CAPÍTULO I - ÉLIO
São 6:50 da manhã e aqui estou de pé, em frente a melhor escola pública da minha cidade. Visto um blusão por baixo do uniforme branco para esconder as marcas no meu corpo que ainda dói. Eu deveria estar feliz, mas o que sinto é medo de passar por tudo o que passei na escola anterior. O jeans surrado e um velho tênis que herdei do meu irmão completam o visual do primeiro dia de aula no ensino médio.
Vejo os alunos que entravam na escola mas não encontro ninguém conhecido. Isso me anima, ao menos não vou ter que viver aquele pesadelo de antes.
Angustiado, começo a andar em direção ao portão, passo por muitos amigos se reencontrando, outros se conhecendo, se cumprimentando, o que me deixa mais solitário. Ao atravessar o pátio, sinto olhares sobre mim, mas isso não me incomoda. É comum acontecer. Tiro do bolso da calça o número da sala a que devo ir: sala 3 - 1º ano. Ando pelos corredores procurando-a, me perco e chego ao ginásio, definitivamente não é por aqui. Um grupo de garotos que estava ali passam diante de mim, baixo a cabeça e finjo olhar para o papel, mas não posso demonstrar que estou perdido.
- Ei cara! Tudo bem?
Levanto a cabeça e vejo um deles parado me olhando. É um pouco mais alto que eu, loiro e com olhos tão azuis que pareciam o céu em um dia ensolarado.
- Não! – gaguejo olhando para seus olhos e me odeio por isso.
- Você é novato aqui. Precisa de ajuda para achar a sala? – ele fala apontando para o papel que está em minhas mãos.
Sem saber o que dizer, eu apenas olho para a folha novamente. Ele a pega e puxa delicadamente.
- Olha só! Você está na mesma sala que eu! Vamos Paris – ele exclama lendo meu nome estampado no horário.
- É Páris – eu o corrijo exagerando na primeira sílaba e recebendo a folha de volta.
- Páris. Bonito nome!
Ele sorri e caminha, eu o acompanho. Caminhamos em silêncio até a sala. A caminho, ele é cumprimentado por todos. parece que ele é bastante popular na escola.
Quando chegamos lá, ele entra e é abraçado por uma garota. A maioria dos alunos já está presente. Para meu desespero, as mesas estão organizadas em duplas. Inevitavelmente vou ter que sentar com alguém. São três fileiras de mesas, duas próximas às paredes e uma mais central; a maioria ocupada com alunos ou mochilas. No fundo da sala tem três lugares vazios; ninguém sentado na fila do meio e somente um garoto na mesa à esquerda. Em seguida, atravesso a sala e me dirijo à mesa vazia.
- Ei, garoto! - Uma menina gordinha à direita me chama. Ela tem cabelos longos, pretos, com mechas verdes combinando com a cor dos olhos – Você é novato por aqui?
Balancei a cabeça afirmativamente.
- Bem-vindo ao CEMA! Eu sou a Roberta – ela fala levantando o braço e mexendo os dedos – e este é o Guilherme.
O garoto, que está ao lado dela, estende a mão para me cumprimentar, já que estava mais perto. Seu cabelo rosa, unhas pintadas e lápis nos olhos o destacam diante dos outros alunos. Cumprimentei-o e eles voltam a conversar entre si.
CEMA é Centro Educacional Maria do Amparo, oferece um ensino de qualidade e é escola referência, sendo requisitada pelos alunos, que realizam exame de admissão. Desde criança sempre quis estudar aqui e me esforcei muito para conseguir. Absorto em meus pensamentos coloco os braços na mesa e começo a observar meus colegas de classe.
À minha frente, está o garoto loiro que me trouxe para a sala, vejo-o a beijar uma menina com cabelos pretos, longos e lisos, refletidos pela luz do sol.
À minha esquerda, só um garoto, de estatura baixa, magro, cabelo preto, feições orientais. E está com um fone de ouvido e jogando no celular. Parece que não se dá conta do que acontece ao seu redor. Me pergunto se não poderia sentar com ele. Seria interessante se eu já começasse o ano fazendo amizades, sei que minha mãe ficaria muito feliz. Hesito um pouco, e se ele não quiser companhia? Mas foda-se, se não der certo, volto para meu lugar.
Assim que pego a mochila, a professora de Português entra na sala já pedindo silêncio. Todos os alunos sentam nas suas carteiras e eu desisto dessa operação arriscada que é interagir com outras pessoas.
De início, a professora dá as boas-vindas aos alunos novatos e, em seguida, o pesadelo de sempre: a apresentação. Nenhum dia de aula é pior que o primeiro. Todos se apresentam e eu presto atenção naqueles próximos a mim. O cara que me ajudou a encontrar a sala chama-se Joseph e a garota ao lado, Luara, o que me parece serem namorados. O garoto, sozinho ao celular, é Lucas, além de Roberta e Guilherme que eu já os conhecia.
Chega minha vez e eu já espero o que vai acontecer: sempre é a mesma coisa quando ouvem meu nome: a pergunta "como?" Logo vem acompanhado de um risinho curioso.
- Meu nome é Páris - começo e já ouço umas risadas do outro lado da sala.
Depois de concluídas as apresentações a professora dá inicio à explicação do conteúdo.
Engraçado é que quando ouvem meu nome, as pessoas logo lembram do pretendente de Julieta, que a perdeu para o Romeu. Apesar de ser uma história linda, ou não, eles tem um desfecho triste, não foi por isso que minha mãe escolheu. Minha mãe se chama Lúcia e sempre gostou de ler, é apaixonada por histórias gregas e disse que seu primeiro filho ia se chamar Heitor, em homenagem ao príncipe de Tróia. Bom, eu sou o segundo filho, então recebi o nome de Páris, irmão de Heitor, aquele mesmo que sequestra Helena e inicia a guerra. Para completar, minha irmã mais nova se chama Helena, imaginem o quanto isso é esquisito.
A professora acaba de iniciar a aula quando a porta abre e entra um aluno novato, branco, alto, magro, cabelo bagunçado na altura da orelha. Ele conversa com a professora e caminha para o fundo da sala. De repente, começo a entrar em pânico e repito mentalmente a frase: "Senta com o Lucas."
Ele para ao meu lado, abre um sorriso e pergunta:
- Posso sentar aqui?
Demoro a responder hipnotizado por aqueles olhos castanhos.
- Tem alguém nesse lugar? - ele insiste.
- Não. Pode sentar. - respondo olhando para o caderno.
- Meu nome é Élio. - ele fala ao abrir a mochila e pegar o caderno.
- Páris. – retruco me encolhendo. Afasto meu corpo do dele para dar espaço.
- Como?
- Páris. - respondo devagar e aguardo o risinho.
- Posso fazer uma pergunta? - sinto o olhar dele e apenas aceno que "sim" com a cabeça.
- Eu estou fedendo?
Aquela pergunta me pega de surpresa. Sem entender, levanto a cabeça e olho para ele que continua sério.
- Não. - respondo voltando a olhar para o caderno.
- É que você está se afastando de mim, pensei que estava com mau cheiro ou coisa parecida.
- Não - não posso deixar de sorrir, foi engraçado. - é que...
Sou interrompido pela professora pedindo silêncio.
Na hora do intervalo pego a mochila e saio procurando um local tranquilo para lanchar, o que foi difícil de encontrar, já que havia alunos por toda a escola. Mas encontro um ótimo local, em frente à última sala, ao final do corredor, com pouco movimento. De lá dá para ver o pátio, a entrada do ginásio e é difícil de ser visto. Estou comendo um pão com ovo quando vejo o Lucas se aproximar com o laptop no braço.
Ele senta quase na minha frente, de costas para a parede, abre o laptop e coloca o fone de ouvido. Fico olhando para ele e esperando-o falar algo, mas não diz nada. Apenas começa a ver um vídeo.
Várias perguntas vêm a minha cabeça. Confesso que ensaio mentalmente cada pergunta, mas a timidez não permite, percebo que, às vezes, ele me olha de modo oblíquo, acho que ele é tímido também.
Pego a última fatia de pão e divido ao meio entregando-lhe a outra parte. Ele a recebe e me agradece com a cabeça e um pequeno sorriso. Comemos e bebemos em completo silêncio, apenas alguns olhares tímidos de vez em quando. Mas estou gostando da sua presença. Resolvo não quebrar o silêncio e aproveitar aqueles instantes de paz.
Mas essa paz não dura muito, uma algazarra se forma no ginásio. Vejo os alunos correndo para lá e o tumulto aumentando. Levanto-me e fico em pé na pequena mureta de proteção. Lucas percebe a correria e permanece ao meu lado; Os professores correm para o local e pouco tempo depois os gritos cessam e os alunos se dispersam. Caminhando entre o diretor e um dos vigias da escola vem Élio, o garoto que senta ao meu lado na sala, com o cabelo ainda mais bagunçado, o nariz sangrando e uma mancha escura abaixo do olho direito.
Quando passa em frente onde estamos ele me olha, tento virar a cabeça mas não consigo, aqueles olhos me prendem, sinto algo estranho, uma vontade inexplicável de correr até ele. Felizmente isso não acontece e ele para de encarar ao sair do meu campo de visão. Olho para o lado e não vejo mais Lucas. Como aquele garoto sumiu tão rápido? O sinal finaliza o intervalo e encerra meus pensamentos. Então pego a mochila e retorno para a sala de aula.
Élio não volta para o segundo bloco de aulas. Tento prestar atenção à aula mas vez ou outra, me pego pensando nele. Aquele garoto é muito estranho.
Quando o sinal toca indicando o fim da aula, guardo meu material calmamente enquanto todos saem.
- E então Páris, como foi o primeiro dia de aula? – Roberta também guardava seu material.
- Legal – respondi de imediato.
- No começo é assim, depois piora – ela responde sorrindo. – Pra que lado você mora? Podemos ir juntos.
Ela se surpreende com minha resposta, afinal tenho que pegar dois ônibus para chegar aqui. Caminhamos juntos até a saída com seu amigo Guilherme, vão me apresentando os lugares e conversando sobre alguns fatos, pois estudam ali desde criança. Ela fala muito bem, é desinibida e engraçada. Quase não consigo acompanhá-la, por isso ouço mais do que falo. Assim que nos despedimos eu fui para o ponto de ônibus. Uma hora depois chego em casa. Sei que minha mãe ainda está trabalhando, mas aquele energúmeno com certeza estará em casa. Respiro fundo e entro.
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