Miríade de portas
Fiz como você pediu.
Natsuo leu a mensagem da irmã, guardou o celular no bolso da jaqueta de entregador e apertou as mãos sobre o acelerador da moto desligada. Usava o capacete para esconder o rosto e porque era seguro, observava a entrada da mansão esperando Endeavor sair a qualquer minuto.
Endeavor finalmente saiu da mansão, usava calças escuras, uma blusa de gola alta da mesma cor e carregava uma sacola de plástico com uma vasilha dentro. Ele levava até comida para amante! Endeavor pegou o primeiro táxi da noite, foi fácil Natsuo acompanhar, haviam poucos carros nesse horário de terça-feira, o homem parou em uma estação de metrô e depois pegou outro carro lá perto, Natsuo o seguia afiado.
O homem mais velho parou em um distrito turístico num ponto de ônibus e de lá pegou o último táxi da noite. Natsuo se sentia sortudo, o horário e a pouca movimentação do dia da semana fazia com que tudo saísse correto assim como o planejado. Mal podia esperar para mostrar para Fuyumi. Ela teria que acreditar!
O táxi rodou bastante pela cidade, mas não era problema para Natsuo que encheu o tanque da moto pronto para seguir o velho pelo país todo se precisasse. Rodaram e rodaram para voltar ao centro da cidade, Natsuo reconheceu este distrito. Os prédios residenciais se misturando com os comerciais e os cafés e restaurantes lhe davam uma certa nostalgia, sempre havia alguma encomenda para entregar neste lugar e era aqui que havia a loja de videogames em que conheceu Kei.
O distrito também lhe dava epifania, como se a resposta de um enigma estivesse bem debaixo do seu nariz e ele só a visse agora que foi jogada na sua cara, parecia ironia, pois fazia tantas entregas por aqui e deveria ter prestado mais atenção se via alguém igual ao pai. Encontrou Kei uma vez por este distrito, poderia encontrar o velho babaca.
Será que Kei morava perto daqui?
Pararam na frente de um prédio e Endeavor ficou no carro, Natsuo viu que ele esperava o troco do motorista. O velho nunca andava com notas menores como uma pessoa normal, ele sempre tinha que mostrar quem ele era para todo mundo de algum jeito, não importa quem, mesmo quando estava escondendo o seu caso.
Natsuo sem hesitar e com velocidade surpreendente tendo a certeza de estar longe da vista do homem, tirou o capacete e colocou o boné de entregador na cabeça para esconder seus cabelos brancos. Tirou da caixa de entregador da moto a “encomenda” para o seu disfarce, uma caixa de papelão com um tijolo dentro para fazer peso e encheu de isopor, lacrou a caixa como se fazia na empresa. Endeavor desceu do carro guardando o bolo de dinheiro da carteira e Natsuo acelerou o passo para atravessar a rua, por pouco não foi atropelado, nem ligou quando o motorista lhe xingou.
O prédio não era um dos mais luxuosos da região, contudo não era um dos mais humildes também. Era uma construção relativamente nova, não devia ter mais de sete anos devido ao seu desing e possuía um amplo lounge de entrada com o chão tão limpo e liso que Natsuo podia ver seu reflexo no porcelanato e no lado oposto dois modernos elevadores. Isso fez Natsuo pensar em qual seria a aparência da amante. Imaginava uma mulher de negócios alta, inescrupulosa planejando um golpe como as vilãs de dorama ou em uma mocinha pobre, boba e tonta que se deixou levar pelas palavras de um homem mais velho e agora estava sendo sustentada por ele nesse apartamento. Será que ele deu esse apartamento para ela?, pois, apesar de tudo, ainda era um prédio bem discreto.
Enji cruzava o salão com experiência, a cabeça erguida e entrou direto no elevador quando as portas se abriram. Mal cumprimentou o porteiro. Natsuo mantinha uma distância segura e andava devagar com a cabeça baixa como os filmes e jogos de espionagem lhe ensinaram.
A visão de Natsuo sempre foi muito boa, mesmo de longe viu no visor no topo da entrada do elevador que o andar escolhido foi o 21º, Natsuo se aproximava do segundo elevador quando foi parado:
— Ei, ei! Onde pensa que vai? — o porteiro lhe parou, ele usava um crachá pendurado no bolso, blusa social branca e uma gravata escura.
— Ah… eu tenho uma entrega!
— Você é novo nesse negócio, né, garoto? — o porteiro ergueu a sobrancelha para ele e tocou no cassetete pendurado na cintura.
Ele descobriu tudo! Vai chamar a polícia! Posso derrubar ele antes e fugir! Tenho o dobro do tamanho.
Natsuo já pensava em correr quando o porteiro perguntou:
— É a sua primeira entrega?
O alívio de Natsuo foi tanto que lhe deixou boquiaberto.
— É, sim. — sorriu nervoso. Odiava mentir. — Uma das primeiras, comecei faz pouco tempo. — Manteve o sorriso estagnado no rosto rezando para que o porteiro não percebesse que suava frio.
— Eu posso receber pelo morador. — Esticou as mãos para o pacote.
— Não! — Natsuo se assustou. — Não, quero dizer… é um pacote que só pode ser entregue pessoalmente. — falou, essa prática era muito comum no ramo de encomendas.
— Para qual morador? — o porteiro foi para trás do balcão.
— É confidencial. — Não conseguiu pensar numa desculpa melhor.
— Sério? O que tem aí? Drogas? — o porteiro riu da própria piada.
— Hehehehehe… — Natsuo riu junto e engoliu em seco para a cara confusa do porteiro.
— Qual o andar? — o porteiro abriu o sistema do computador no balcão.
— Vigésimo primeiro. — disse firme.
— Qual apartamento?
Os olhos cinza de Natsuo esbugalharam.
— Deixa eu ver, é confidencial também? — o porteiro olhou entediado da tela para Natsuo.
— É?
— É? — perguntou.
— É! — Natsuo ajeitou a postura e disse confiante.
O porteiro relaxou os ombros e se jogou para trás na cadeira.
— Tudo bem, as pessoas desse prédio são todas estranhas mesmo. Gente rica é o bicho mais esquisito do mundo, não acha? — o porteiro riu se balançando na cadeira de girar.
— Sim! Gente muito estranha. Haha!
— Sabe, tem um cara que mora aqui que agora quase todo dia chega para ele umas caixas de umas lojas bem esquisitas, acho que tá entediado, sei lá. Antes ele sempre trazia um cara todo tatuado mal-encarado tarde da noite e…
— Posso subir? — Natsuo interrompeu.
— Ah, pode sim. Não demore, hein? A síndica do prédio é uma mala.
— Obrigado. — Natsuo agradeceu e foi a passos largos para o elevador.
Quando as portas se fecharam e a música ambiente começou a tocar, Natsuo sentiu as pernas bambas sem acreditar na sua sorte. A cada andar mais próximo do vigésimo primeiro fazia seu coração palpitar e sua mente se encher de certeza.
— É isso, Natsuo. Respira e se concentra.
Chegou ao vigésimo primeiro andar, as portas se abriram e a pergunta crucial chegou a sua mente ao se ver em um corredor com miríade de portas.
Qual é o apartamento?
Não podia sair tocando a campainha de um por um e as câmeras? Natsuo olhou para o teto e cantos do corredor e se surpreendeu ao não ver nenhuma câmera. Isso era estranho. Havia segurança na entrada, mas nada para monitorar os corredores, parecia proposital.
Todas as portas eram iguais, deviam haver uns dez a vinte apartamentos por andar. Se tocasse na campainha de cada um esperando que abrissem e encontrasse a amante do pai, como saberia que era a amante? Endeavor sem dúvidas não abriria a porta do apartamento, não podia invadir a casa dos outros procurando por um homem de quase dois metros. Na primeira tentativa chamariam a polícia. E se encontrasse, conseguiria provas dos dois juntos além do próprio testemunho? Endeavor negaria até a morte qualquer envolvimento. De repente uma das portas se abriu. Natsuo ficou todo tenso após perceber que não tinha onde se esconder e o pai lhe reconheceria na hora.
Ficou estático no corredor, porém quem saiu foi do apartamento foi uma mulher baixinha no meio dos trinta anos usando roupas sociais e uma bolsa de couro.
— Boa noite. — ela disse para Natsuo.
Ele apenas acenou esperando o pai sair logo atrás dela do apartamento, porém ela só trancou a porta e foi para o elevador. Natsuo descartou o apartamento dela como uma das possibilidades.
Mas e se da próxima vez quem saísse de um dos apartamentos fosse seu pai? Se ele visse Natsuo ali não voltaria nunca mais para o prédio, inventaria alguma desculpa furada para Fuyumi e negaria todas as acusações de Natsuo até a morte. Seria a palavra de Endeavor contra a sua.
Eu preciso de um flagrante, pensou.
Estava tão perto, não podia arruinar tudo. Não podia estragar nada de jeito nenhum! Agora Natsuo sabia qual era o prédio e o andar, poderia investigar o número do apartamento e vigiar esse prédio ao invés da empresa de Endeavor. Assim saberia a rotina do homem com a amante e teria o seu flagrante para quem quisesse ver.
Natsuo respirou fundo, não era como seu pai, não botaria tudo a perder por causa de ego. Seria paciente. Estava bem perto.
Ele desceu com o pacote na mão e pôs uma expressão confiante.
— O que houve? — o porteiro perguntou.
Natsuo passou direto ao dizer firme:
— Não tinha ninguém em casa. Volto outro dia.
Vamos admirar a inteligência do Natsuo para elaborar todo o plano de invadir um prédio disfarçado enquanto demostra todo o talento de fanfiqueiro dele (que ele herdou do pai) sobre “a” amante?
Desculpe a demora pessoal, achei que uns capítulos tinham sido apagados da fic e tive que revisá-los, mas (ainda bem!) eu estava errada.
O que acharam do capítulo? Deixem seus comentários, críticas, teorias e elogios.
Estamos chegando lá!
Até amanhã!
Bjinhus!
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