Titereiro

Enji não apareceu novamente desde aquela noite, Kei estava ansioso, mas um passo apressado estragaria tudo.

Enquanto isso sentia o cheiro de Enji na blusa que emprestou para ele naquela primeira noite depois da tentativa de sequestro. Vestiu-a. Pegou uma grande caneca de café e a tomou enquanto abria a cortina da varanda.

Qual pose seria melhor? Às vezes Kei queria gargalhar, mas segurava e se concentrava em outras coisas e não olhar naquela direção.

Kei queria muito rir, ele foi criado em um orfanato e apadrinhado por um velho milionário que achava que fazia o maior bem à humanidade ao lhe pagar uma educação e lhe exibir como um bichinho. É claro que sabia quando alguém o espiava e o seguia.

Kei usava um short curto que exibia as pernas que Enji tanto mordeu naquela noite. Saudades dela aliás. Será que Enji batia uma pensando nela? Seria divertido se sim, podia imaginar ele com o rosto contraído pela concentração, o alívio e depois a culpa.

Umedeceu os lábios. Deixou a varanda e foi tomar banho para sair. O detetive o seguiu por todo o caminho, Kei passou o dia fora e acertou no palpite quando dois dias depois em uma reunião comemorativa de negócios se aproximou de Enji e esse lhe olhou com todo o desprezo.

— Olá, Enji! — cumprimentou. — Que coincidência, não?

Enji o ignorou com o copo de uísque de mão, Kei percebeu que era meramente decorativo pois em nenhum momento a quantidade do líquido escuro mudou.

— Que festa, não? — Enji fingia sua inexistência. Kei resolveu jogar logo: — Uma pena Yagi não poder vir, não acha?

O rapaz reparou na mudança na respiração do homem ao ouvir o nome Yagi ser citado, reparou também nos grandes dedos apertando com mais força o copo que parecia de brinquedo em sua mão. Kei imaginou aquelas mãos envolvendo seu pescoço. Tremeu.

— É bom que ele descanse. Ele está cansado. — Segurou o sorriso enquanto bebia o próprio vinho. — Espero que ele melhore.

Nada de resposta até que:

— Yagi é um homem forte.

— Ô se é. — Kei concordou. — Ele vai superar o câncer.

Enji fungou em desprezo, suas narinas dilataram:

— Yagi não é aquele sósia magricela.

— Se é o que você diz…

— O que você… — Enji se interrompeu, Kei ficou feliz por ele quase ter mordido a isca, mas não foi o suficiente.

— Eu o quê? — Se fez de desentendido. Enji encarou sua cara de cãozinho confuso. — Não vai falar? Tá bom… sabe, Senhor Todoroki, você não mandou ninguém buscar a arma lá na minha casa. O que vou fazer com um revólver?

Enji lhe fitou de uma forma que não precisava de tradução para o que Kei faria com a arma ou melhor, onde enfiaria, mas Kei ergueu uma sobrancelha e um sorriso sorrateiro surgiu em seus lábios.

— Amanhã de manhã eu mando buscarem. — Enji desviou irritado o olhar da sugestão implícita de Kei.

— Amanhã não. — Kei disse simplesmente. — Estarei ocupado o dia todo. — Bebeu mais um pouco da taça.

Enji inflou as narinas desconfiado.

— Tenho que ir, Senhor Todoroki. Foi um — Kei fingiu que daria um tapinha no ombro de Enji para no último segundo retrair a mão como se visse algo sujo ali. — …prazer. — E se retirou afinal tinha negócios a resolver também.

O amanhã chegou e Kei saiu cedo do apartamento em direção àquele bairro tranquilo agora costumeiro em sua rotina.

— Você sempre vem aqui. — Yagi falou sentado na mesa do café que decidiu abrir após se aposentar. Ele morava na rua de trás.

— Claro. — Kei indicou para o garoto de cabelo verde que queria o mesmo de sempre. — Hoje você vai me mostrar a sua coleção de discos? — Apoiou o rosto no punho fechado e viu as horas no relógio de pulso ao levantar um pouco a manga do casaco.

— Mas tá tudo lá atrás. — Yagi disse logo após fazer uma careta ao tomar um suco verde, o que fez Kei pensar que a última coisa verde que comeu foi M&M e um chiclete de menta.

— Não tem problema. — Kei sorriu despreocupado. — Quero ver a coleção.

Sem demora, eles saíram do café pela porta da frente para rodar o quarteirão para a casa de Yagi, Kei consciente de tudo ao seu redor fez o possível para ficar bem próximo do homem loiro.

— Você tem que cuidar da sua saúde enquanto é jovem. — Yagi disse de repente. — Os jovens são o futuro desse país! — animado e quase tossiu no final.

Kei gargalhou alto e deu um tapinha no centro das costas do homem, como era possível ele ser mais alto que Enji?

— Não é como se você fosse velho. — falou. A mão deslizando até o ombro ossudo de Yagi.

— Mas não sou mais jovem. E estou doente.

— Você vai se recuperar. — Kei afirmou e desceu a mão para o cotovelo de Yagi. Terrível como poderia envolvê-lo entre o indicador e o polegar. Esses pensamentos compartilhavam o mesmo espaço dos seus planos. — Não é como se não estivesse em tratamento. — Soltou o braço de Yagi. — Vai dar tudo certo. — Uma das qualidades de Kei era o otimismo.

— O importante é manter o sorriso. — Yagi disse.

— Sim. — Kei concordou, apesar de muitas vezes quando estava só não ter conseguido. — Talvez seja por isso que você foi o nº1.

Kei ficou impressionado com a coleção de Yagi e com as caixas e caixas no chão de roupas que seriam doadas. Eram roupas enormes, tirando a altura era difícil de acreditar que um dia couberam no homem doente. Kei viu o casaco do paletó amarelo que Yagi sempre aparecia na televisão. Tirou o próprio casaco e experimentou, parecia uma criança lá dentro. Concluiu que não ficava tão bom em amarelo quando essa era a cor principal.

— Posso ficar com esse? — pediu.

— Pode. — Deu de ombros.

Kei sorriu ao se olhar no espelho.

— Ouviu isso? — perguntou para Yagi.

— Não. — o homem respondeu atento.

— Tem certeza? Acho que veio do quintal. Será que alguém quer arrombar pela varanda?

Yagi ficou alerta, se levantou da poltrona dizendo:

— Vou verificar.

— Eu vou junto…

— Não. — Interrompeu e disse: — Você fica aqui e qualquer coisa chama a polícia.

— Entendido. — Kei demorou para responder.

Yagi saiu da sala para investigar o suposto barulho que Kei mentiu descaradamente. Então, ele tirou do pulso o relógio mais chamativo que tinha e o jogou displicente entre as almofadas do sofá de Yagi, tirou o paletó e vestiu o casaco.

Yagi voltou:

— Não era nada. — Sentou na poltrona.

— Acho que deve ter sido um gato. — Yagi vivia falando dos gatos que apareciam no quintal.

— Deve ser. Eles sempre tentam entrar na casa.

— Acho que já vou. — Kei anunciou, já tinha passado a manhã toda ali. — Tenho um compromisso.

— Eu te acompanho até a porta.

— Não precisa. — Kei sinalizou. — Eu conheço o caminho e você parece bem cansado. Vou pegar o meu pedido com o Midoriya e vou embora.

— É por conta da casa. — Yagi disse. Kei sorriu, adorava coisas grátis.

Kei foi até o corredor com o paletó dobrado dentro da bolsa que carregava, parou em frente a porta e bagunçou todos os cabelos enquanto mordia e apertava os lábios para deixá-los inchados e por fim deu grandes beliscões no pescoço para deixar marcas roxas. Saiu satisfeito.

Entrou no café, pegou o pedido, fingiu que veria as horas no pulso, seu relógio não estava lá, soltou um suspiro perdido e sentou numa das mesas comendo cookies e capuccino.

Midoriya olhou assustado para as marcas no seu pescoço, Kei deu uma piscadela para ele e disse que quando ele fosse adulto saberia. O garoto ficou vermelho da cabeça aos pés e Kei bagunçou o seu cabelo cheio.

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