Baldes, armas e escolhas
Keigo andava pelas calçadas tentando não pisar nas riscas, segurava uma maçã enquanto Kyo mordia outra. O menino acertou quase todas as latas hoje,eles foram à loja de conveniência comprar bolinhos e Kyo decidiu levar uma maçã e lhe deu outra. Keigo carregava a fruta brilhante nas duas mãos e pulava as riscas com rapidez pois Kyo nunca esperava ou diminuía o passo.
As mordidas de Kyo na maçã faziam os ouvidos de Keigo estalarem. Kyo parou de andar de repente, Keigo bateu sem querer nas suas pernas e olhou para cima.
— Olha só quem tá aqui. — o cara de casaco de tigre estava a poucos centímetros deles. — Você me fez de otário.
— Fiz? — Kyo perguntou mordendo a maçã.
— Quem pensa que é?! — Agarrou a jaqueta de Kyo.
— Você é muito arrogante pra um delinquente de baixo escalão. Satoshi não mandou você parar de encher?
— Foda-se Satoshi! Você não tem ideia de com quem mexeu! — Apertou e puxou mais a gola da jaqueta de Kyo. Então os olhos dele pararam por um instante. — Eu te conheço de algum lugar.
Kyo jogou a maçã mordida para Keigo e disse:
— Pirralho, vai pra casa.
O menino hesitou, porém assim que Kyo terminou de falar toda a sua atenção foi para o delinquente que lhe segurava. Keigo correu para o apartamento.
Como não tinham lhe dado a chave, Keigo não pôde entrar, ficou sentado abraçando as pernas até elas começarem a formigar. A tarde estava no meio quando Kyo chegou.
Uma bochecha dele estava inchada e o lábio machucado, Keigo ficou de pé na hora ao vê-lo subir as escadas com o rosto batido e duas grandes sacolas nas mãos.
— Você não comeu a maçã? — Kyo perguntou ao abrir a porta e entrarem no apartamento.
Keigo fez que não, ficou preocupado de Kyo não voltar.
— Tive que deixar ele me bater. — Kyo explicou colocando as sacolas sobre a mesa. Ele trouxe vários rolos de sacolas de lixo, fita adesiva e garrafas de vidro turvo. — Não é pra beber isso. — avisou.
— Você tá bem? — Keigo não conseguia tirar os olhos do rosto ferido de Kyo.
— Ainda não, mas vou ficar muito melhor. — Ele sorriu abrindo o primeiro rolo de sacolas de lixo.
Eles jantaram e assim que terminaram, Kyo pegou a grande sacola de lixo azul a abriu no meio com um canivete, fez o mesmo processo com a outra e as uniu em um pedaço maior com a fita adesiva. Mandou Keigo pegar a tesoura, cortar a fita e colá-la nas junções das sacolas. Keigo andava pela grande manta plástica que faziam no chão. Ela ia da porta de entrada fazendo um caminho ao banheiro.
— Tá bom. — Kyo falou assim que bateu meia-noite. Ele enrolou a manta e a guardou no quarto.
Keigo assistiu televisão até seus olhos arderem, caiu no sono no sofá, mas Kyo permanecia totalmente concentrado no computador.
Os dias foram passando, o rosto de Kyo estava melhor e assim que acordava saía todas as tardes em que Satoshi não aparecia. Ele trouxe mais garrafas daquelas e alguns baldes com tampas. Um dia ele trouxe um martelo e uma serra.
Kyo checou o armário vazio embaixo da pia, tirou uma das prateleiras e fez Keigo entrar no espaço vazio.
— Até sobra espaço. — falou e sinalizou para que saísse de dentro.
Ele também comprou um pequeno caderno e um lápis que sempre levava consigo quando saía só.
— Sabe o que é isso, Keigo? — Kyo mostrou um desenho para ele.
— Um mapa? — Deixou a revista de lado.
— Sim. Aqui é onde tem todas as câmeras da loja de conveniência até o apartamento. Todas têm um sistema fechado, então não dá pra invadir. — Kyo mostrou outra parte do desenho feito somente de linhas pontilhadas. — Essa linha aqui é onde não tem câmeras do apartamento até a área fora do domínio da yakuza.
— E isso? — Keigo apontou para a próxima folha que Kyo passou.
— É uma rotina. — Haviam horas e lugares escritos.
— Sua?
Kyo riu:
— Não.
A luz azul da tela era a última coisa que Keigo via antes de dormir todas as noites. Kyo desenrolava a manta por todo caminho da porta de entrada ao banheiro toda a tarde e saía do apartamento logo depois sem acender as luzes.
— Você não tem um capanga pra vir aqui buscar os arquivos? — Kyo olhava distraído para a tela.
— São arquivos importantes demais. — Satoshi respondeu sem olhar para Kyo, apontava para palavras na revista de Keigo e ficava fascinado ao ouvir ele lendo-as.
— Não confia nos seus capangas? — Kyo riu. — Parece até que está escondendo algo.
O hacker quando não trabalhava, passava horas analisando o caderninho e batia o lápis nas páginas. Keigo continuava brincando com Endeavor-san e lendo a revista.
Até que um dia alguém bateu na porta.
— Não é Satoshi. — Kyo falou. Keigo sabia que o yakuza sempre avisava quando vinha para que o homem não “cabulasse" o trabalho. — Pegue a manta, Keigo.
Kyo desenrolou a manta como fez tantas vezes e a colou no chão com fita adesiva. As batidas na porta aumentaram de intensidade. Kyo tinha um sorriso cortante no rosto. Ele desligou as luzes do apartamento e mandou:
— Entre no armário e não faça barulho, pirralho.
O menino entrou e fechou a portinhola, tudo lá era frio e úmido. Keigo ouviu a porta do apartamento ser aberta, pouca luz entrou pelas fresta do armário pois o dia era nublado.
— Surpreso, filho da puta? — Keigo reconheceu a voz irritada. Era o cara do casaco de tigre.
— Goro, a que devo o prazer da sua visita? — Kyo estava calmo. Keigo tentou desacelerar a batida do próprio coração para escutar melhor.
— Pensou que ia fugir de mim? Que Satoshi ia me parar? — Goro, o cara do casaco de tigre, falou. — Você se acha muito esperto, né? Achou que conseguiria me despistar do caminho pra esse apartamento de merda?
— Achei. — Kyo permanecia estranhamente calmo. Keigo estava tão nervoso que o sangue zumbia em seus ouvidos.
— Pensei em um jeito de você me pagar, seu otário. — Ele entrou no apartamento e Keigo ouviu a porta ser fechada. — Trouxe isso aqui.
Kyo ficou em silêncio.
— Chocado, né? Deve trazer lembranças. Sabe de quem eu sou sobrinho, seu otário? Do Hachi, do grupo Miura. — Goro falava com deleite cada palavra saboreando do silêncio de Kyo. — Eles gravavam todo tipo de coisa, não é?
Goro clicou a língua em prazer e continuou:
— Eu sabia que te conhecia de algum lugar, assim que dei play te reconheci na hora. Quer dar uma olhadinha? Você tá muito bonito na capa, não é? Quantos tarados devem ter batido punheta pra você sendo enrabado?
Keigo ouvia os passos de Goro no plástico, mas esse não ouvia nada diferente pois parecia muito ocupado se divertindo ao dizer:
— Eu quis vomitar umas cinco vezes. Quando chegou na parte em que mais outros dois caras aparecem, eu parei de assistir. Você era uma estrela mirim! O que tem para falar sobre sua carreira para seus fãs? — Goro imitou um repórter.
O coração de Keigo palpitava e achava que sua respiração poderia ser ouvida do lado de fora. Tentou reduzi-la ao máximo.
— Seus fãs devem ter ficado decepcionados com a mudança. Trouxe o DVD original de lembrança pra você. Pode ficar.
Keigo ouviu uma embalagem ser aberta.
— Tô sabendo que você deixou de ser uma estrela do cinema e é uma espécie de golpista online muito famoso. Faz transferências ilegais, mexe com cripto e etc. Não entendo muito, mas sei de uma coisa: o que cai na internet é pra sempre. — falou vitorioso. — Fiz várias cópias e se você não quer que isso vaze, é melhor fazer o que eu mando. Quero uma grana forte, sei que dá pra conseguir.
Kyo falou nada em em nenhum momento. Keigo ouviu um “crec”.
— Não adianta quebrar. Fiz várias cópias digitais em contas secretas. — Goro falou animado. — Você tá na minha mão, otário. Não adianta fugir igual tentava nesses vídeos.
— Mais alguém sabe disso? — Kyo perguntou e sua voz estava gélida e metálica igual a encanação embaixo da pia.
Goro riu e falou com prazer:
— Claro que não. Acha que vou perder essa chance?
Kyo não respondeu, voltou ao silêncio absoluto.
— Você é a minha galinha dos ovos de ouro e caso pense em contar para Satoshi, vou espalhar tudo na internet.
Ele não falar nada agitava o peito de Keigo. Goro riu e começou a listar suas exigências:
— Primeiro, você vai me dar uma boa quantidades dessas cripto-… cof!
O gângster não falou mais nada, Keigo somente sons sufocados e líquido sendo derramado contra a manta preenchiam o ambiente. Borbulhos, um baque contra o chão plastificado e depois vários sons abafados seguidos que não conseguia saber o que. Alguém tentando falar, mas engasgando, as palavras morrendo antes de saírem pela boca. Keigo lembrou de um documentário em que viu porcos morrendo. Os sons ritmados se prolongaram muito mais que os outros e de repente pararam.
Kyo suspirou e arfou cansado. Ele começou a arrastar algo para o banheiro, Keigo ouviu mais barulhos de sacolas sendo rasgadas e fitas puxadas.
O menino abriu a porta do armário com cuidado para não ranger e saiu na ponta dos pés, ao rodar a mesa viu que a manta azul agora era vermelha, havia muito mais sangue do que quando Kyo foi ferido, era como se um balde fosse esvaziado ali. A poça seguia pela manta de plástico até diminuir em um rastro que levava para o banheiro e perto da trilha sangrenta havia um DVD partido ao meio com pontas afiadas que brilhavam mesmo imundas de sangue e pedacinhos de algo branco grudado.
Keigo não conseguia entender. Kyo se machucou de novo? Seu cérebro gritava algo que o menino não conseguia decodificar. Só sabia que tinha a ver com não estar ali.
O som da fita sendo rasgada parou e os passos de Kyo ressoaram no plástico, Keigo correu e voltou ao armário. O coração esmurrava a caixa torácica.
Keigo abriu um pouquinho a porta do armário e observou Kyo chegar na sala. Os braços dele estavam vermelhos e seu rosto pálido manchado de sangue, ele trouxe os baldes do banheiro e vários panos. Ajoelhou na manta e começou a limpar.
De repente, olhou sobre ombro, Keigo selou a portinhola imediatamente.
As pernas de Keigo formigavam e tudo era tão escuro que mal conseguia ver o próprio Endeavor-san que segurava contra o peito.
Alguém bateu na portinhola do armário:
— Pronto. — Kyo mandou.
Keigo abriu a portinha e suas pernas doeram ao tocarem o chão. A manta sumiu e o cheiro forte de água sanitária queimou o seu nariz, Kyo não tinha mais nenhuma gota de sangue em si e seus cabelos estavam molhados pelo banho.
— Qual sabor de noddles vai querer?
Seus olhos ardiam pelo cheiro da água sanitária e mesmo que não, não sentia a mínima fome.
— Alga. — respondeu mesmo assim porque sentia que tinha que responder.
Lembrou de todo aquele sangue no chão, não havia nenhuma gota dele no apartamento que estava mais limpo do que nunca, mas no canto havia uma sacola de lixo amarrada.
— Vou abrir uma janela para esse ar sair. — Kyo falou logo após colocar a água para ferver.
Ele abriu a única janela que tinham no apartamento, era a da área de serviço, Keigo viu que os baldes que antes ficavam no banheiro estavam todos lá sobre uma manta igual a que fizeram, mas não a mesma. O menino soube que era tarde quando Kyo ligou a televisão e passava a sessão coruja.
— Odeio esse filme. — Kyo lhe deu o pote de noddles. Apesar dele falar assim, estava de muito bom humor, bom humor esse que Keigo jamais viu antes.
Kyo estava leve como naqueles comerciais de refrigerante que passavam no verão.
— E o moço do casaco de tigre? — Keigo perguntou baixinho encarando o próprio noddles.
— Ele sumiu. — Kyo misturava seu macarrão.
— Sumiu?
— É, pra sempre. — Kyo apontou com os hashis para o filme de feiticeiros na televisão. — Tipo mágica.
Keigo levou um pouco de macarrão à boca, estava enganado, sentia fome sim e se sentiu mal por isso.
— Gosta de mágica, Keigo? É muito fácil fazer alguém desaparecer. Tudo o que você precisa é uma serra e ácido sulfúrico.
Kyo saiu do apartamento com a sacola de lixo, passou umas duas horas fora e voltou sem ela. E durante três noites ele fez isso, então os baldes e as mantas também desapareceram.
***
Satoshi não estava de bom-humor.
— Goro está desaparecido há quase um mês. — Ele sentou na cadeira da mesa onde Kyo trabalhava. — Ninguém sabe de nada e não há imagens mas câmeras.
— O que eu tenho a ver com isso? — Os olhos verdes refletiam a luz da tela do computador.
— Goro mexeu com você. — Satoshi acusou sussurrando. Achava que Keigo dormia no futon.
— E daí? Eu não me daria todo esse trabalho.
— Não? — Satoshi falou incrédulo. — Eu sei o que você fez no grupo Miura.
— Não fiz nada.
— Eu tenho provas.
Kyo parou de digitar, suas pernas cruzadas sobre a mesa trocaram de posição:
— Quais? Por que não me mostra?
Satoshi bateu frustrado um punho na mesa e logo se arrependeu.
— Que porra você tem na cabeça?! — sussurrava muito irritado. — Você acabou com o seu próprio pai! Entrou na casa de um yakuza aposentado, deu fim em toda a família dele, dá golpes como se fosse viciado nessa porra e agora tá desaparecendo com os meus homens!
— Por que não larga a yakuza e vira escritor?
— Caralho! O chefe tá cego por causa dessa grana e não enxerga a porra louca que você é! Por que matou Goro?!
Keigo ficou arrepiado.
— Por que seria eu? Ele não era querido por ninguém e o seu próprio chefe não gostava muito dele. — Os dedos voltaram a correr velozes pelo teclado. — Pode ter sido ele que fez ou mandou.
— Goro é sobrinho de um figurão do grupo Miura! Veio aqui pra aprender sob a nossa custódia.
Kyo suspirou entendiado, seus olhos não desviavam da tela assim como os dedos não paravam.
— Diz ao menos onde o corpo tá pra gente inventar alguma desculpa!
— Eu não tenho nada a ver com esse Goro.
O yakuza respirou fundo e ajustou os óculos escuros no rosto. Voou para Kyo agarrando-o pela camisa preta, encaravam-se olho-a-olho:
— Estão falando em guerra, porra! Tem ideia do que quer dizer?
O hacker riu:
— Preocupado que seus planos não darão certo?
— O que? — A expressão de Satoshi mudou.
— Eu sei que você virou um infiltrado da Comissão. A especulação imobiliária é mesmo cruel, não?
— Mas o que? — O tom de Satoshi mudou, porém ele não largou a camisa de Kyo.
— Você tá repassando tudo o que eu tô fazendo para o seu grupo para a Comissão. Eles querem foder com o grupo através de sonegação fiscal.
— Você…
— Francamente, eu não me importo. Mas graças a você, eu consegui entrar no sistema deles… e eles têm uns esquemas que até a yakuza ficaria assustada.
— Vou te entregar! — Satoshi não ligava mais para o volume da voz.
— Para o grupo porque eu não falei nada sobre o seu trabalho de espião ou para a Comissão por eu ter usado você pra entrar no sistema deles?
— Vou te matar! — Sacudiu Kyo.
— Ah, é? No momento, sou mais valioso para o chefe vivo do que morto, você é o responsável por mim, se acontecer qualquer merdinha comigo a culpa é sua. Não sou descartável, você é e sabe disso. Todos os yakuza são.
Satoshi tremia de ódio. Sacudiu Kyo mais algumas vezes e o jogou contra uma parede.
— Quando tudo isso acabar, eu vou te…
— Volta a dormir, Keigo. — Kyo falou de repente.
O gângster virou para o futon percebendo o menino sentado observando os dois.
Satoshi saiu furioso do apartamento.
***
Eles não saíam mais do apartamento, os dias eram mais pesados do que antes, uma grande tensão se formava no ar e somente Kyo não parecia perceber ou se importar.
— Parece que vai começar. — ele disse um dia enquanto assistiam o noticiário na televisão. — Esse Todoroki Enji é realmente tudo isso que você acha?
Keigo acenou que sim, Kyo riu e voltou para o computador:
— Vamos ver.
Satoshi reapareceu com o cabelo bagunçado e olheiras desenhadas na cara.
— O grupo Miura matou dois dos meus homens.
— Todo mundo é descartável. — Kyo não deu muita importância.
— Nós vamos acabar uns com outros assim. — Passou a mão nos cabelos com gel. — Ninguém vai ganhar.
Kyo deu de ombros.
Em uma noite, Kyo decidiu que não usaria o computador, apenas sentou no sofá e assistiu o noticiário com Keigo:
— Nada ainda. — ele falou. — A televisão ainda não disse nada, mas isso vai mudar. Esses yakuza vão se auto devorar. Há uma briga pelo território.
— Satoshi vai ficar bem? — o menino comia o frango frito que ele trouxe da última vez.
— Ele vai morrer como os outros. Só vai demorar mais.
— Eu não quero que Satoshi morra…
Kyo riu, apoiou a cabeça no punho e disse atento à televisão:
— É o destino de todos yakuza. Nunca vi nenhum morrer de velho.
— Você também?
— Eu não sou yakuza. Antes de tudo isso terminar, já estarei longe daqui.
Keigo não sabia onde estaria.
— Satoshi disse que quer abrir uma loja.
— Pra lavar dinheiro? — Kyo ergueu uma sobrancelha e um esboço de sorriso desenhou em sua boca.
— Ele não quer ser mais yakuza.
— Por isso tá traindo junto com a Comissão? — Kyo riu. — Ele pode até dar outro nome, mas é tudo o mesmo. Não vai mudar nada. Há coisas que são pra ser.
— Ele não pode melhorar? — Keigo estava legitimamente curioso. — Ele disse que quer.
— Melhorar o que? Ninguém melhora de verdade, Keigo. Sua mãe vai continuar sendo uma drogada, Satoshi um mafioso e assim vai.
— E você?
Pela primeira vez, viu Kyo ficar surpreso.
— Eu?
O menino acenou concordando. Kyo parou para pensar, desviou o olhar para a televisão e falou entretido:
— Gosto de ser assim.
Então Kyo, olhou para o telefone, vestiu a jaqueta e saiu uma única vez do apartamento naquela semana.
***
A bolsa de Kyo estava aberta, Keigo tinha todos os instantâneos empilhados nos braços tão altos que praticamente tampavam sua visão.
— Alga não. — Kyo descartou o sabor para longe. — Por que tanto frango? — Colocou-os dentro. — Pegue as toalhas da secadora. — Kyo mandou enquanto ajustava os cartuchos de munição sobre a comida pré-pronta.
O menino obedeceu e saiu correndo do quarto para buscar as toalhas. Elas estavam limpinhas e sequinhas.
Quando Keigo voltou para a sala carregando as toalhas viu que seu futon estava bagunçado e Endeavor-san sumido assim como a revista. Correu para o futon e revirou os lençóis.
— O que tá fazendo? — Kyo surgiu na porta do quarto carregando a bolsa em um ombro. — Cadê as…
A porta do apartamento foi arrombada, Satoshi invadiu com uma arma na mão e apontou ela para Kyo.
— Acabou! — o gângster gritou. Sirenes eram ouvidas ao longe por todo distrito, mas estavam fracas demais naquela área. — O grupo local já era, foi uma represália porque alguém deu um tiro em Hachi e no nosso chefe no ponto em que devíamos negociar a paz!
— Eu sei. — Kyo falou. — Vocês não deviam ter marcado o ponto por telefone. Foi bem idiota.
— Caralho! Porra! Qual é a merda do seu problema?! A polícia tá prendendo todo mundo!
— Quer dizer que a Comissão ganhou a guerra. O que tá fazendo aqui?
— Levanta as mãos, porra! — Satoshi ordenou pois Kyo tinha uma mão enfiada na bolsa.
— Não.
— Vai fazer mesmo eu atirar em você na frente do seu filho?!
Não era novidade para Keigo, há tempos desconfiava, mas ouvir as palavras teve impacto de qualquer forma.
— Keigo, vem aqui. — Kyo mandou sem desviar o olhar de Satoshi.
— Não vai, garoto!
— Vem, Keigo. — Kyo insistiu calmamente. — Não tenho todo o tempo do mundo.
— Não escuta ele, Keigo! É um puta de um sociopata! Ele matou o próprio pai e depois o padrinho que acolheu! Não escuta ele! — As mãos de Satoshi tremiam segurando a arma.
— Você não vai conseguir nada com isso. — Kyo aconselhou o gângster.
— Deus sabe-se-lá o que você vai fazer solto por aí!
— Fala como se você não fosse um criminoso. Vem, Keigo.
— Ele quer te usar de escudo, garoto! Sabe que eu não vou atirar se estiver com ele! Não vai!
Os ombros de Kyo tremeram com a risadinha que deu.
— Ele não gosta de ninguém, garoto! Ele atirou em quem acolheu ele! Matou um monte de gente só por matar! Só tá te usando!
O menino permanecia parado no mesmo lugar sem saber para onde ir e sem ter onde se esconder.
— Keigo, vem logo.
— Esse porra não ama ninguém!
Kyo abriu um sorriso e disse:
— Quanto tempo demorou pra elaborar essa frase de efeito?
— Puta que pariu! — Satoshi xingava tanto que perdigotos voaram da sua boca. Uma fina camada de suor formava-se no rosto. — Seu joguinho psicótico acabou!
Keigo não sabia para onde ir, estava bem no meio entre os dois. Ninguém parecia dar um passo além disso.
— Keigo, vem aqui.
— Eu vou atirar em você, caralho!
— Vem, pirralho. — Kyo insistiu no seu tom monótono.
Satoshi grunhiu furioso e frustrado.
— Puta que pariu! Foda-se! Se ele der um passo na sua direção, eu atiro em você!
Kyo olhava desinteressado para o gângster que lhe apontava a arma. Sua mão direita continuava dentro da bolsa.
— Ouviu o que ele disse, Keigo. Se você vier para mim ele atira de qualquer jeito. — Kyo encarou diretamente o menino. Seus olhos eram afiados como a serra e ácidos como o conteúdo que tinha naqueles baldes. — Esse é o cara que quer melhorar? Vai com ele logo. — Kyo acenou com o queixo.
Ele hesitou antes de dar o primeiro passo para Satoshi que esticou a mão para segurar a sua. Quando Keigo pôs os dedos sobre os dedos suados dele, ouviu-se um estampido.
Satoshi caiu para trás de repente, do ombro dominante brotou um ponto vermelho, ele largou a arma com um grito gutural. Keigo ficou sem reação, tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas pareceu durar uma eternidade. Mais quatro estampidos foram ouvidos, o terno branco de Satoshi agora era um campo de botões vermelhos desabrochando em flor e seus óculos escuros voaram.
Kyo já estava em cima deles, Satoshi encostado no armário deixou uma trilha de sangue ao deslizar dele para o chão.
A mão de Kyo ainda estava dentro da bolsa, mas ele usou a outra para atirar, de alguma forma ele escondeu a arma na manga. Kyo assim como o filho era ambidestro.
— Tchau. — Kyo apontou a arma para a cabeça de Satoshi que tinha uma linha de sangue saindo da boca. Respingos atingiram Keigo.
— Não! — Keigo se meteu na frente bloqueando a mira.
— O que é isso, Keigo?
— Não!
— Sai da frente. Ele já tá morto. Fazer isso não vai mudar nada.
Satoshi tossia atrás de si e gemia em agonia. Ele parecia muito vivo para o menino ainda.
— Não vou deixar a polícia saber o que aconteceu aqui.
As pernas de Keigo tremiam, mas ele permaneceu firme na frente da mira. Sentia o leve cheiro de pólvora.
— Não vai fazer o que eu falei? Vou atirar em você.
Keigo acenou que não. Kyo o encarou profundamente, algo inescrutavel passou por suas írises, nunca ninguém havia olhado lhe olhado dessa forma.
Então ouviu um pequeno rangido, fechou os olhos imediatamente, mas nada aconteceu. Abriu os olhos com medo de assim que o fizesse levasse um tiro na cabeça.
— É, parece que estou sem balas. — Kyo falou olhando para a arma.
A mão dele na bolsa se mexeu, ele procurava um novo cartucho para arma e quando a puxou de dentro… era Endeavor-san.
Kyo segurou firme o boneco por alguns segundos enquanto perscrutava Keigo, então jogou-o para o menino. Que assustado o pegou sem hesitar.
O homem pegou a arma de Satoshi e escondeu-a na jaqueta. Suspirou e deu a centelha de um sorriso para o menino.
Virou e correu para porta, de repente parou e olhou sobre ombro para Keigo ao lado de Satoshi. Kyo parecia querer falar algo, mas sua boca não se moveu. Seus olhos não pareciam afiados como antes e a centelha do sorriso desapareceu. Keigo nunca conseguiu decifrar o que aquele olhar quis dizer.
A arma na mão de Kyo continuava igual. Keigo quis dar um passo, mas antes que pudesse, o homem virou por completo e sumiu.
Keigo ficou vendo a porta vazia.
— Garoto… — Satoshi pediu. Keigo foi de imediato para ele, segurou seus ferimentos, mas só tinha duas mãos para tantos furos.
Keigo enfiou a mão no paletó dele até encontrar o celular e viu que um número ligava. Era Nagant.
Keigo atendeu.
E aqui terminamos o flashback! Esse capítulo foi bem longo. O que acharam dele? Kyo é uma personagem complexa?
O que acharam do capítulo? Deixem seus comentários (podem ser longos, eu sempre leio tudo), críticas, teoria e elogios!
Espera aí que tem mais um capítulo para hoje ;)
Bjinhus!
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