mãos com violência.

— Acho que por precaução você devia colocar que o cara não pode gostar de fazer compras mais do que ficar com você. Não queremos repetir o que houve com Cole, certo?

— Você é desprezível Valentin. Se eu não estivesse precisando tanto de você nesse momento já teria ido. — Ela arranca a folha com a lista e guarda o caderno de volta na mochila. — Você pode ficar com a lista para lembrar tudo enquanto fala com seus amigos e eu te ligo à noite para saber quando será o primeiro encontro.

— Espera. Quem disse que eu concordei em ser seu cupido?

— Você vai concordar. — Ela beija minha bochecha e se levanta. — Até mais. Preciso encontrar Liza.

E com isso ela vai embora. Na verdade, ela praticamente corre para fora do restaurante com medo de que eu acabe lhe dizendo não se tiver chance. Contra minha vontade, envio a lista no bolso traseiro da calça, mas não sem dar uma olhada antes. Valentina é louca e eu sei que se eu não a ajudar, ela vai acabar se metendo em problemas que não será capaz de consertar, como sempre.

— Pigrone, o que você está fazendo aí olhando para ontem? — Meu tio se debruça sobre o balcão ao meu lado e apesar de me repreender, ele respira fundo e também encara o vazio. — O que a ragazza queria?

— Um namorado. — Dou de ombros e sinto o olhar de meu tio sobre mim. Sei muito bem o que ele está pensando. Desde que somos pequenos, tio Stefano fala que somos namorados. Quando eu era pequeno cheguei a chorar por causa de sua brincadeira, mas acabei me acostumando.

— E ela veio pedir para você ser o namorado dela? Finalmente ela deixou de ser cabeça dura! — Ele diz em seu sotaque carregado. Como um bom italiano, ele abre os braços ao falar e quase acerta meu nariz.

— Não. Ela veio implorar para que eu a ajude a encontrar pretendentes.

— E você vai ajudar?

— Talvez. Sem mim ela vai acabar encontrando outro idiota. — E desta forma eu acabo me decidindo por ajudá-la. — Ela fez uma lista com tudo que quer...

Começo a tirar a folha de papel do bolso e meu tio a arranca de minhas mãos. Após dar uma olhada ele solta uma gargalhada exagerada e balança a cabeça.

— Vou começar com Ansel Moose, o que acha? Ele passa mais tempo recolhendo assinaturas para seus abaixo-assinados do que na própria casa.

— Pode ser, se você acha que sua amiga vai deixar passar o fato de ele falar sobre pandas e florestas o dia todo. — Ele diz ainda rindo. De repente sua postura muda e ele me encara com um dedo apontado para meu rosto. — Isso é uma besteira. Não sei quanto tempo vocês dois ainda vão demorar a perceber que o amor está sempre bem embaixo dos nossos narizes. Agora volte a trabalhar, não te pago para você ficar parado feito estátua. Se eu quisesse mais decoração para esse salão escolheria alguém mais bonito.








Lista de coisas para o par perfeito de Valentina Kozlov:

Qualidades necessárias:

Ser bonitinho

Ser cheiroso

Estar engajado em algum movimento

Ser confiante

Ser original

Ter senso de estilo

Ter um animal de estimação com um nome original

Ser animado

Ser educado

Ler revistas de viagens durante as tardes ao invés de acessar sites de sacanagem

Defeitos indesculpáveis:

Ter um corte de cabelo ruim

Não tomar banho

Ser egocêntrico

Ser machista

Conversar sobre assuntos chatos

Ser assustador

Gostar de mim só pela aparência

Não prestar atenção ao que eu falo

Deixar que eu fique com sono durante o encontro








...

E estamos de volta! Já deu para perceber que a Valentina vai arrumar muita confusão com essa lista, não é? No lugar do V. o que vocês fariam? Eu com certeza acharia que minha amiga enlouqueceu!






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