CAPITULO XVII - A DECISÃO DE LÚCIA

     Estou deitado na minha cama ouvindo "Him" de Sam Smith; Heitor está na cama dele, mãos por trás da cabeça olhando para o teto.

- Heitor - eu chamo, tirando ele dos seus pensamentos - Joseph quer ensinar futsal para as crianças do bairro. O que você acha?

- Que ideia genial! - ele senta na cama.

- Mas ele precisa da nossa ajuda para conseguir um local e articular com a comunidade.

- Sem problemas, já sei até com quem falar...

Nossa mãe entra no quarto e fala:

- Boa noite, meus amores. Tudo bem com vocês?

- Não! - Heitor responde rápida e bruscamente.

-Mas... O que aconteceu? - pergunta ela surpresa.

- Mãe, o Vilmar quase espanca o Páris e de novo você não fez nada. O que você está esperando? Acontecer uma tragédia? - Heitor estava realmente com raiva.

- Ele não quis fazer isso, meu filho, é que às vezes ele faz as coisas sem pensar e depois se arrepende. Ele não é assim e não vai fazer de novo, foi uma única vez.

- Não foi não - Heitor fala e olha pra mim.

Balanço a cabeça mostrando que não quero falar. Isso só trará dor e sofrimento para ela. Ele é um traste, mas consegue fazer ela feliz. Não tenho o direito de tirar isso dela.

- Agora ela precisa saber, Páris, isso já foi longe demais – apesar de tudo, Heitor tenta me convencer a falar.

Então ele conta o que aconteceu no ano anterior, quando havia impedido Vilmar de me bater com o cinto.

- Mas, por que não me contaram? - ela pergunta assustada.

- Páris não queria preocupar você. - Heitor responde.

Minha mãe senta do meu lado na cama e pergunta:

- Páris, tem mais alguma coisa que você não me contou? Pode falar meu filho, agora eu quero saber tudo.

Olho para Heitor pedindo apoio, mas ele balança a cabeça afirmativamente me incentivando a falar. Então eu conto tudo, todas às vezes que ele me espancou. Quando ele usou a corrente do cachorro. Quando atirou a chave de fenda. Quando me deixou trancado no quintal de meio-dia as seis da tarde. Todas as vezes que me deixou sem comer. Quando apagava bituca de cigarro nas minhas coxas. O dia em que ele quebrou meu braço de tanto torcer. Finalizei mostrando as cicatrizes, nas costas, barriga e parte interna das cochas.

Quando termino o rosto da minha mãe está em lágrimas, ela mal pode falar, me abraça forte e se deixa ficar ali, dá para ouvir o seu soluço baixinho, depois saiu sem falar uma palavra.

Recordar esses dias é bastante deprimente, sempre fico abalado. Heitor percebe e me abraça. Gosto do abraço dele, faz eu me sentir bem, protegido, amado. De repente ele fala:

- Que tal um rolê de irmãos? Vamos na pizzaria? Ou na sor-ve-te-ria?

Ele fala sorveteria devagar, pois sabe que adoro sorvete, dou um sorriso e ele percebe que já me ganhou. Trocamos de roupa e vamos saindo quando nossa mãe chama:

- Meninos, vocês têm onde dormir hoje à noite? Vou resolver uns problemas aqui em casa e preciso ficar sozinha.

- Tem certeza, mãe? - pergunta Heitor.

- Sim! - ela responde decidida.

- Então não se preocupe com a gente, vamos ficar bem. - Heitor fala.

Ela volta para o quarto e tranca a porta. Voltamos para o nosso e colocamos algumas coisas na mochila, o suficiente para passar a noite fora e, no dia seguinte, irmos direto para a escola. Com as mochilas prontas, saímos de casa.

- Você sabe o que a mãe vai fazer? – Pergunto a Heitor no caminho da casa do Senhor Geraldo.

- Talvez ela vai dedetizar a casa. Colocar os insetos pra fora.

Chegamos à casa do Sr. Geraldo e Heitor entra, eu espero fora até ele voltar com a chave da moto. Na sorveteria ele manda eu pegar o que eu quiser, monto um sorvete com tudo a que tenho direito. Vejo ele teclar no celular e imagino que ele está resolvendo onde iremos passar essa noite.

- Posso dormir na casa do Élio - digo assim que chego com o sorvete.

- Nem pensar - ele diz sorrindo. - Nunca vou deixar o lobo cuidando da ovelha. Já resolvi tudo, você vai dormir com o Lucas.

Se ele imaginasse que o lobo sou eu... Mas fico feliz em saber que vou dormir com o Lucas, ele é meu melhor amigo. Heitor me deixa na frente do edifício onde Lucas mora, e ele já me espera na porta.

- Não se preocupe, vai ficar tudo bem, é só por uma noite! – disse Heitor assim que desci da moto.

- Estou preocupado com a mamãe!

- Não fique, ela sabe se cuidar. E você! Vê se não se mete em confusão.

Me despeço dele e vou ao encontro do Lucas.

- Você está bem? - ele pergunta me abraçando.

Afirmo que "sim" com a cabeça e subimos para o seu apartamento. É um espaço pequeno, mas bem organizado. Sala e cozinha dividem o mesmo espaço, separados apenas por um pequeno balcão que pelo visto vira uma mesa de janta. Além disso há dois quartos e um banheiro.

- Seu Hyun está no quarto? - eu pergunto.

- Não. Ele está viajando - Lucas fala como se isso fosse comum.

Seu quarto é diferente de tudo que eu já tinha visto. Na extremidade, uma mesa com alguns computadores; a TV conectada a um videogame e vários equipamentos de informática; do lado contrário, um guarda-roupa; a escada na lateral do quarto que leva para uma espécie de mezanino acima do guarda-roupa onde fica a cama de solteiro.

Ele coloca minha mochila no guarda-roupa e convida para jogar, eu tento, mas perco para ele todas as vezes. Quando nos damos conta, já é tarde, fazemos um lanche rápido e nos preparamos para dormir. Eu vou dormir na cama dele e ele no quarto do pai.

De madrugada acordo com um movimento na cama, olho ainda dormindo e vejo que é o Lucas. Seu corpo branco se destaca na escuridão da noite. Ele deita ao meu lado e se enrola, viro para o lado e volto a dormir.

Na manhã seguinte, acordo com o despertador do meu celular que ficou na mesa de jogos. Levanto e desço para desligar. Vejo o rosto bagunçado do Lucas por cima da proteção do mezanino.

- Você vai limpar a escola ou o quê? - pergunta ele com cara de sono.

- Desculpe, esqueci de desligar o alarme - respondo com vergonha.

Nos preparamos para ir à escola e ele pede desculpas por ter dividido a cama, mas seu pai chegou da viagem e o expulsou do quarto. Sorrio e digo que está tudo bem. E vamos para a escola.

Percebo que os alunos olham para a gente e sorriem, procuro algo errado na minha roupa e não encontro nada. Vejo Joseph correr na nossa direção.

- Está tudo bem? - ele pergunta e depois me abraça.

- Sim. - respondo sem entender - Por quê?

- Ah, você não sabe ainda. - ele fala surpreso - uma conta fake no Instagram postou fotos sua e do Élio um dia após o sarau. E agora viralizou pela escola.

Pego meu celular rapidamente e entro no Instagram. A primeira foto que vejo é uma do Élio cantando no sarau com um carimbo em cima: "Viado". Pelo feed várias fotos minhas e dele do mesmo dia, com a mesma inscrição. Meu Deus, quem teria coragem para uma maldade dessas?

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top