Dia e horário

O entregador grande com o pacote e o porteiro conversavam no lounge onde estavam pilhas de caixas de compras online.

— Entregadores não podem mais subir.

— Mas o meu pacote é confidencial. — o entregador falou.

Mera achou esse entregador no mínimo estranho.

— Boa tarde. — Mera guardou o cigarro no cinzeiro portátil e de dentro do paletó tirou uma barrinha energética. — Takami. — anunciou para o porteiro, apesar de não precisar. Kei sabia que viria.

O entregador pareceu ficar nervoso com a chegada de Mera, o homem que tinha a vida em burnout encostou-se no balcão e deu uma mordida na barrinha. Esse rapaz lhe lembrava alguém… mas tinha certeza que não era alguém de alguma gangue. Mera decorou todos os rostos do pessoal conhecido do Shigaraki.

— Entrega especial, é? — Mera perguntou e viu que o garoto ficou mais tenso que a linha da sua sanidade mental.

— Sim.

— Hummm. — Mera mastigava devagar ao ver o garoto ficar mais e mais nervoso. — Para quem?

— É confidencial…

— Mas isso é uma entrega ou uma bomba? — Mera riu e deu uma batidinha na caixa de papelão. Realmente tinha algo ali.

— É uma entrega! — O garoto de cabelos claros respondeu ainda mais nervoso. — Não toque no pacote, senhor. É frágil!

— Tá bom. — O assalariado viu o logotipo da empresa no boné e na jaqueta do rapaz em idade universitária, esse deveria ser o emprego de meio período dele ou sei lá. Lembrou do seu emprego de meio período na Comissão quando era adolescente, já era super explorado, mas ao menos tinha sonhos e esperanças. Agora tudo que tinha era uma anemia e insônia crônicas. — É uma empresa boa essa sua?

— É, sim!

— Beleza. — O que custava sonhar em mudar de ramo?

— Pode subir, senhor. — o porteiro desligou o interfone quando Keigo autorizou sua subida.

— Tem algo aí para levar para ele? — Mera apontou o queixo para as caixas atrás do porteiro.

— Não, senhor.

— Ainda bem. — Mera não tinha a mínima vontade de carregar nada além dos seus ombros cansados.

Entrou no elevador, apertou no botão do andar de Keigo, a musiquinha insuportável lhe dava sono, logo em cima do painel o aviso de proibido fumar brilhava em plástico branco e linhas vermelhas. Mera cagou para isso e reacendeu o cigarro.

O corredor de Keigo continuava inóspito como sempre, vinte apartamentos por andar, mas somente cinco pessoas moravam ali. A Comissão adorava especulação mobiliária, mesmo nos prédios que vendeu há anos. Keigo deveria ser o único proprietário de apartamento do prédio todo.

Mera nem precisou tocar a campainha, sabia a senha de cor desde que a Comissão deu o apartamento para Keigo e ele não podia mudá-la sem autorização. Mas não havia um sistema tecnológico que impedisse Keigo de trocar a senha, a Comissão apenas deu essa “orientação”, não era como se houvesse algum impedimento real.

— Por que pediu para subir? — Ele apareceu no corredor de entrada e jogou uma das latinhas de energético que segurava para Mera.

— Tem um entregador muito estranho lá embaixo. — Mera abriu o energético sentido o aroma da cafeína. Adorava cafeína, apesar de não fazer mais efeito há anos no seu corpo. — Quis tirar minhas dúvidas, mas acho que ele é entregador de verdade mesmo. Não mandariam um principiante te procurar e a Comissão tem certeza que a gangue de Shigaraki não sabe onde você mora.

— É por isso que não tô saindo de casa. — Keigo bebeu o próprio energético. — Quer comer algo? Tem tempurá.

— Esquenta no microondas. — Mera digitava o nome da empresa no buscador do celular. Tinha o celular numa mão, a barrinha e o energético na outra e o cigarro na boca. — Ei, você sabe se Utsumono Express Ltda é uma empresa de fachada?

Keigo passou meio segundo pensando e respondeu:

— Essa é real, mas a Togame Express Ltda é de faixada para o grupo Tengo, os yakuza dos cassinos clandestinos. A Comissão mandou o líder deles para a cadeia por causa da especulação imobiliária, lembra?

— Isso faz anos. Como vou lembrar? Mal lembro o que foi o meu café da manhã hoje. — Foi um cigarro e uma menta no caminho para cá. — Eles quiseram vender os galpões nos portos por preços altíssimos. — Mera lembrava muito bem, mas a Comissão lhe dava tanto trabalho que preferia fingir que esqueceu. A Comissão tinha o grupo Tengo na mão.

Mera clicou no quadro de funcionários do site e viu o rosto do entregador estranho lá, tão fotogênico quanto uma batata e mais novo também. Só havia as fotos dos funcionários e nenhum nome, mas isso já era prova suficiente da existência.

— Por que tantos pacotes nessa casa? — Mera guardou o celular.

— Tô entediado. — Keigo colocava o prato com o tempurá no microondas. Programou o tempo.

— Percebi pelas compras no seu cartão de crédito. — Mera era responsável por monitorar Keigo financeiramente. — Nunca li tanta variedade de lojas de bugigangas, quadrinhos e bebidas na minha vida.

— Se eu pago no boleto, as compras não chegam no mesmo dia.

Mera sabia que Kei todo o mês fazia pequenos saques do salário, pois assim poderia comprar coisas sem deixar rastros para a Comissão, mas se a Comissão mandasse ele comprar somente no cartão e ler em voz alta em praça pública o que comprou, ele faria. Agora que estava preso em casa, não podia sacar nenhum dinheiro, só usar o crédito e o débito.

— Me dá um pouco daquela vodka que comprou. — Mera sentou no banco da bancada.

— Não dá. Meu idoso jogou tudo fora. Só tem vinho seco, sabia que é mais saudável porque tem menos açúcar?

Mera apagou o cigarro no cinzeiro, se quisesse ser saudável mudaria de emprego. Deu a última mordida da barra energética.

— Sobre o Todoroki — Mera começou e viu que Keigo nem sequer hesitou ao ouvir o nome, o garoto foi muito bem treinado pela Comissão —, não seja muito óbvio. A gangue pareceu dar uma acalmada, só pareceu, estou averiguando o caso.

— Não ando com Enji por aí. Ele vem pra cá e não saímos daqui.

— Mais alguém além de mim sabe?

— Não. — Keigo tirou a comida quentinha do microondas. — Mais alguém sabe?

— Não e nem vai se você continuar discreto. — Mera estava protegendo o garoto, apesar de acreditar que a Comissão não se importava com esse nível de pessoalidade da vida de Kei, mas era a Comissão de qualquer jeito e se ela visse oportunidade nisso, usaria.

— Alguma notícia sobre Nagant? — Keigo bebia o energético enquanto servia o prato para Mera.

— Nada. Conseguiu algo?

— Falei com alguns contatos, sem sair daqui — Keigo explicou. — Ninguém sabe onde ela está, já podemos excluir a possibilidade de que com algum grupo da yakuza ou das braços estrangeiros.

— Ela tem muitos dados. Sem dúvida quer alguma coisa. — Mera comeu a primeira porção, se surpreendeu com o sabor. — Quem fez isso? O Todoroki? — Ficou incrédulo.

— Ele cozinha bem. — Keigo sorriu satisfeito.

— Belo amante você achou. — Pegou outra porção. — Finalmente alguém que serve pra alguma coisa. Acham que Nagant vai entrar em contato e pedir uma quantidade enorme de dinheiro. É o óbvio.

— Acho que não.

— Eu também. Não tem dinheiro que valha a pena ficar contra a Comissão. É pura burrice. Mas a gente já viu quem fez isso.

Ficaram em silêncio, não acabou bem, chantagear a Comissão nunca acabava bem. Era necessário cautela, esse devia ser o motivo dela não ter entrado em contato ainda. Ela também roubou os próprios dados.

— Mera, eu não estou saindo e não vou sair se a Comissão recomendar que não.

“Recomendar.”

— Mas tem uma coisa que quero fazer fora daqui. — Keigo continuou — Posso até dar dia e horário para facilitar a segurança.

— O que é?

Keigo sorriu e falou.

Mera analisou o pedido de Keigo, era razoável.

— Dá para fazer. Me mande o dia e o horário.

O primeiro capítulo de hoje foi! O que acharam? Deixem seus comentários, críticas, teorias e elogios.
Até daqui a pouco.
Bjinhus!

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