CAPÍTULO III - LUCAS

É sexta-feira, último dia da primeira semana de aula. Chego à escola, vou direto para a sala, como os dias anteriores e sento à mesa de sempre. Todos mantiveram os mesmos lugares que o primeiro dia de aula, então Élio continua sentando ao meu lado. Às vezes me perco olhando para ele e seu sorriso. Ele é engraçado, fica contando piada ou implicando com alguém da turma, o que me faz gostar muito disso. Como sempre, me mantenho calado, atento as palavras e rindo de suas brincadeiras.

Hoje é aula de Biologia. O professor inicia a aula com um teste para saber como está nosso conhecimento. As questões são básicas e as quais não tenho dificuldade de resolver. Em seguida, ele divide a turma em equipes formadas de pessoas do mesmo gênero. As equipes dos meninos irão apresentar um seminário sobre o sistema reprodutor masculino, ao passo que as equipes formadas por meninas apresentarão outro seminário sobre o sistema reprodutor feminino. Segundo ele, o objetivo é que todos conheçam melhor os seus corpos.

Todos começam a formar suas equipes. Eu fico parado, esperando ir para a equipe em que estiver faltando uma pessoa, como sempre acontecia no colégio anterior. Élio do meu lado, também não se mexe. Joseph, o loirinho que senta na nossa frente, se vira e pergunta se pode ficar com a gente, me surpreendo e apenas dou um sorriso. Guilherme, o garoto de cabelo rosa, só puxa a cadeira e se aproxima. Percebo que Roberta ficou chateada de se separar do amigo enquanto ia para uma equipe só de meninas. E de repente nós temos uma equipe e eu não tinha sobrado. Percebo que Lucas está sozinho e já está preparando o celular para jogar novamente, então penso em chamá-lo para o nosso grupo. Tenho que superar a timidez e me lembro de minha mãe falando para me esforçar. Então, pela primeira vez, tomo a iniciativa:

- Ei - chamo ele. - não quer se juntar à gente?

Sem falar nada, ele apenas levanta a cadeira e põe do meu lado.

No começo foi um pouco difícil, percebo que ninguém ali se sente à vontade para conversar, com exceção do Guilherme, que inicia a discussão. Aos poucos, vamos organizando o trabalho e eu anotando as ideias, uma maneira de ajudar sem falar muito.

- Já tá tudo preparado. - falou Joseph. - agora e só por a mão na massa. Botem o whats de vocês aqui que crio um grupo e a gente combina.

A folha passa de mão em mão e, quando chega minha vez, apenas a entrego ao Lucas.

- Você não colocou seu número. - fala Lucas baixinho devolvendo a folha.

- Eu não tenho celular. - respondi.

- Você mora numa caverna? - Élio está ouvindo e aproveita para entrar na conversa.

- Eu não sou um lobo. - respondo cabisbaixo, sem pensar muito qual a relação.

Os dois riem.

A aula termina e começa o intervalo. Vou para o local de sempre, bem isolado de todos. Não demora muito e Lucas aparece, como tem feito por toda a semana, sentamos no chão e permanecemos em silêncio. Pego o pão com ovo extra que trago todo dia e entrego a ele. Nos outros dias, ele só agradece com a cabeça, mas hoje ele solta um sorriso, sorrio de volta e ele fala:

- Obrigado por me chamar pra equipe.

- Tudo bem! Não ia deixar você sozinho – foi a frase mais longa que já falei nessa escola.

- Você também gosta de ficar sozinho? – ele pergunta comendo o lanche.

- Sim. Não sou muito sociável.

- Eu também não.

Ele termina de lanchar e coloca o fone de ouvido. Fico olhando para ele, mas ele não diz nada. Apenas começa a ver um vídeo.

- Lucas. - repito por 3 vezes para ele poder ouvir. Ele tira o fone. - O que faz aqui? Por que sempre vem e não fala nada?

- Gosto de ficar aqui. É tranquilo e ninguém incomoda.

- Há. - respondo meio decepcionado – Desculpa por incomodar.

- Não. Você não me incomoda! Parece ser um cara legal e não fala muito.

- Não tenho muito com quem falar e também gosto daqui pela tranquilidade.

- Você não tem mesmo celular? - Pergunta ele me olhando estranho.

- Ainda não! Minha mãe prometeu me dar um se eu entrasse nessa escola.

- Estranho, não imagino alguém viver sem celular.

- Você sempre teve um?

- Desde que eu me entendo por gente. Faço tudo virtualmente.

- Tudo?

- Tudo. - Pensa um pouco e acrescenta. - quase tudo. Estudo, jogo, assisto séries e filmes, converso com outras pessoas, faço compras, sei onde está meu pai, compro comida, crio histórias.

- Que legal! – respondo maravilhado, não imaginava que dava para fazer tanta coisa no celular.

- Vem cá, deixa eu te mostrar uma coisa.

Sento do lado e ele abre um programa no laptop. Começa a passar uma animação.

- Nossa, que legal!

- Gostou? Eu que fiz! É sobre um grupo de humanos que apresentam alterações genéticas após seus pais serem usados para testar uma vacina contra um vírus que estava acabando com a humanidade.

- Onde aprendeu a fazer isso?

- Anos sozinho com celulares e computadores. E um curso on-line.

- Você não tem irmãos?

- Não. Sou um filho único que cresceu sozinho sem a presença dos pais.

- Nossa! – fico tentando imaginar qual a vida mais solitária, ele por não ter ninguém ou eu por não querer ter ninguém. – Como consegue todos esses aparelhos eletrônicos?

- Meu pai que me dá. Ele é empresário – ele responde digitando no laptop.

- Espera aí! Se você é rico por que aceita comer pão com ovo comigo ?

- Primeiro que não sou rico, segundo por que se você recusa, as pessoas querem saber o motivo. Mas, se você aceita, ninguém faz perguntas. Por último, o lanche estava gostoso.

Rimos juntos das observações dele e eu pergunto:

- O que mais sabe fazer nesse computador?

- Muita coisa. Deixa eu te mostrar.

Ficamos tão entretidos que não percebemos Élio se aproximando.

- Como vocês são difíceis de achar. Estou atrapalhando alguma coisa? - Fala Élio ainda de longe.

Lucas não responde, apenas olha pra ele e em seguida olha de volta para o laptop.

- Não. Nada. - respondo.

- Oi menino-lobo. - ele senta ao meu lado.

- Vou para a sala. - Lucas fala baixinho, se levanta e começa a caminhar. - Quando marcarem a reunião da equipe, eu te aviso.

Passamos um tempo em silêncio então Élio pergunta:

- O que tem contra a merenda da escola? – ele aponta para a lancheira vazia.

- Nada. – respondo cabisbaixo. - Só ganho mais tempo para ficar sozinho.

- Gosta de ficar sozinho? – Ele insiste com o diálogo.

- Não. Mas não sei muito bem como interagir. E tenho medo, as pessoas podem ser muito más.

- Não tem medo do Japonês?

- Não. Ele parece ser bem legal.

- E de mim?

- De você eu tenho. - falo sorrindo.

- É por isso que não fala muito nas aulas?

- Não – baixo a cabeça rapidamente sem saber o que dizer. Se eu fosse branco, com certeza teria ficado vermelho, uma vantagem de ser negro.

- Tem razão em ter medo, eu sou um cara muito mau. - responde também sorrindo. - Eu quero lhe fazer uma proposta.

Nesse momento o sinal toca. Indicando o fim do intervalo.

- Deixa pra outra hora. - ele diz se levantando - Não podemos chegar atrasados.

E retornamos juntos para a sala.

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