Dabi
Quando acordou tudo cheirava a gasolina e a própria bile. Tentou se colocar de pé, mas caiu. Estava mais tonto do que nunca e sangue enxarcava seu rosto.
Dabi entrou no cômodo com uma lata de gasolina seca na mão, passou por cima do corpo como um pequeno degrau e seguiu até ficar frente a frente com Enji. Sentou na lata, apoiou o tornozelo no joelho, ainda segurava a arma e tinha um celular na mão. O celular de Enji, agora ligado.
— É, ele gosta muito de você. Mais de mil mensagens implorando para voltar. — Dabi passava as conversas. — Ele dormiu com o seu filho? Meu Deus, Kei é um puta de um doente mesmo e eu achando que ele era puritano porque não deixava eu gozar ele. Mas na verdade ele só queria o leitinho do papai dele. — zombou.
Enji estava tonto e a figura de Dabi sentado na lata não parava de girar, não havia nenhum ponto em que pudesse firmar a visão.
— Você está prestando atenção em mim? — Dabi ligou a lanterna do celular e apontou para o rosto de Enji. Os olhos dele arderam sensíveis à luz. — Odeio quando não prestam atenção em mim. Não faça eu atirar em você.
Enji vomitou novamente.
— Não é possível que você teve outra concussão com apenas uma coronhada. Cadê a força ancestral dos Todorokis? Você é mais forte do que isso, por que finge ser fraco? Essa fraqueza tem que ser arrancada de você. — Dabi riu e chutou com a sola da bota Enji na barriga. Ele caiu contra a parede.
— Essas palavras…
— Lindo lema, não? Pregado em todos os slogans da sua empresa. Mas parece que você não é capaz de segui-lo. Que decepção para os ancestrais da família Todoroki.
Ele não conseguiu se levantar do chute. Dabi tirou um cigarro do bolso e Enji ficou assustado pois todo lugar estava repleto de gasolina, inclusive as botas de Dabi.
— Sabe, você é o tipo de pessoa que arruína tudo. — Pôs o cigarro entre os lábios. — Sua família é uma grande merda por culpa sua e agora a minha foda preferida é uma grande merda por sua culpa também. Eu foder com Kei é tipo foder indiretamente com você. Que nojo. Essa vontade de vomitar não passa e não é culpa da gasolina.
— Você fez aquilo com Kei?
— O quê? Foder?
— O incêndio.
— Ah, eu só fui cúmplice. A ideia não foi minha. — Dabi acenou com arma distraído pelo celular de Enji.
— Por quê? — Sentia-se cada vez mais fraco.
Dabi deu de ombros, continuava explorando o celular de Enji.
— Como… sabe… a… senha…?
— Eu sou muito bom nessas coisas e suas senhas são óbvias. Olha só — Dabi mostrou a tela do aparelho para Enji — Nenhum dos seus filhos ligou ainda, não acho que se importam muito com você. Vamos mudar isso?
— Deixe meus filhos fora disso… fui um péssimo pai… eles não têm nada a ver comigo.
Dabi deu uma risada maníaca com o cigarro entre os dentes, chutou Enji novamente e falou quase gritando:
— Ahá! Acha que é assim? Que pode melhorar? Mas eu te digo, Todoroki Enji, o passado nunca morre! Você colhe o que planta!
— O que você… — Enji foi interrompido por outro chute de Dabi, dessa vez no rosto.
— Calado. — Voltou ao estado inexpressivo de sempre com um estalo de dedos. — Vamos ligar para o seu caçula. Ele vai adorar saber do papai querido.
Dabi escolheu um número e ligou. Pôs o telefone no viva-voz:
— Alô? — Atenderam imediatamente, apesar de ser uma voz masculina. Não era a de Shouto. Grave demais para a idade dele.
O maluco com a arma olhou surpreso para Enji e abriu um sorrisinho. O pai tentou avançar, mas Dabi apontou a arma para ele:
— Alô, é Shouto quem fala?
— Não, Shouto foi ao banheiro. É o irmão dele que fala. Natsuo.
A expressão de Dabi mudou e o sorrisinho em seus lábios morreu.
— Quem fala? — Natsuo insistia do outro lado da linha.
— Natsuo. — Dabi repetiu devagar quase inaudível.
— Oi? Olá? Se você não disser nada, vou desligar.
Dabi permaneceu em silêncio com o celular na mão, Enji tentou se mover ou gritar, mas o criminoso apontou a arma para sua testa sem sequer tirar os olhos da tela. Mas não parecia olhá-la de verdade.
— Não fique passando trotes, cara. Não é legal. — Natsuo falou um tanto impaciente.
— Desculpe, não vai mais acontecer. — Dabi olhava estranho para o celular, sua loucura suavizada.
Natsuo ficou segundos calado até que disse desconfortável com a situação:
— Tudo bem.
— Tudo bem sim. — Dabi concordou quase delicadamente.
— É… tchau.
— Adeus, Natsuo.
Dabi encerrou a ligação e permaneceu em silêncio sobre a lata de gasolina. Finalmente virou para Enji e disse:
— Você sempre tem que estragar tudo, não é? — Em seus olhos, antes vazios, havia mágoa tão intensa quanto o turquesa das írises.
O criminoso ergueu a mão e deu outra coronhada no rosto do homem mais velho. Enji cuspiu pergigotos de saliva misturados com sangue. Dabi passou as mãos nos cabelos e se levantou da lata, passou a andar de um lado para outro no cômodo.
— Eu devia te matar aqui. — Guardou o celular no bolso. — Eu devia matar nós dois aqui. Em alguns minutos, Shigaraki chega e depois a polícia. Que tal nós dois dançarmos um tango no inferno? — Dabi tirou do bolso um isqueiro e o acendeu.
— Você é maluco… — Enji gemia.
— Puxei ao meu pai. — ele falou.
Dabi admirava a chama azul do isqueiro.
— A Comissão está te seguindo há dias sabia? Tudo para pegar Shigaraki. Posso acabar com esse joguinho agora. — Estava mesmerizado pela dança que a chama fazia. — Odeio esse tipo de empresa, pensam que podem tudo quando são mais imundos que todo o resto. Odeio você. — Os olhos de Dabi brilhavam muito mais que as chama do isqueiro, pareciam um inferno azul sem fim.
Então ele acendeu o cigarro.
— A Comissão me pagou uma fortuna para eu trair Shigaraki. Não que precisassem me pagar muita coisa. Francamente, eu faria de graça.
— Você não odeia esse tipo de empresa?
— Odeio, mas ela também vai cair e será em breve. A história suja do seu passarinho estará em todos os jornais. Ver sua vida desmoronar será melhor do que qualquer incêndio.
Dabi lhe deu outra coronhada, Enji desabou por um segundo. E quando acordou as correntes não mais lhe prendiam. Dabi jogou as cinzas do cigarro sobre a gasolina, mas nada pegou fogo. Enji não estava mais no mesmo cômodo.
Dabi deu um longo trago reascendendo a brasa da bituca do cigarro e a jogou na gasolina. As chamas cresceram azuis e seguiram por um caminho trilhado cuidadosamente para o cômodo de trás.
— Fogo? — Enji olhou ao redor tentando se firmar sobre os cotovelos, sua cabeça doía tanto que mal conseguia erguê-la. Onde estava? — Fogo!
— Ah, acho que fiz algum dano cerebral aí. — Dabi agachou-se para encará-lo. — Não se preocupe, velhote, o fogo não vai chegar aqui. Planejei tudo com cuidado. O incêndio só vai atingir a parte de trás, mas recomendo deixar esse bar velho mesmo assim. É horrível morrer queimado.
Morrer queimado?
— Shigaraki acabou de chegar pela outra entrada e a polícia também.
— Por favor! Cadê meu filho?
Dabi riu e deu um tapinha bem humorado no rosto de Enji.
— Talvez ele esteja pegando fogo no lá dentro. — o cheiro de fumaça invadia o local.
— O que fez com meu filho?! — Enji tentava sair das chamas imaginárias que o cercavam. Os olhos daquele rapaz eram cheios de fogo, fogo que sairia e incineraria seu filho. Ele deveria estar em algum lugar dali preso sobre escombros. Enji precisava salvá-lo.
— A Comissão chegou. — Dabi falou. — Nossa brincadeirinha acabou, Endeavor. — Colocou algo dentro de sua camisa. — Não tô a fim de ser preso hoje, tenho que ir para o meu ponto de encontro. Pegar minha grana.
— Eu te dou todo o dinheiro que quiser! Me diz onde está meu filho!
— Se você não sabe, quem dirá eu? — Ele se levantou e se afastou.
Fumaça enchia o lugar, o rapaz abriu as portas e luz iluminou toda a sua silhueta assim. Ele era uma figura escura contra um cenário branco, mas seus cílios claros cintilavam o brilho do sol.
— Adeus pra você também, velhote. — Ele olhava para trás. — Que sua vida seja longa e miserável.
Os cílios dele brilhavam pelo sol como se fossem teias de aranha e seus olhos eram de um turquesa tão intenso e profundo quanto o núcleo de um iceberg ou de um motor de foguete. Seus olhos baixos não escondiam. O perfil era bem talhado, contudo suave. A curva do nariz afilado levemente empinado.
Ele se preparava para dar o primeiro passo para fora quando Enji lhe segurou pelo tornozelo.
— Hã? — Seu rosto ficou surpreso, porém continuou despreocupado.
Seu menino lhe olhava com o uniforme da escola, o rosto não tinha nenhum sorriso desenhado, há anos não esboçava um. Ele tinha treze anos, seus membros eram finos e a roupa ficava folgada, mesmo com a numeração correta. Ele não queria ir para a escola nova, dessa vez Enji deixaria ele ficar em casa o tempo que quisesse e o mandaria para a escola especializada que tanto gostou. Mas se ele não queria ir, por que continuava andando? Enji apertou mais o tornozelo do seu menino.
— Não vá. — A umidade embaçava a visão de Enji. — Por favor, não me deixe. Se você for, vai morrer. — Lágrimas quentes se misturavam ao sangue e bile em seu rosto. Ele implorava entre os soluços — Me desculpe, me desculpe. É tudo culpa minha. Seu pai vai fazer tudo o que você quiser agora. Por favor, fique, Touya.
Touya inclinou a cabeça para trás como sempre fazia, seus olhos desceram e apertaram, Enji tinha certeza que estava irritado e decepcionado. Que faria um espetáculo de pirraça daqueles que faz quando estava no limite. Seus pulsos se cerrariam ao lado do corpo e ele começaria a gritar olhando para o chão.
Mas não foi o que aconteceu, ele olhou diretamente para o pai como nunca fez antes. Enji queria que nos olhos dele houvesse ódio, mas havia apenas um brilho de divertimento apático e cansado. Ele jamais pareceu assim quando se tratava do pai estava disposto a demolir toda a casa para ter a atenção que queria. No entanto, ele continuou olhando para Enji segurando seu tornozelo e falou:
— Touya? Quem é Touya? — Puxou o pé do aperto com um balanço. — Eu sou Dabi.
Então deu as costas e seguiu em frente sem olhar para trás. Enji ficou estirado no chão sujo gritando o nome do filho que desapareceu na luz.
Por hoje é só, pessoal!
O que acharam do capítulo? Deixem seus comentários, críticas, teorias e elogios. Digam o que acharam!
Nos vemos amanhã!
Bjinhus!
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