Leques de sonhos e danças de encantos

✧ Créditos:
Fanfic por: MegNovis
Co-autor: PurpleGalaxy_Project
Betagem por: lalisaglowps
Design por: angellen
Trailer por: parkning

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Agradecimentos ao final da obra. Boa leitura!

Inquestionavelmente, a parte mais excitante dos bailes primaveris eram as danças elegantemente ensinadas aos homens e mulheres desde a infância. Aos ômegas, eram passados ensinamentos de harmonia e louvor, a deslizarem graciosamente pelo salão colecionando olhares e suspiros; os alfas recebiam os aconselhamentos de guia e imponência, como segurar sem invadir, flertar sem demonstrar, desejar sem pecar e acima de tudo, eram instruídos a conquistar.

Os betas eram indesejados, muitas vezes nem mesmo convidados e só passaram a fazer parte da sociedade aristocrática quando, por ventura, foram solicitados para compor o exército de Conella na guerra contra a Ilosea. Quando retornaram, foram recebidos como heróis, juntamente com os alfas e o príncipe herdeiro. Participaram do evento de honrarias, ainda que fosse notável o desgosto dos presentes. Para a nobreza mais antiga, era uma afronta a existência de betas em ambientes que inicialmente eram frequentados por alfas e ômegas.

Até ali, no baile primaveril de Conella, era perceptível alguns olhares atravessados e facetas desgostosas de membros que claramente compunham a elite do reino. E Hoseok, como o bom observador que era, não pôde deixar de notar como a classe era menosprezada sem fingimentos. Ele era filho de dois betas, que mesmo sendo donos de uma fortuna considerável, nunca puderam participar da nobreza.

Isso até que ele partisse para a guerra. A família Jung, antes destratada pela corte do rei Jungwoo, agora tinha um alfa nas linhas de frente do exército, garantindo o reconhecimento merecido desde seus primórdios.

Hoseok fez seu nome e honrou suas origens, e mesmo sendo um alfa, pregava o discurso igualitário entre seu pelotão. Não tolerava desrespeitos e menosprezo, o que o fez ganhar a atenção do príncipe herdeiro: Kim Namjoon. A amizade se consolidou ali, entre o sangue e os tilintar das espadas, junto com outros soldados na mesma situação áspera. Bebiam juntos, lutavam juntos e contavam sobre seus sonhos juntos; principalmente o sonho de retornar para casa.

Quando finalmente ganharam a guerra após cinco árduos anos, Namjoon convidou ele e outros soldados para ocuparem cargos de importância no reino, agora que ele se casaria com seu amado e assumiria o trono, criaria as próprias regras, entre eles, o fim oficial da segregação entre alfas, ômegas e betas.

Foi graças àquele convite que Hoseok compareceu ao baile de primavera de Lumna naquela noite. Os rumores prometiam que aquela festa seria a maior das festas já existentes. Era a primeira celebração após o retorno dos soldados dos campos de batalhas, os alfas finalmente haviam retornado e os casamentos e cortejos regressaram a todo fervor; há poucos dias, o casamento do Duque de Lumna, Min Seokjin, com Vossa Majestade, Kim Namjoon, havia sido anunciado publicamente, e o povo de Lumna vibrava pela notícia da futura união.

Hoseok se alegrava pelo matrimônio, sabia o quão Namjoon era apaixonado pelo beta, ouvia tanto sobre Seokjin que sentia como se já o conhecesse, porque durante os cinco anos com Namjoon, ouvia sobre o duque durante quase todos os segundos do dia. Então quando conseguiu vê-los sentados em uma das mesas do grandioso salão bem iluminado, não poupou passos para caminhar até o casal e desejar suas felicitações.

Namjoon o recebeu de pé, com um abraço caloroso e fraternal, enquanto Seokjin, um pouco mais hesitante, limitou-se a estender a mão para receber um leve selar no dorso e um abraço breve após os desejos de um bom casamento.

Sentaram-se juntos, na mesma mesa, sendo rapidamente acompanhados de Yoongi e seu noivo, e mais duas outras alfas companheiras de guerra: Ahn Syaon e Kang Dain.

O salão estava cheio de pessoas bem vestidas. Os saltos se arrastavam pelo piso de mármore, causando um barulho fino quando individual, mas colérico quando coletivo. Os lustres caros pendurados como em um heptágono imaginário, o maior no centro e outros menores apoiando em sua extensão luminosa.

Os lampiões tingidos de forma que se camuflassem no ambiente contribuiam para uma visão quase utópica, as mesas eram escassas e cobertas por um tecido branco com as pontas pouco bordadas com detalhes em cetim vermelho-claro. O grande salão era num piso branco com tons amarelos para o adorno, as grandes janelas tinham sido cobertas com longas cortinas de damasco, leves, mas requintadas, na cor mais leve da paleta áurea, enfeitadas em suas amarrações com fitas vermelhas e brancas. As paredes cor de areia eram grandes e Hoseok tinha certeza que se o salão estivesse vazio, produziria o maior eco que ele poderia ouvir em sua vida.

As janelas do andar de cima eram as únicas abertas e levavam para uma sacada que ele não podia ver com clareza, mas que permitia notar a existência. As cortinas daquele lugar eram mais finas, como uma seda branca, esvoaçando-se vez ou outra quando o vento gentil das primeiras noites de primavera rodopiavam pelo salão. Não era o suficiente para que chamasse a atenção dos convidados, mas garantia a circulação do ar, refrescando, de maneira silenciosa, os corpos aglomerados.

Olhando para um canto mais ao centro, próximo de uma das mesas, notou um sucinto grupo de ômegas. Ao todo eram cinco, duas moças, ambas morenas e com olhos amendoados, uma com uma máscara rosada e a outra com uma cor de azul-céu. Os demais ômegas eram machos, um usavam terno azul-escuro, tinha os cabelos num tom escuro de marrom e lábios finos, em um sorriso nada gracioso; os outros dois eram parecidos entre si, ambos belos, de olhos finos e lábios carnudos.

O mais baixo deles parecia mais novo, usava um terno mais folgado e que não acentuava bem suas curvas, em um jogo claramente intencional. O outro mais alto, e pelo olhar, mais maduro, usava um terno mais justo, acompanhado de um corset masculino apertado, bordado com detalhes dourados e um terno púrpura; sua máscara branca — oposta com as cores escuras das vestimentas — contrastava com o sorriso arteiro e olhar sagaz.

Ele era lindo, usava um sapato com saltos, pouco usado por ômegas e sendo predominante visto entre alfas. O cabelo quase ruivo, chegado no tom castanho-avermelhado, fora penteado para trás em sinal de impotência, assim como sua postura altiva. Um colar grande escorregava pelo pescoço e o pingente sumia atrás do leque aberto que possuía nas mãos.

Eles conversavam entre si e tinham os leques bordados cobrindo os sorrisos faceiros. A dupla feminina parecia encantada com algo que Hoseok não sabia identificar, mas que não parecia genuinamente interessante para o ômega de lábios finos que se mostrava mais interessado em um dos convidados mais ao norte do salão.

O ômega de roupas folgadas conversava com a moça da máscara cor de céu, usando o leque para cobrir os lábios do que era sentenciado e arrancando sorrisos dos demais ali, enquanto o mais alto deles — o dono do terno púrpura e lábios grossos — mesmo carregando um olhar divertido, parecia estar sempre em alerta; a coluna reta e bem desenhada pela roupa parecia tensionada e ele se movia atento a qualquer movimentação que rodeasse o pequeno canto em que eles cinco se encontravam.

— Quem são? — perguntou em voz alta, atraindo a atenção de todos na mesa, que juntos, direcionaram seus olhares para o mesmo local que Hoseok observava.

Murmúrios breves de "não sei", "nunca os vi", "não os conheço", rodearam a mesa baixinho, enquanto os presentes se encaravam buscando uma resposta positiva entre eles. O único que parecia menos desnorteado era o futuro esposo de Yoongi, que após uma troca de olhares breves, decidiu falar, ainda que baixinho.

— São Vossas Altezas, Jimin e Jayoung Park, Duques de Jinnia. As moças são Choi Rohee e Mo Areum, condessas de Ungjin e o moço de cabelos escuros é Lee Doha; não sei sua família, mas vem de Sillas. — Taehyung, filho de um casal nobre de Jinnia, respondeu. Hoseok não o conhecia, ele parecia quieto e cauteloso quanto ao que contava em meio a mesa de desconhecidos. O alfa supôs que a ação era referente ao fato de terem sido apresentados naquela noite, mas ao notar que Taehyung sempre encarava o futuro marido antes de dirigir a palavra a qualquer um deles, começou a ficar curioso quanto aos modos que o ômega havia sido criado.

Yoongi não era do tipo que parecia se importar com a participação ativa do noivo, mas sempre levava seu olhar a ele, como se dialogassem em silêncio sobre algo que Hoseok não sabia dizer. Sua língua estalava de curiosidade para saber mais do que ocorria entre o taciturno casal, mas não queria soar intrometido, ainda mais quando o anúncio do noivado tinha surgido a pouco, contudo, o ômega parecia saber mais do que falava. Vez ou outra ele gargalhava de maneira incalculada, ou fazia alguma piadinha baixa que apenas o futuro marido ouvia e inevitavelmente ria, mostrando que talvez a personalidade resignada fosse uma fachada para o verdadeiro Taehyung.

Quando se deu início a uma nova música, em um ato completamente arriscado, Hoseok convidou o ômega moreno para uma dança, o qual foi apoiado pelos presentes na mesa, em inclusão a Yoongi, que se mostrava contente por Taehyung ser chamado para o salão — pela reação, o Jung concluiu que o moreno mais novo gostava de danças.

[...]

Para a completa surpresa do Alfa loiro, Taehyung era um ótimo dançarino, assim como uma ótima companhia. Como suspeitava, a personalidade resignada de nada compactuava com as ações que realmente moviam Taehyung.

Além de muito animado e sem muitas travas, o ômega era gentil e muito bem educado. Começaram conversando sobre a família de Taehyung e como ele conheceu Yoongi, até chegarem ao ponto que Hoseok desejava: o motivo de sua introversidade em meio aos presentes.

Jinnia era um lugar de pessoas retrógradas.

Diferente de Conella em que ao menos ômegas e alfas já haviam alcançado o mesmo nível de igualdade social, tendo os betas dando seus primeiros passos para que tomassem o mesmo rumo, Jinnia se mantinha nos primórdios mais retroativos da desigualdade de classes. Taehyung contou como a situação era complicada dentro do próprio território, ômegas ainda sofriam de imposições familiares e de uma política social que anulava seus direitos básicos.

Diversos ômegas de Jinnia ainda viviam sob crenças conservadoras de trabalhos "destinados a ômegas", analfabetismo e a imposições sociais absurdas, sendo impossibilitados de atividades comuns como ter renda própria e um emprego. Taehyung explicou que seu comportamento silencioso e resignado era resultado dos muitos olhares de outras pessoas vindas de seu país ali presentes.

Provavelmente seria muito mal encarada metade de suas ações, dentre elas, a dança com Hoseok. Não que Taehyung fosse genuinamente alguém que se importasse com a maneira que era visto, mas temia que suas ações se refletissem em seus irmãos caçulas, também ômegas, ou no futuro marido, e ainda que Yoongi não se mostrasse de forma alguma incomodado com os dois no salão, Hoseok sabia que as más línguas não perdoariam.

O alfa loiro era capaz de notar alguns olhares reprovadores e perceber vez ou outra cochichos do que imaginou serem pessoas de Jinnia. Com o fim da guerra, muitos reinos amigos que tinham feito bloqueios territoriais finalmente abriram suas portas para viajantes, esse era o caso de Jinnia; o lugar era um parceiro comercial de Conella desde seus primórdios, mas visando o bem populacional e buscando evitar a entrada de infiltrados, ambos os reinos se limitaram a permissão de que apenas soldados e seus superiores pudessem ultrapassar as divisas territoriais.

Aquela era a primeira festa unificada desde o fim da guerra contra Llosea, então era mais que compreensível os olhares curiosos de todos os presentes, além do número exacerbado de convidados ali dispostos pelo salão.

Os moradores de Jinnia, desacostumados com os posicionamentos dos conellanos, encaravam as ações deles como uma barbárie.

Hoseok abusou dos minutos disponíveis para questionar sobre o Duque Park, julgava que sua aparência não lhe era estranha, assim como o nome também não, mas ninguém melhor que Taehyung, um morador do mesmo local que o Duque, para sanar as dúvidas do alfa.

Assim como jurou crer, recebeu a confirmação que Jimin era um dançarino da famosa Corporação Vesna, reconhecida por muitos reinos pela qualidade de um trabalho exemplar no que dizia apresentações, e que, curiosamente, também atuava nos teatros das cidades da região, incluindo Baekjae, uma cidade comumente visitada pelos soldados como centro político durante seus raros um ou dois dias de descanso. Baekjae era um pequeno polo urbano que foi ganhando movimento político com os anos, e assim que eclodiu a guerra, por ser a cidade mais próxima dos campos de lutas que possuía civis, os soldados passaram a fazer visitas à cidade sempre que possível.

Foi contado ao Jung que o ômega de máscara branca era o mais velho dos herdeiros do senhor Jihyun Park, Duque de Jinnia. O velho alfa era um homem respeitado em suas terras, mas para a desgraça do sobrenome Park, aos olhos dos jinnienses, ambos filhos do alfa eram ômegas. O mais velho, Jimin Park, fugira de suas responsabilidades logo cedo, ingressando sozinho para a Corporação Vesna e despedindo-se das obrigações matrimoniais, enquanto o outro, Jayoung Park, era excluído das opções de cortejo devido aos olhos bicolores que carregava desde que nasceu.

Hoseok conhecia o dançarino dos teatros, vez ou outra, acompanhado de uns amigos, assistia algumas apresentações que contavam com a presença do Park, todavia, nunca chegaram a menos de setecentos metros de distância; ele conhecia o duque de vista, mas não sabia que ele era de Jinnia, e muito menos que era filho de alguém importante. O futuro esposo de Yoongi segredou ao loiro outra informação interessante: mesmo que fosse um dos dançarinos mais queridos publicamente graças aos seus passos delicados e papéis importantes na Corporação de Vesna, Jimin jamais dançava em bailes.

Aquela informação intrigou o alfa, que após terminar a terceira dança daquela noite, acompanhado do jinniense, sentou-se para observar a postura do Duque Park e pôde avaliar por si mesmo que ele não compactuou com nenhum dos alfas que ousaram lhe convidar para uma dança. Diferente da aura bem-humorada que ele detinha enquanto falava com o irmão e as duas ômegas morenas, assim que um alfa se aproximava, seu corpo tomava um posicionamento viperino e áspero, seu rosto se tornava impassível; era óbvio que todos os que tentaram foram rejeitados de maneira atrevida, notava-se pelos rostos de desaprovação que faziam, como se fosse um ultraje.

A cada momento que passava, mais o ômega de cabelos quase ruivos se mostrava interessante, ele parecia ser inalcançável, ainda que tivesse uma aparência gentil e um sorriso carinhoso quando falava com o irmão, era notável que a bondade aos demais presentes não era parte de suas vontades. Contudo, quanto mais o encarava, mais Hoseok desejava atravessar o salão e trocar uma breve meia-dúzia de palavras com o ômega de cabelos castanhos-avermelhados, ainda que imaginasse que do diálogo não viriam as mais doces palavras — queria saber quem era a pessoa por trás da persona artística inabalável.

[...]

— Mesmo tendo crescido em Conella, ainda me pergunto como as noites de primavera podem ser tão frias. Os leques não são um empecilho em noites assim? — o alfa loiro arriscou seu melhor truque em uma jogada que tinha absolutamente tudo para dar errado.

Ele não era o melhor dos cavalheiros quando o assunto era cortejos ou brincadeiras com trocas de olhares, era uma pessoa mais incisiva e direta quando desejava algo, o problema era que ele nunca almejava nada — até aquela noite. Ele sabia da fama de libertino que carregava graças a idade já alta em vista de outros cavalheiros solteiros e por seus pais serem betas. Betas sempre eram chamados de libertinos, independente de como se comportavam. Ter pais de tal classe apenas permitiram que tais falácias corressem soltas, como palavras carregadas pelas brisas primaveris.

Obviamente que tais ações não faziam parte de sua índole e se já tivesse se envolvido com duas pessoas em todos seus quase vinte e seis anos de vida seria demais. Não era uma pessoa muito chegada a relacionamentos e não frequentava muitas festas antes de se tornar soldado, mas isso não impediu que más línguas despejassem sobre ele seu veneno insidioso. Entretanto, não eram as represálias dos indivíduos presentes no salão que iriam lhe impedir de chegar no ômega de máscara branca do outro lado do cômodo.

Sabia que o Duque de Jinnia não permitiria sua aproximação de bom grado, agindo em completo desforço caso tentasse um diálogo avulso. Todavia, nada seria feito por ele caso as pessoas que se aproximassem fossem um grupo de ômegas em busca de parceiros para uma boa conversa pelo resto da noite. Dessa forma, desenrolou-se seu plano: persuadiu Seokjin e Taehyung para que o ajudassem a se enturmar no grupo de desconhecidos e garantir breves segundos com o Duque ômega. Após barganhas silenciosas, o ômega e o beta, acompanhados de Yeonjun, o irmão caçula de Taehyung, e Yoongi, marcharam até o quinteto próximo à escada, engatinhando uma conversa fluida e bem-humorada.

Hoseok esperou pacientemente, e quando uma das danças já estava no fim, bons minutos após a chegada de seu grupo e inserção nos diálogos que ele pouco entendia, puxou assunto com o ruivo. Já Yoongi, não saiu de perto do marido; ele não se importava de forma alguma com a conversa que se discorria, mas sabia que para o noivo, sua presença ali era importante, então se obrigou a ficar aqueles minutos ao lado dele, sorrindo ao vê-lo um pouco mais livre.

— Eles não são um incômodo, mas nem só para refrescar serve um leque, não se engane. — Após sua aproximação arriscada e comentário banal, retorcia-se de curiosidade para ver como o Duque reagiria. Suas apostas se materializam em começar um assunto simples, não sendo assertivo em suas intenções, ainda que tivesse certeza que o ômega já saberia quais eram elas desde o momento que ele se aproximara, então ali, de pé ao lado dele, observando o recente vai e vem calmo do salão, começou os primeiros passos furtivos de seu diálogo. — Às vezes podemos nos comunicar assim, não limite um item a apenas uma funcionalidade. —

Jimin era arisco; pôde concluir tal afirmação assim que ele encostou os lábios novamente em descanso. O comentário de Hoseok não era de forma alguma invasivo, mas o Park parecia não se importar, seus olhos não brilhavam como antes, agora refletiam um tom amargo, desgostoso. Ele não escondia a desaprovação pela aproximação de Hoseok.

— Perdão. Acho interessantíssima a contextualização deles, mas com certeza esqueceria de como usar algo assim. — Apontou para o item que estava preso à cintura do ômega. Diferentemente dos demais ômegas que usavam os leques como uma maneira de esconder as falas ou para se comunicarem silenciosamente com seus alvos, Jimin tinha deixado o seu prendido na haste da calça de linho, através de uma peça metálica que permitia que o leque ficasse bem preso à sua cintura, como um cinto. Durante toda a noite, seu leque nunca alcançou sua mão, incitando algo que existia no vocabulário daquele pequeno item de tecido fino: Jimin não queria aproximações de alfas. — A famosa linguagem dos leques é uma dialeto que vai além da minha boa memória, admiro os ômegas por dominá-lo tão bem. —

Sua postura manteve-se calma. Hoseok percebeu que ali, seus passos teriam que ser furtivamente estudados para que não desabasse antes de chegar ao menos na metade do caminho. Percebera que o Duque de Jinnia não hesitaria em solicitar claramente que se afastasse, então não poderia agir de forma imprudente.

— Pensei que alfas, principalmente soldados, tivessem boa memória. — Ali estava a personalidade hostil que Taehyung lhe contou que o avermelhado possuía. O comentário do ômega veio acompanhado de um menear de cabeça, apontando para o peito de Hoseok, o qual ostentava uma das honrarias que havia recebido pós-guerra, indicando de maneira sutil que o comentário malcriado também era aplicável a ele.

— Acho que não passam de estereótipos — defendeu. Sabia que existiam sim diversos estereótipos estruturais quanto a classe alfa, claramente não eram tão cruéis quanto aqueles destinados às demais classes, mas não era como se não existissem. — Conheci em campo muitos soldados que não possuíam boa memória para fatos e lugares.

— Talvez isso seja prova da incapacidade de alguns deles para lutarem em guerras. — Mais afiado que uma flecha e pérfido como o pior dos inimigos em campo de batalha. Oponentes como Jimin eram os piores de se enfrentar; donos de sorrisos bonitos e aparências angelicais, mas que carregavam a mais sanguinária das adagas, prontos para estilhaçar o que quer que estivesse em suas frentes. Suas palavras eram duras, e se Hoseok não tivesse lidado com gente como ele nos cinco anos que enfrentou Sillas, teria desistido ali mesmo. — Confiar a vida de civis à soldados assim prova a irresponsabilidade de governantes e capitães.

Era como um tapa árduo, naquele exato momento tinha entendido o motivo das reações dos alfas até aquele momento. Se o Jung, com suas ações afáveis, era tratado daquela forma, imagine caso um dos presentes ousasse uma investida mais abrupta. Claramente Jimin não era do tipo que fingia apreço, destacando de maneira óbvia seu desgosto diante de tudo.

— Incapazes ou não, foram suficientes para vencer Sillas — pela primeira vez veio uma resposta dura. Ainda que paciente, os ataques de Jimin não falavam apenas de Hoseok e seu caráter, mas também de homens e mulheres que junto a ele, deram suas vidas por um bem maior, e infelizmente, o Jung não possuía sangue frio o suficiente para ouvir aquilo e fingir que não o ofendia. — Acho que isso é prova de que não foram incompetentes, já que a vida de todos foi salva graças a eles.

— Sinto informar, mas sillanos são brutamontes irracionais desprovidos de intelecto, não me espanta o despreparo e a derrota diante aos nossos exércitos. — O desdém pingava de sua voz como farpas. Jimin tinha notado que tocou uma parte sensível no alfa, e ainda que louvasse aquela sensação de superioridade quando conseguia tal feito, resolveu adotar uma postura mais contida ao notar que suas palavras eram ofensivas à muitas pessoas que sacrificaram suas vidas. — Ainda que também não confie completamente nos nossos soldados, seria um ultraje remover seus méritos acerca dos mínimos conhecimentos racionais que devemos ter.

Obviamente o ômega jamais se sentiria culpado por algo que dizia, não era da personalidade do Park se arrepender de seus atos; seu egocentrismo e opinião forte não permitiam que ele voltasse atrás em seus posicionamentos, tornando-o alguém complicadíssimo de se lidar.

— Interessante, o que quer dizer, Alteza? — questionou, genuinamente duvidoso quanto ao que o ruivo queria dizer com aquilo.

— Artes, música, dança, literatura... Alguns dos soldados não perderam o mínimo de interesse pelo conhecimento básico que compõe o caráter humano. — Pela primeira vez, o olhar de duque encarou o de Hoseok ao falar. Até aquele momento, não houve interesse de sua parte para encarar o loiro ao seu lado, apenas tinha lhe olhado brevemente, mas não o avaliando como pessoa, todavia, agora que a conversa tomava um rumo atrativo, mirou o alfa com quem conversava, demorando um pouco mais para avaliar as feições bem marcadas. — Acho que sabes que alguns deles frequentavam centros urbanos em busca de não perder o resto do intelecto que tinham. Admiro esse esforço.

Contou, recordando da presença frequente dos soldados no salão de Vesna, assistindo às peças musicais em que ele atuava e até mesmo indo aos shows de música em frente a capela da igreja que já não tinha mais um pároco; as crianças necessitadas sentavam nas calçadas e cantavam em coro para arrecadar algumas moedas, e dividirem na compra de alimento — os soldados eram os que mais doavam moedas e roupas que recolhiam dos inimigos. Eles lavavam as peças e levavam para os carentes.

— Claro que sei, eu estive lá — contou com o olhar longínquo; ali ele tinha tomado uma profundidade maior. Quem falava agora não era Jung Hoseok, alfa conellano e filho de betas, era o alfa que por cinco anos viu os horrores da guerra e enterrou amigos em covas que sequer tinham flores e familiares para chorarem suas partidas. — Quando se dorme, acorda e respira o mar de sangue, algumas atitudes e sacrifícios são necessários para se lembrar de que ainda existe um resto de humanidade dentro de cada um. Acredito que o que você chama de busca por intelecto, não passe da sede e esperança de que as coisas melhorem, Duque Park.

O ruivo se calou e filtrou o que o alfa dizia, claro que suas percepções da guerra eram diferentes, Jimin conhecia o choro e a dor de quem esperava os familiares de volta. Hoseok era o familiar que uma família rogava pela volta. Jimin via o tormento da guerra pelos olhos de um cidadão, a fome e a miséria; Hoseok encarava como um coronel que lutava contra os causadores dos males que assolavam aquela terra.

Jimin trazia a esperança de dias melhores, dançando peças que faziam as pessoas esquecerem a aflição da perda; Hoseok era aquele que trazia a notícia da perda.

— Não fomos apresentados, senhor soldado — a fala não veio com desdém, como de costume, mas de um polimento educado, como se agora Jimin o visse como pessoa, e não a escória de minutos antes. — Sou filho do Duque de Jinnia, Park Jimin.

Estendeu a mão coberta por uma luva de tecido quase transparente, minuciosamente bordado e que se escondia ao tom da pele. Hoseok se curvou na forma mais educada de cumprimento, deixando que os lábios tocassem o dorso da mão enluvada e finalmente concretizassem a ação que deveria ter ocorrido assim que começaram a conversa.

— É um prazer, dançarino de Vesna — mencionou o trabalho, assim o ruivo pôde ter a certeza de que o alfa era um dos que frequentava suas apresentações periódicas em Baekjae. — Sou Jung Hoseok, Tenente-Coronel da 2° divisão do exército conellano.

Àquela altura, o grupo já tinha se dispersado. Junto com os convidados pelo alfa, os acompanhantes de Jimin tinham se espalhado pelo salão, seu irmão estava dançando com Taehyung e a ômega de máscara branca era conduzida por Yeonjun. A de máscara azul estava sentada com Vossas Majestades e o outro tinha sumido com uma das alfas pelo salão entre uma dança e outra.

— Posso ter a certeza de que o senhor era um dos soldados que comparecia à Vesna, Tenente-Coronel? — a pergunta alheia fez Hoseok dar uma leve risada, diferente do quase ruivo que tinha uma postura polida e austera, sem ao menos vacilar o olhar.

— Claro, era um dos que acompanhava o vosso trabalho na Corporação — explicou, vendo Jimin assentir com a cabeça e logo em seguida redirecionar o olhar novamente ao grande salão. — Nunca fomos apresentados, mas já o tinha visto, Vossa Alteza.

Depois das apresentações no teatro da Corporação, era permitido que alguns dos presentes visitassem o elenco, às vezes para presenteá-los, cumprimentá-los ou até mesmo conhecer seus ídolos. Contudo, aquela prática não era existente entre os soldados que compunham o círculo de amizade de Hoseok; eles se limitavam a apenas assistirem, deixarem, vez ou outra, flores com as camareiras — sem nenhuma espécie de identificação, não era um presente para um ator em específico, mas sim para o elenco como um todo — ou então uma garrafa de champanhe.

— Não sabia que os soldados eram permitidos no baile de máscaras de primavera. — E lá estava o desdém com toda sua forma e densidade, deslizando arduamente por cada sílaba pronunciada. Hoseok achou que finalmente poderiam caminhar em um diálogo sereno, mas era notável que Jimin não compactuava com essa expectativa. — Achei que a única dança que soubessem era a dança da morte, não acreditava ser possível a habilidade em salão.

Aquilo tocou em uma ferida profunda no alfa. Ele odiava ser subestimado tanto quanto odiava ser destratado, principalmente quando, até aquele momento, não tinha feito nada para receber os espinhos que estavam sendo lascados em sua derme. Seu orgulho estava sendo gradativamente perfurado, e se Jimin sabia ser árduo, ele também sabia; estava começando a se cansar das palavras pérfidas, então devolveria no mesmo tom.

— Achava impossível encontrar um dançarino que não possuía habilidade para dançar em bailes, — respondeu sem tremer, notando o olhar espantado de Jimin quando notou o posicionamento de Hoseok. — mas se até isso é uma ação possível, um soldado dançar não é a maior das inovações.

Por um longo minuto, ele se enraiveceu por ser subestimado, mas considerando que as farpas tinham partido de si e ele que foi o primeiro a agir daquela forma, engoliu os maldizeres que tinha na ponta da língua afiada e encarou o alfa com o ardor efervescente da raiva

— Não é falta de habilidade. — garantiu, e aquilo nem Hoseok poderia negar. Jamais seria falta de habilidade. O ômega era o melhor dançarino do país, sua aptidão nunca seria questionada, mas ao fazer incitar aquilo, o alfa feria o orgulho do ruivo tanto quanto ele feria o seu.

— Mas é uma dúvida pertinente, sendo um bom dançarino, por que não o provaria em meio a um baile com tantos nobres? — provocou, vendo Jimin tremer uma das sobrancelhas e arrepiar a pele, provavelmente de raiva. Ele sabia ser mordaz quando queria, seu olhar carregado de um tom sugestivamente irônico e postura desleixada quando comparada a do ômega, mostrava sua artimanha para o desestabilizar; claramente era uma provocação.

— Não lhe devo explicações, não acha? — alfinetou de maneira direta, tomando um passo para a frente e olhando o alfa loiro rapidamente com puro descaso, deixando implícito que ele não era merecedor de tal.

— Não deve, mas não é como se não pudesse. Não me importa se me dirá ou não, as falácias continuarão independente se o disser a mim ou não. É instigante a dúvida de porque Vossa Alteza se recusa a dançar mesmo sendo um dançarino da maior Corporação dos cinco reinos. — Deu de ombros, dando um passo a frente, quase desistindo de tentar se manter próximo do filho do Duque, ainda que estivesse curioso quanto a ele, não valia a pena se aproximar quanto obviamente ele não o queria ali.

— Diga-me, senhor Tenente, afeiçoa-se por sua espada, não? Foi ela que lhe permitiu a vida durante os tempos de guerra e liberdade de estar neste baile hoje. — a fala veio depois de um longo silêncio, proveniente de uma possível reconsideração partindo do ruivo sobre se deveria ou não falar para Hoseok seus motivos. — Se um soldado que não compreendesse suas motivações e esforços nos campos, solicitasse-lhe tua espada, daria-o?

— Decerto que não — garantiu, considerando a metáfora feita e o peso emocional que sua espada tinha. Ela foi um presente de seu pai, e ele tinha extremo respeito pelo pai e pela arma que carregava embainhada na cintura. — Tenho apreço por ela, juntas salvamos muitas vidas e graças a ela voltei ao meu lar.

Reconsiderou, virando-se de frente para Jimin, ainda no mesmo local que antes, ele não olhava para Hoseok, seus olhos pareciam vagos, como se encarasse algo e não desse atenção realmente ao que observava; tinha a mão presa ao leque na cintura, como se a mente tivesse o levado longe.

— Claro, exatamente isso, Tenente-Coronel, sua espada lhe importa tanto quanto a dança para mim. — Foi a vez dos olhos claros encararem diretamente o alfa de cabelos loiros, notando que Hoseok lhe doava completa atenção, sorvendo cada sílaba dita na mais completa expressão de compreensão. — Foi na dança que me encontrei e provei o gosto da liberdade. Meu lugar é nos palcos, dançar é o meu amor. Senhor Tenente, porque eu dividiria meu amor e razão do meu viver diário com qualquer um dos alfas aqui presentes que não entendem e jamais compreenderão a importância da dança em minha vida?

Após tudo que fora dito, Hoseok não pôde fazer nada que não fosse concordar com um menear de cabeça e se aproximar novamente, ficando há poucos passos de distância, num espaço onde podia sentir o aroma gentil do perfume que o ômega usava sem ser invasivo.

Estendeu a mão em direção à escadaria atrás do ômega, a qual levava ao andar superior, onde havia uma sacada que parecia ganhar mais da brisa noturna que todo o salão, percebia-se que lá havia um banco, o que instigou a ida a fim de que conversassem sem a interferência do som alto dos sapatos contra o piso.

— Acho que entendo suas motivações, ainda que acreditasse que elas seriam provenientes de outras ocorrências. — Jimin acatou o pedido mudo quando compreendeu o que o loiro queria incitar: conversar sem impedimentos. Então virou-se e caminhou lentamente por cada degrau da escadaria, ouvindo os passos mais rápidos do alfa para lhe acompanhar, até que finalmente estivessem lado a lado. — Em Vesna, você realmente dançava como alguém que amava o que fazia, e hoje, seus olhos brilham quando fala sobre os palcos. É realmente uma questão moral importante para Vossa Alteza, não é?

— Mais que tudo. Eu passei anos ali, moldei-me às artes e ao prazer das luzes e melodias. O amor genuíno e ingênuo dos palcos me permitiu uma liberdade que nenhum título de nobreza me permitiria ter.

Jimin se lembrou das brigas e afrontes que teve de protagonizar, das represálias da família quando decidiu fazer os testes para se juntar à Corporação de Vesna, do esforço que fez para conseguir se mudar para Baekjae e se juntar à Corporação, sabendo que aquela era a única forma de conseguir não se casar com um duque três vezes mais velho que ele e se mudar para Ungjin. A dança foi sua carta de alforria a um futuro de puro cárcere.

— É quase inacreditável que o filho primogênito do duque de Jinnia, precisasse buscar a liberdade longe de onde vivia — o loiro comentou, encarando o piso branco das escadas e os detalhes dourados de cada degrau.

— Por mais irônico que soe, viver em Jinnia me garantiria apenas uma vida de pesar. Quando completamos a maioridade, junto com as felicitações vem a cobrança do matrimônio. Não nos é questionado nossos sonhos, almejos, não provamos nosso valor. — Sua voz guardava todo o rancor e mágoa que tinha, aquela era a dura realidade de todos os ômegas jinnieses, incluindo até a si, que se tornara uma exceção apenas após ter se juntado à Corporação e poder se sustentar com seu próprio trabalho, coisa que em Jinnia, nenhum ômega podia fazer. — Toda nossa honra é posta na capacidade de guardar um filho no ventre como um forno que assa pães e não pode queimá-los. Não somos gente, somos um item de cozinha que deve enfeitar o cômodo e garantir que o dono da casa se alimente bem.

Os olhares das pessoas no salão encarando o casal era notável. Alguns de Jinnia cochichavam entre si sobre a estranheza do jovem Duque em andar com um alfa, os outros, praguejavam-o por ir contra as ordens morais do seu país e incitar outros ômegas a fazerem o mesmo, alguns mais cruéis, desejavam falsas condolências à distância ao alfa loiro que era perturbado pela presença inconveniente do dançarino.

— Eu seria infeliz numa vida assim — Jimin disse quando chegaram ao topo da escadaria e pôde ver a quantidade de olhares hediondos pelo salão, olhando descaradamente para a sacada em que estavam. — Não nasci para ser uma travessa de vidro numa mesa de mármore. Vesna foi o meu ingresso de alegria, meus avós garantiram que eu pudesse estar longe e provar que era capaz de me manter sozinho, ser livre, viver por mim, sem um alfa para me apresentar aos amigos como uma fútil conquista de uma noite.

— Acho que poucas pessoas aqui entenderiam seus motivos, mas sabendo a realidade que vivia, Vossa Alteza, seria estupidez minha não reconhecer seus preceitos; eles são de muita honra — Hoseok foi sincero do que falava, aproximou-se do ômega e ficaram lado a lado com os braços apoiados no guarda-corpo da sacada e também encarando o salão, notando seus amigos juntos e o irmão de Jimin dançando com Yoongi, imaginou que aquilo também poderia gerar mal falácias, mas não era como se Yoongi se importasse, e muito menos Taehyung, que se parecia muito mais interessado em dançar com Kang Dain, uma alfa amiga de todos os demais alfas militares.

— Obrigado, senhor soldado. — agradeceu, deslizando a cabeça em um sinal de respeito e logo depois de uma pausa profunda, acompanhada de um longo respirar, debruçou-se no guarda-corpo e continuou: — Gostaria que soubessem que não danço aqui por não querer, adoro dançar e essa é a minha mais pura paixão, mas nenhum dos aqui presentes me olharia além de um objeto a ser conquistado. Dançar com eles é como dar uma aval para que criem expectativas em um casório que jamais iria acontecer, danço por amar, não por amar com quem danço, esse sentimento é sobre mim, não sobre algum deles, e eu não permitiria que eles ousassem crer que tenho o mínimo de afeto por eles, pois não tenho.

Jimin era alguém de opinião muito forte e dogmas ainda mais íntegros, não deixaria que aleivosias o desviasse do seu caminho. Hoseok apreciava aquela vontade dele seguir em sua crença, de se provar capaz, de ser imutável diante as imposições que recebia; o alfa estava apreciando aquilo demais, até acima do que deveria. Ouvir o quase ruivo falar era apaixonante, ele pronunciava cada sílaba com a convicção de alguém que não permitiria ser levado outrem.

— Dançarei apenas quando notar que a pessoa comigo reconhece que é mais que um "dois pra cá e dois pra lá", souber a honra de dançar e compartilhar o respeito que cada um dos passos leva, sentir a liberdade de deslizar pelo salão como eu sinto. Até lá, tenho uma vasta coleção de nãos para dar. — concluiu, levantando-se do guarda-corpo talhado em gesso e ornado com detalhes dourados, caminhando até o banco e se sentando, ele agora parecia mais animado, com um sorriso leve no rosto, de alguém que se sentia completo após sua justificativa mais que plausível.

O loiro apenas o observou. As cortinas brancas se esvoaçavam com a brisa, completando a visão quase angelical do ômega vestido de roupas escuras e com a máscara cor de neve. O alfa riu, chegava a ser controverso um ser tão lindo e uma personalidade tão bruta; ele empurrou o quadril do encosto, caminhando em passos desleixados até o ômega e se sentando com ele, apoiando as costas na parede e assistindo o tecido branco trazer uma visão mística para seu olhar.

— Senhor Tenente-Coronel — chamou depois de longos minutos em um silêncio acolhedor, após a curiosidade consumir cada parte de suas entranhas. — O senhor me dissera no começo de nossa conversa que não achava que conseguiria uma dança, então por que tentou? Sua aproximação claramente era nessa intenção.

Hoseok respirou fundo antes de responder, calculando minimamente cada palavra dita para não destruir o bom diálogo que estavam construindo.

— Perdão pela fala, Alteza, mas o senhor é perceptível onde estiver, não tinha como não notar sua presença e estar curioso quanto a Vossa Senhoria. — Encarou os olhos claros, notando que eles não o julgavam. — Não lhe reconheci imediatamente graças à máscara, mas quando recebi a confirmação de quem era, foi inevitável. Mas não foi apenas por isso...

Contou, respirando fundo outra vez para refletir como continuaria, mas seu breve silêncio foi o suficiente para Jimin interferir em busca de mais detalhes.

— Houve outras motivações? — perguntou, abaixando o rosto para buscar o olhar de Hoseok, o qual estava com a cabeça baixa e encarava as mãos no colo

— Contar-lhe-ei algo, Vossa Alteza, algo que talvez o senhor nunca soube: na guerra, diferente do que os civis imaginam, não bebemos rum até o anoitecer na sombra de uma fogueira, durante a noite, sentamos em rodas para contar sobre nossos sonhos e famílias. Em todos os cinco anos ali, vi mais alfas chorarem por horas e horas até que seus olhos inchassem e dormissem exaustos. Dizem que os ômegas são sensíveis, mas isso não existe, todos são sensíveis.

Relembrou-se das noites frias e de que mesmo que aquele salão não fosse o lugar mais gentil e com pessoas bondosas, era mais agradável que uma trincheira gelada e com cheiro de carne podre pelo chão.

— Nosso rei, vossa Majestade Kim Namjoon — avisou, inclinando a cabeça para o salão, indicando onde o rei estava. — Foi um dos que nas noites mais frias, abraçava-se a um colar pequeno que pertencia à vossa graça, Lorde Seokjin. Dobrava os joelhos no chão frio e rezava para que o beta não estivesse casado e que ele pudesse voltar da guerra vivo. — Jimin sentiu o peito apertar com o que era dito, sua postura saiu de polida para retraída e parecia que o ar estava mais denso. — Vossa Alteza, Duque Yoongi, não chorava em nossa frente, mas quando limpava sua espada, as grossas lágrimas serviam de água para a limpeza, eu o vi chorar por horas e horas sem parar.

O ômega sabia quem era Yoongi, ele era conhecido por ser um Duque supostamente frio e que era incapaz de expressar amor; ouvir aquelas palavras de Hoseok desmentiam tudo que ele já tinha ouvido falar do alfa e dos demais soldados. Então da maneira mais dura possível, Jimin descobriu algo único: ele não sabia nada sobre os soldados. Nada que era realmente verdade e que não fosse invenção de línguas caluniosas.

— Eu era um dos que ao tirar algumas roupas para doar para pessoas necessitadas, chorava e rezava pela alma de vidas inocentes que eu tinha consciência de que tinha arrancado. A guerra não é gentil, não é bonita, ela não nos torna heróis, torna-nos pobres criaturas presas as correntes dos remorsos e traumas — conforme Hoseok contava, Jimin sentia uma lágrima grossa escapar dos olhos e sumir dentro da máscara branca. Ele sabia que os alfas doavam roupas usadas do campo de batalha para pessoas necessitadas, mas não fazia ideia de que as condições às quais eles faziam tais atos era tão cruel para cada um deles. Era quase como uma tortura.

— Por que decidiu ir à guerra, senhor? — perguntou, sentindo a voz quase embargada pelo choro iminente.

— Pelo mesmo motivo que Vossa Alteza decidiu ir aos palcos: honra. Queria honrar meus pais, um casal de betas que nunca pode ser reconhecido por seus méritos e conquistas por um povo que, assim como o seu, menospreza-os — segredou, ouvindo um arquejo surpreso soar do ômega sentado ao seu lado. — Queria provar a mim mesmo que era capaz, sentir a liberdade pelo meu próprio caminhar.

— Conseguiu? — a pergunta veio depois de um longo silêncio por parte de ambos.

— Não me arrependo do que fiz, mas não me orgulho de onde estou, esse medalhão que vi o senhor menosprezar com o olhar. — Segurou a peça com a mão, vendo o ruivo olhar a peça. — Não me trás alegria, faz-me lembrar de muitas cenas que, com certeza, apagaria de minha memória. Lembra-me de amigos que não mereciam o destino que tiveram, que assim como os ômegas de Jinnia, não tiveram escolha...

O loiro levantou do banco e caminhou em direção à sacada oposta a que levava para o salão, indo até a que dava rumo para a saída e tinha vista para o jardim ainda em processo de recuperação após o longo período de frio que enfrentara. Hoseok aproveitou do frio para limpar uma lágrima fujona que abusadamente resolveu descer por sua bochecha e parar no canto dos lábios finos.

— Acho que ômegas solteiros e alfas de guerra tem mais coisa em comum do que imaginava, sofremos de humilhações, retaliações e punições, no nosso caso, sem a barbárie do sangue e vidas nas mãos — comentou, aproximando-se do alfa e recostando o quadril no guarda-corpo, direcionando o olhar para o bordado da cortina e mantendo os olhos baixos.

— Que engraçado — anunciou depois de um longo silêncio, virando-se para ficar como o ruivo enquanto falava. — Vossa Alteza me fez lembrar de algo. Segredarei a você algo que nunca comentei para nenhum dos meus amigos. Na guerra, a primeira pessoa que conheci foi Park Jaewon, era um rapaz bonito, com certeza encantaria metade dos ômegas daqui se estivesse presente, o humor dele era contagiante nas noites que nos sentíamos perdidos. —

Relembrar de Jaewon fazia seu peito encher de nostalgia pelo primeiro encontro deles no centro de recrutamento, tinha cabelos cor de mel e olhos escuros pequenos, não era alto, nem forte, mas tinha ombros largos e braços grossos, ele era alegre por si só e era considerado o Sol do grupo de amigos pela personalidade sociável.

— Ele parece ser um bom amigo — afirmou, vendo o alfa loiro menear com a cabeça e sorrir concordando. — O melhor deles. Ele que nos convenceu a irmos em Vesna, ele amava artes, principalmente danças, foi graças a eles que paramos de agir como colegas de batalhão para amigos de vida. Ele era apaixonado por você, não no sentido romântico. Ele dizia que você era como o remir de noites primaveris; assistir-lhe no palco era como uma esperança de que tudo acabaria bem, assim como o Sol mesmo depois do inverno rigoroso.

Hoseok contou, com os olhos brilhantes. Jimin foi paciente em assistir as íris sumirem por culpa do sorriso gentil que o Jung lhe dava, era um sorriso tão bonito e carinhoso, realmente demonstrava que o alfa tinha grande carinho pelo amigo; o Duque não pode fazer nada que não fosse se sentir embalado pela afeição e quente pelo despejos de elogios formosos.

— Acho que nunca me viram de maneira tão bela, sinto-me feliz com isso. — Seu peito se enchia da mais pura alegria com aquelas palavras, sentia que seu papel como artista estava tocando as pessoas de forma certa, e se ele estava servindo de inspiração, seus sonhos já estavam sendo cumpridos.

— Ele nunca ficou ao final das apresentações, nem te viu de perto, ele dizia que não te perturbaria. Nós te assistíamos, bebíamos e voltávamos, sempre que você se apresentava em Baekjae. Acho que ele era seu maior fã, dizia que o senhor era sua versão se fosse ômega, já que tinham o mesmo sobrenome e cabelos ruivos. Seus planos eram que ao final da guerra, abandonaria o exército e se juntaria à Corporação Vesna como dançarino — Jimin riu com a fala do ruivo, não um riso sombeteiro, mas sim de afago, contente com o que ouvia. — Naquela noite ele chegou animado dizendo que vossa alteza tinha retornado a cidade naquela manhã e que no cair do sol do outro dia, o senhor se apresentaria, era uma peça nova, Cisne Branco.

— Eu me lembro, a peça foi cancelada naquela noite, em luto a um soldado importante que... — As pálpebras de Jimin aumentaram a longitude quando seu cérebro dispôs-se a recordar o fato, tomando compreensão do que ocorrera naquela ocasião.

— Faleceu naquela manhã. Foi ele. Jaewon morreu na manhã que precedia sua apresentação — Hoseok parecia letárgico enquanto falava, e um arquejo surpreso tomou os lábios de Jimin; seu peito sendo esmagado gradativamente até que um emaranhado de água salgada se acumulasse no cantos de seus olhos. — Ele morreu do meu lado, com uma flecha na garganta. Aquela foi a única apresentação sua em Baekjae que ele não assistiu. Ele estava animado até horas antes de sua morte. Tinha me feito prometer beber e dançar com ele em um bar em comemoração à peça... nunca cumpri essa promessa.

O ômega não pode deixar de se sentir pesaroso quanto à situação, agora parecia mais real, mais triste, mais palpável, ouvir sobre a guerra e ver seus resultados à sua frente era completamente destruidor. Jimin queria voltar no tempo e mudar determinados rumos, conhecido Jaewon, dado-lhe um abraço, queria poder ter conhecido pessoas que assim como ele, admiravam seu trabalho em segredo e não puderam se ver.

— Eu não tinha ideia que... Nossa, eu sinto muitíssimo, eu sempre soube que a guerra era catastrófica, mas assim se torna muito mais tangente, sai do irreal e se torna palpável, e isso é assustador.

— Tudo lá é assustador. — Caminhou para o banco que outrora estava sentado, deixando Jimin ainda encostado no gesso da sacada. — Mas minha única vontade é que se existir uma outra vida, que Jaewon possa ter seus sonhos concluídos.

— Compartilharei do mesmo desejo, que ele e todos os que partiram, possam alcançar seus sonhos, assim como eu pude — garantiu, sorrindo e caminhando em passos curtos até onde Hoseok estava sentado. — Gostaria de tê-lo conhecido, talvez lhe dito palavras amigas durante a guerra, sinto-me pesaroso por saber que ele não pode concluir o que desejava. Mas e o senhor, Tenente-Coronel, qual o seu sonho? Já o concluiu?

— Ainda não. Quero uma casa quente com uma maracujazeiro e um jardim, talvez um lago e um esposo, nada demais. E os seus, Vossa Alteza? Quais seus almejos para o futuro? — mudou o assunto, querendo escapar das duras lembranças que apertavam o coração de ambos. O arrependimento podia ser corrosivo, e não era aquilo que desejava para a primeira noite de primavera.

— Uma casa de campo com um balanço para os meus futuros sobrinhos e uma biblioteca — segredou um pouco tímido, porque era um sonho que tinha desde criança e que planejava conseguir cumprir o quanto antes. Queria uma pequena casinha que pudesse acolher ele, seu irmão e seus futuros sobrinhos no calor de um lar amoroso.

— Talvez possamos ser vizinhos — sugeriu, vendo o ômega sorrir e levar a oferta em um tom gentil, diferente dos rumos árduos que ele destilava no início.

— Jantaríamos juntos aos natais? Meus sobrinhos poderiam brincar no vosso jardim? — contrapôs, empurrando o ombro do alfa com leveza, em um gracejo amigo

— Claro, desde que o senhor tocasse piano nos chás da tarde. Ao que me lembro, és um bom músico também.

— Ah, modéstia à parte, sou sim, assim como pinto bem, pintarei o senhor quando formos vizinhos — Hoseok riu com a conclusão de Jimin, não negaria dizer que ficaria muito contente se aquela sugestão tivesse um pé a mais para um futuro juntos, mas por hora, estava mais que grato por conseguir a mínima afeição do Duque.

— É um bom plano para o nosso futuro.

[...]

Poucos minutos depois, Jayoung apareceu em busca do irmão, avisando que aquela música que começaria era referente à última dança e eles deveriam estar juntos para partirem até sua mansão. A conversa entre Hoseok e Jimin tinha fluido tão bem até aquele momento que o ômega e o alfa sequer tinham visto o tempo passar, e com a menção de uma separação iminente, o de cabelos castanhos quase ruivos, resolver tomar a frente na situação.

— Acompanha-me para a última dança? — convidou, deixando tanto Jayoung quanto Hoseok surpresos. Ele estendeu a mão para que o alfa a pegasse e se levantasse do banco, incitando que caminhassem juntos para o salão.

Era quase inacreditável que Jimin solicitasse algo como aquilo, jamais imaginou tal ocorrência vinda dele, mas para o quase ruivo, Hoseok era uma boa companhia, digna de uma dança depois de se provar uma pessoa comprometida, educada e, acima de tudo, alguém que o compreendia e o via além de sua classificação, título ou trabalho.

— Será uma grande honra. — Tomou a mão do ômega, e enlaçada a ela, desceu as escadarias, sentindo os diversos olhares maltratarem seus corpos, como se flechas envenenadas rasgassem os tecidos e perfurassem a carne de seus copos.

Ignoraram tudo e todos, deslizando lindamente por todo o salão, garantindo que até alguns casais parassem o vai e vem de seus corpos para apreciarem o milagre que era o Duque Park dançando. Ele era lindo, leve como pétalas de rosas atiradas nas brisas quentes de primavera, o corpo se desdobrava nas mãos do alfa, esse que se mostrava um perfeito condutor.

O girar era estonteante, rodopiava como um anjo e reivindicava todo o ambiente como seu. Jimin era assim, extremo. Ninguém ali era considerado bom quando ele era a encarnação da própria perfeição, e Hoseok não podia se sentir menos privilegiado por poder ser o único alfa a ter conseguido uma dança com Jimin em todos os anos de vida do ômega.

Os alfas cobiçavam, os ômegas invejavam, os mais velhos fofocavam e seus amigos — tanto os de Jimin quanto os de Hoseok — se orgulhavam. Eles eram lindos juntos, como se tivessem dançado em par em todos os bailes para alcançarem aquele nível de apuro.

E quando a dança parou, não poderia haver outra senão uma comoção comum de palmas, até aqueles que desgostavam do casal se propuseram a aclamar o talento dos dois. Jimin se sentia contente, feliz pelo resultado, já o loiro, sentia-se abençoado pela maior das honrarias.

— Muito obrigada pela virtude dessa dança, Vossa Alteza, foi um grande prazer — agradeceu ao se curvar numa reverência em respeito, sendo prontamente acompanhado no movimento.

— Eu que agradeço. Foste uma maravilhosa companhia, coronel. — Levantou-se primeiro, vendo o alfa em seguida agraciá-lo com o olhar bonito cravado em si. — Aguardo-lhe para o próximo baile primaveril.

Incitou a festa do ano próximo, notando que agora os casais dançantes se dispersavam pelo salão e cada um buscava seus familiares e amigos, indicando que logo o baile teria seu fim. Seu irmão também se aproximava, e junto com eles, Vossas Majestades, os Duques Min e seus amigos.

— O que dizes, Vossa graça? — questionou, genuinamente confuso se tinha entendido corretamente o que Jimin lhe designava.

— Se ainda estiver solteiro em um ano, contando de hoje, guarde suas danças do próximo baile primaveril para mim — gracejou em um flerte, com seus olhos velozes piscando de maneira cortejadora. Hoseok não pode acreditar no que ouvia, mas não ousou se opor, concordando com a cabeça e a curvando para indicar sua compactuação com o solicitado.

— Eu estarei e guardarei todas elas com imenso prazer — garantiu, também piscando um dos olhos escuros em um galanteio nada sutil aos olhos de Jimin, mas que não parecia mais que pura educação se visto de longe.

Jimin, ousadamente, tocou o broche esverdeado que o soldado tinha no peito, e agindo como um gatuno, removeu-a do corpo alheio para em seguida prender a peça entre os dedos e encará-la antes de observar o alfa loiro e libidinosamente pronunciar:

— Serás a garantia de sua promessa. — Ergueu a peça, indicando que falava dela. — Venha pegar de volta daqui há um ano. — Ergueu uma das sobrancelhas em atrevimento, deixando claro o desafio em cada palavra que escapava dos lábios grossos.

Sem perder tempo, furtivamente Hoseok escorregou a mão até a cintura estupidamente fina e enroscou os dedos pela corrente que prendia o leque nos quadris de Jimin, rompendo a peça com sua força manual e pegando o item de metal e tecido para si. O ômega ficou surpreso pelo sutil solavanco em seus quadris, deixando claro que Hoseok era um homem forte por conseguir romper a corrente tão fácil e ainda tomar seu leque sem que os demais notassem.

— Digo o mesmo, Vossa Alteza, venha buscar de volta o que já é seu. 

A todas as meninas envolvidas na produção de Remir, saibam que eu sou muito grata pelo esforço de cada uma, porque sei que não foi nada fácil fazer cada coisinha com tanta perfeição. Vocês foram fantásticas, tanto na betagem, capa, trailer todos os detalhes, muito obrigada por tudo! 

Ao meu príncipe, itskaton, obrigada por toda a ajuda com essa belezinha, por ouvir meus choramingos, rir das minhas metas e me ajudar a nunca desistir. Obrigada por estar aqui. Amo-te, meu dengo.  

E para quem tiver curiosidade, O Remir de noites primaveris se passa no mesmo universo que Fins e meios para amores inteiros, uma Namjin de época lindíssima. 

Foi isso e até uma próxima!

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