CAPÍTULO XXIV - O AMARELO DE GUILHERME

Quando acordo, Élio não está mais na barraca, apenas eu e Lucas. Este dorme de costas para mim. Ao contrário da noite anterior, está fazendo muito frio! Cubro Lucas com um lençol e vou fazer minha higiene matinal.

Vejo Aloysius e Guilherme sentado embaixo da árvore conversando. Vou até eles.

- Onde estão todos? - pergunto sentando próximo a eles.

- Heitor levou João Pedro pra cidade, foram buscar alguma coisa que estão precisando. Roberta, Lucas e Joseph ainda estão dormindo na barraca - Guilherme fala apontando para a barraca do Joseph.

Lucas está dormindo na nossa barraca - corrijo ele, que se espanta.

- Coitado do Lucas – Guilherme diz. – ou atrapalha um casal, ou atrapalha outro. Ele poderia ter ficado na nossa, cabia mais um.

- Num já tinha quatro lá? – pergunto pensativo.

- Sempre cabe mais um – Guilherme responde com cara de safado e pisca um olho pra mim. Apenas balanço a cabeça sorrindo

- Élio saiu pela mata - Aloysius fala rindo - acho que ele está querendo se exercitar.

- Gastar as energias acumuladas - Guilherme dá um risinho com a mão na boca. Eu sorrio junto - olha que lindo!

Ele aponta para o céu, um arco-íris bem nítido aparece de um lado a outro.

- Ai, eu adoro arco-íris. Agora esse acampamento está perfeito. - Guilherme fala juntando as mãos próximas ao rosto.

- Combina perfeitamente com vocês o arco-íris. - fala o professor Aloysius olhando o céu.

- Como assim? - Guilherme pergunta olhando para o Aloysius. Fiquei aliviado, pois também não tinha entendido e queria perguntar.

- Quantas cores tem o arco-íris? - Aloysius pergunta como se estivesse em sala de aula.

- Sete - responde Guilherme

- E quantos vocês são?

- Nove se contar com você - responde Guilherme sem entender aonde o professor queria chegar.

- Não! Sem contar comigo e nem com o João Pedro que está só a passeio - Aloysius esclarece.

- Nesse caso, sete - conclui Guilherme.

- E vocês notaram como cada um de vocês é diferente dos demais? - Continua o professor - para mim vocês representam as sete cores do arco-íris.

- E qual seria a cor de cada um? - pergunto interessado.

- Para o Heitor eu daria o índigo. A cor do respeito. Vocês viram como ele acabou com a briga e se impôs como líder do acampamento? É um sinal de respeito.

Eu e Guilherme concordamos e ele continua:

- O Lucas é o azul, a tranquilidade. Ainda não vi ele se exaltar, sempre calado, observando, sempre tranquilo.

Me vem à cabeça a imagem do Lucas desesperado naquele dia, mas foi a única vez que vi ele assim, nem quando apanhou dos gamers ele perdeu a calma. Nessa hora ele sai da barraca com cara de sono e se arrasta para o rio. Começamos a rir e concordamos de novo.

- A cor violeta é do Élio. A cor do mistério. Por mais que eu converse com ele, não consigo decifrá-lo. Ele sempre tem algo guardado para me surpreender. Não consigo compreendê-lo completamente.

Exatamente como eu me sinto.

- Para o Joseph, eu dou o verde. A esperança. Ele é um cara sempre positivo. Está sempre dizendo que tudo vai dar certo, mas o motivo mais importante é ele ter pensado na escola de futsal. Ele, com certeza, vai dar esperança a muitas crianças que já não têm nenhuma, que já perderam tudo.

- A Roberta fica com o Laranja, a cor que representa a força. Eu admiro a força de vontade que ela tem para se impor, se empoderar quando a maioria só quer vê-la por baixo. Mas laranja também é a cor da comunicação. Eu já presenciei ela argumentando uma vez e ela é muito boa. Ela é uma daquelas pessoas que conseguem vender areia no deserto.

- Só faltou a gente - observo - quem é o vermelho e quem é o amarelo?

- Você é o vermelho, Páris. - ele fala apontando pra mim - vermelho é a cor do amor, e eu escolhi você por duas razões. Primeiro, porque apesar de tudo que você viveu, você tem muito amor no coração. Você ama muito a sua família, você ama muito o seu namorado, pode não admiti, mas ama. E você ama muito seus amigos. E o segundo motivo é que todos eles te amam também. Você é uma pessoa adorável. E quem não vê isso é por que está cego por um muro de preconceito.

Sorrio meio sem jeito. Não estou acostumado a ser elogiado assim.

- E eu professor - pergunta Guilherme - eu não quero ser o amarelo. Eu sou todas essas cores. Eu sou multicolorido.

Rimos um pouco e depois Aloysius fala:

- Creio que todos temos um arco-íris dentro de nós. Mas nesse grupo você é o amarelo sim. Porque o amarelo representa a alegria e a sua é contagiante. Não significa que você não tenha sofrido, ou que nunca fique triste. Significa que você escolheu ser alegre apesar de tudo. Isso é muito importante.

Guilherme sorri lisonjeado.

- Mas eu vejo o arco-íris em vocês porque, se cada uma dessas cores cruzasse o céu sozinha, talvez não chamasse atenção. A beleza está em elas ficarem juntas. Como vocês, quando estão juntos conseguem realizar qualquer coisa, se separados serão limitados.

Lucas vem se aproximando com um pacote de salgadinho. Guilherme me puxa rápido para perto e fala baixo:

- Os meninos devem estar chegando. Precisamos que você distraia o Lucas para organizar a festa.

- Festa? - pergunto surpreso.

- Não deu tempo de te avisar por que ele está sempre perto de ti. Mas hoje é o aniversário dele - Guilherme fala rapidamente - o pai dele comentou com sua mãe. Antes de sairmos ela pediu para o Heitor ir pegar um bolo que ia fazer hoje. Você leva ele para a mata e distrai ele enquanto organizamos tudo aqui.

Antes de Lucas sentar eu levanto, pego seu braço e saio puxando.

- Vamos procurar o Élio comigo.

Encontramos Élio deitado na sombra de uma árvore, suado, com a braguilha da calça aberta exibindo uma cueca vermelha.

- O que faz aqui? - pergunto me aproximando.

Ele se assusta com nossa presença, senta e fecha a calça.

- Estava pegando um vento. Está muito calor – responde ele sorrindo meio sem jeito.

- Nossa. Estou morrendo de frio! – observa Lucas se encolhendo.

Eu também estava sentindo o frio da manhã na mata, mas ao vê-lo suado não quis discutir e sentamos ao lado dele. Lucas abre o saco de salgadinhos e começa a comer, coloco a mão para pegar alguns. Ele me olha nos olhos e balança a cabeça negativamente. Faço uma cara de chateado e retiro a mão.

- Lucas, já que estamos entre amigos, posso fazer uma pergunta pessoal? - Élio fala olhando para ele.

Lucas me olha, em seguida olha para o Élio e afirma que sim com a cabeça.

- Você é virgem? - Élio pergunta enquanto enche a mão de salgadinho e depois coloca na boca.

Lucas não responde. Fica olhando para Élio com cara de interessado. Após mastigar algumas vezes, Élio começa a abanar a boca com as mãos. Seu rosto vai ficando cada vez mais vermelho, ele cospe o salgadinho e sai correndo. Eu olho para o Lucas sem entender. Ele mostra a embalagem, dá de ombros e diz:

- Salgadinho extra-apimentado!

- Você é mau! – digo sorrindo.

- Eu não ofereci! Ele que pegou! – ele diz calmamente.

Quando voltamos para o acampamento, a surpresa estava pronta. Tinha um bolo, alguns doces e refrigerante. Lucas ficou extasiado, parecia um bobinho. Colocamos o garoto à mesa e cantamos-lhe parabéns. Élio me deu uma caixa de presente.

- Achei que você iria querer presentear seu amigo - ele fala no meu ouvido - Não tive muito tempo para escolher, mas acho que ele vai gostar.

- Você também sabia? - pergunto surpreso.

- Claro que não, descobri aqui. Liguei pra minha irmã e pedi para ela comprar e mandar pelo Heitor - ele se aproxima - aliás, ela mandou dizer que você está devendo uma pra ela.

Entrego o presente ao Lucas. São dois controles de videogame sem fio. Pela cara que ele fez deve ter gostado muito.

Após a festinha improvisada, os meninos inventam de brincar de "shun war". Dois times com a mesma quantidade de componentes, cada equipe tem que proteger a sua bandeira ao mesmo tempo que tenta capturar a bandeira do adversário. Os membros também podem "capturar" os adversários e prender na sua sede até o fim do jogo. Ganha o time que conseguir capturar a bandeira do "inimigo" ou prender todos os seus membros. Minha equipe é constituída de Heitor, Élio e Lucas. Os adversários são João Pedro, Joseph, Roberta e Guilherme. Só Aloysius resolveu não participar.

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