Desvendando aos poucos

Há alguns dias seguia o velho, ou ao menos tentava, o trabalho nunca lhe dava um tempo e ainda tinha a faculdade. Faltou várias aulas para ficar de olho em Endeavor, descobrir sua amante e mostrar para Fuyumi, porém tudo era inútil. Endeavor saía de casa para o trabalho e do trabalho para casa, a amante deveria gostar muito dele para jamais terem tempo para os dois… talvez ela trabalhasse na empresa!

Então os dois se encontravam lá todos os dias e nem precisariam de uma desculpa. A amante seria uma assistente ou secretária? Uma acionista? Sem dúvidas alguém próximo.

Natsuo mordeu seu anpan refletindo sobre todas as possibilidades. O pai se envolveria mesmo com alguém do trabalho? Deixaria se atrapalhar assim? Deu outra mordida no pão e trocou o pé em que se apoiava na moto. Não imaginava o pai se envolvendo com alguém da empresa… também não imaginava que ele tivesse uma amante e aqui estava agora pronto para pegá-los no flagra. Como a mãe reagiria? Achou que ela não se importava muito já que estavam nas portas do divórcio, Fuyumi contratou um advogado para dar conta de toda papelada, com isso Natsuo queria acreditar que a irmã estava ao menos um pouco desconfiada da mudança do pai, mas na verdade, ela só estava preocupada com a mãe ter que lidar com tantas coisas quando estava prestes a sair da clínica.

Mas Natsuo precisava provar para a irmã mais velha que Endeavor não mudou e nunca mudaria. O que Touya acharia disso tudo? Era bobagem pensar no que o mais velho acharia, Touya mal conseguia pensar em outras coisas além daquelas ideias nefastas sobre si mesmo. Ainda era nítido na sua memória os cortes que ele fazia no próprio corpo e em como cutucava as feridas da doença até sangrar e em como haviam poucos dias em que estava minimamente feliz e em todos os outros infeliz como se estivesse no próprio velório. Ele cuspia os remédios enquanto criança, Natsuo viu e contou para a mãe, nem ela conseguiria fazer ele tomar as pílulas nessa idade, Endeavor não ficou nada contente, depois de uma gritaria gigante com ele e fazê-lo tomar as pílulas a força, mandou a governanta dar os remédios para ele. Amassavam as pílulas no purê e dissolviam-as no suco, quando Touya descobriu se recusou a comer por quatro dias, Endeavor já estava cheio dos shows de atenção do filho, apenas repetiu as ordens para a governanta, os empregados da casa o seguraram e empurraram os remédios garganta a baixo.

Achou que estavam machucando seu irmão, foi correndo contar para a mãe, ela apenas desviou o olhar e segurou Shouto mais forte no colo e disse para ele brincar lá fora. Natsuo voltou para o corredor, ainda seguravam Touya forçando-o a abrir a boca, ele era tão pequeno no meio de todos aqueles adultos. Touya ergueu a mão pedindo ajuda para o irmão mais novo. Natsuo ficou assustado e deu um passo para trás, trombou com algo firme, olhou para cima e era o pai deles. Endeavor era tão grande que poderia tirar o filho de lá sem problemas, nem precisaria usar a força física, apenas uma palavra da sua boca seria o suficiente. Mas ele não disse nada e seguiu para um dos outros cômodos da sala. Natsuo nunca esqueceu do olhar que o homem lhe deu.

Gente assim não muda.

Voltou a pensar na amante, como ela seria? Alguém tão desesperada por amor que aceita qualquer porcaria? Uma golpista? Logo teria novos irmãos? Não, não conseguia imaginar Endeavor tendo outros filhos e ele não seria estúpido de engravidar alguém.

A teoria da secretaria/assistente estaria correta? Teria que tirar a prova. Podia ser que ele se encontrasse com ela hoje, Fuyumi falou que não jantaram juntos hoje, logo havia a possibilidade. Mas para tirar a prova tinha que seguir o homem e ele nunca saía do trajeto! Nem conseguia ver ele dentro do carro com vidro fumê!

Espera! Era isso! Natsuo fechou os punhos empolgado e até mordeu a bochecha. O sabor ferroso de sangue se misturou ao doce do anpan. As pessoas ao redor lhe olharam assustadas, acenou indicando que tudo estava bem, apesar da dor.

O velho não entrava no carro com os seguranças! Ele mandava os seguranças voltarem para casa e ele pegava um carro para a casa da amante em uma das saídas de emergência do prédio. Todas as peças estavam se encaixando e tudo fazia sentido! Natsuo deu a última grande mordida no anpan para comemorar! Seria fácil testar sua teoria, ele só precisava chegar na casa segundos depois do carro do velho e se ele não estivesse lá, BAM! Estava certo o tempo todo.

Mas eu posso estar errado e encontrar com o velho lá.

Porém, Natsuo tinha 90% de certeza que tinha razão. Valia a pena arriscar. Os empregados ficariam surpresos com a aparição de Natsuo e sem dúvidas contariam para o babaca, contudo, Fuyumi lhe afirmou que toda vez que Natsuo aparecia para prestar homenagem a Touya, os empregados avisavam apenas o necessário para o velho. Usaria isso como desculpa para aparecer de repente lá.

O horário da saída chegou e o carro do velho deixou o prédio, Natsuo o seguiu por todo percurso de volta para a mansão. Assim que o carro entrou na propriedade, Natsuo contou um minuto e entrou em seguida. Todos lhe reconheciam e foi fácil a entrada. Estacionou a moto de qualquer jeito na garagem e viu que os seguranças já tinham evaporado para o cômodo designado para eles.

Correu para a entrada da casa e não encontrou nenhum sapato de Endeavor ou qualquer sinal de que ele chegou na casa. Foi para a cozinha e nada dele, para a academia e nada, para a piscina e nada, nada nos jardins, nada nas termas, nada nas quadras, nada na biblioteca, nada nas salas e nada dele no escritório. Procurou-o até nos quartos dos filhos, da mãe e chegou até ir ao quarto de Touya. Nenhum sinal do homem.

— Natsuo? — A governanta o pegou no corredor. Ela foi uma das poucas que sobrou da época em que ele e os irmãos eram pequenos.

— Senhorita Kotona. — Natsuo a cumprimentou.

— Há quanto tempo não te vejo! — Ela ficou feliz e esticou os braços finos para alcançar e puxar as bochechas dele. — Você está tão grande! Tão bonito! Parece o pai!

Ficou desconfortável com a comparação, odiava a semelhança com esse homem, ela percebeu sua expressão amarga e se afastou um pouco. Cruzou os braços dentro do kimono.

— Veio ver seu irmão? — Ela se referia a Touya.

— Sim. — Mentiu.

— Oh, ele com certeza ficaria feliz com tantas visitas. — Ela sorriu e as linhas dos anos salientaram ainda mais nos cantos dos olhos e ao redor da boca. Todos os cabelos eram brancos agora, antes eram apenas cinza, o que permaneceu foi o coque bem preso no topo da cabeça.

— Ele está aí?

Senhorita Kotona entendeu o que Natsuo quis dizer e meneou negativamente.

— Seu pai anda muito ocupado, há dias em que nem dorme em casa.

A reputação dura de Endeavor era tanta que ela nem desconfiava que ele tivesse alguma amante ou algo parecido.

— Hum. — Natsuo trocou o capacete da moto de mão.

— Sua irmã tem vindo bastante jantar aqui, nesses dias seu pai fica em casa. — Natsuo entendeu a pergunta explícita.

— Fuyumi tem o estômago melhor que eu.

Kotona suspirou e disse acariciando os cabelos do menino que viu crescer:

— Você é difícil, igualzinho ao seu irmão e ao… — ela se interrompeu. — Sempre queria jogar futebol até tarde da noite e quando te colocava na cama dormia abraçado com a bola. Ainda quer ser jogador?

O rosto do rapaz mais alto ficou vermelho e respondeu envergonhado:

— Eu não era tão bom assim… decidi mudar de carreira.

— Oh, é verdade. Eu me esqueço. Está na faculdade agora. E a sua namorada do Ensino Médio? Você era doidinho por ela.

— A gente terminou.

— Oh, querido. Que pena. Tenho certeza que vai encontrar outra pessoa logo logo. — ela lhe consolou dando tapinhas no seu ombro.

— Na verdade, tem alguém que eu gosto…

— Ora! — Ela lhe deu um tapa mais forte no ombro que fez com que se espantasse. — Lute por ela! Boa sorte!

— Obrigado… — Natsuo massageou o ombro dolorido. — Senhorita Kotona, a senhora pode não contar para ninguém que eu estive aqui?

— Claro que posso e vou dizer para os funcionários não dizerem nada também, apesar deles não falarem com seu pai por terem medo dele.

— Agradeço, de verdade.

— É o mínimo que posso fazer por meu garotinho já que vou embora logo. — Bagunçou os cabelos dele.

— Embora? — Natsuo ficou confuso.

— Sim, já está na hora de eu me aposentar. Não acha? Quero mimar meus netos. Foi bom ver você antes de ir embora, sempre é bom ver você, Natsuo.

— É bom ver a senhorita também.

Ela sorriu e lhe deu as costas para partir, porém Natsuo chamou:

— Senhorita Kotona!

— Sim?

— A senhorita fez o que podia! — falou. — Agora eu entendo!

Ela olhou para o chão e falou pensativa:

— Eu poderia ter feito mais — Natsuo jurou que viu uma lágrima no canto do olho da mulher. — Mas isso é só a reminescência de uma velha, já está tarde, é melhor eu ir para casa, mas você não precisa voltar para a sua.

Natsuo sorriu, uma lágrima caiu de seus olhos, limpou-o com as costas da mão. Senhorita Kotona foi a primeira a lhe apoiar quando decidiu sair dessa casa, lhe deu até um dinheiro escondido.

Culpou muito a mulher pelo o quê aconteceu com Touya, contudo, o que ela poderia fazer? Quem acreditaria em uma mulher que não tinha nada contra o grande empresário Endeavor? Ela perderia o emprego e como sustentaria os três filhos? Sem dúvidas ela não conseguiria trabalhar em mais nada naquela cidade ou quem sabe, país? Seria um escândalo que só deixaria marcada ela e Endeavor ainda poderia a processar por difamação. Natsuo não precisou chegar à metade da adolescência para entender isso. Endeavor era alguém com muita influência e poder, nenhuma pessoa comum queria ser inimiga dele. Tão inatingível quanto o sol.

Mas Natsuo conseguiria o fazer cair, ao menos aos olhos da irmã, deixou a mansão já pensando no próximo passo.

Demorou, mas chegou!
Natsuo a cada dia está mais perto do que quer, será que temos um Xeroque Holmes aqui? O que acham? Deixem seus comentários, críticas, teorias e elogios.
Gente, não sei se vai ter capítulo amanhã, vai depender de algumas coisas.
Obrigado por lerem!
Bjinhus!

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