Capítulo 8
Eram quase oito horas da noite e eu estava tentando ensinar o Barry a fazer as necessidades dele na rua. Tive um pequeno progresso, o que já era melhor que nada. Estava fazendo a dança da vitória quando ouvi uma voz grossa que fez todo o meu corpo se arrepiar.
- Oi.
Virei devagar e me deparei com aqueles olhos incrivelmente pretos de um brilho fascinante, que me fazia associar ao espaço e pareciam me puxar até eles.
- Oi, Dr. Carlos – Disse procurando o saco para limpar a sujeira do Barry.
- Deixa que eu faço isso.
Carlos pegou o saco plástico da minha mão limpando a sujeira do Barry e jogou tudo em uma lixeira próxima. Ele se abaixou e pegou meu cachorro no colo.
- Esse amiguinho vai ficar enorme.
Olhei rapidamente para o Barry que estava cheirando a mão do veterinário.
- Sim, eu sei e já estou com medo. Ele vai ficar maior que eu.
Dr. Carlos riu.
Isso foi uma concordância ou é impressão minha?
- Não é para tanto também, talvez ele fique do seu tamanho.
Fiz uma cara de ofendida digna de Oscar.
– Você sabia que ele não pode ficar na rua enquanto não tomar as vacinas? – perguntou enquanto acariciava a cabeça do Barry.
- Claro que eu sabia – pelo menos sei agora – é só para ele se aliviar.
- Sei.
Nem preciso comentar o silêncio mortal que ficou depois disso e eu comecei a me balançar sobre os calcanhares incomodada. Pelo silêncio e pelos olhares que o homem me lançava, acompanhado de sorrisos irresistíveis, ele parecia estar muito bem confortável adorando aquele momento. Eu, por outro lado, não conseguia pensar em nada inteligente para falar. Quando ia pedir o Barry de volta para eu ir pra casa, Carlos decidiu falar:
- O que vai fazer agora?
Tinha certa expectativa e esperança nos olhos.
Comecei a pensar se deveria mentir e inventar algo emocionante, ou simplesmente encarar a realidade e dizer que iria me trancar na minha rotina óbvia de sempre.
Ele abriu um sorriso encorajador e percebi que não tinha motivo para mentir.
- Nada, só ir pra casa.
Ele ficou me olhando pensativo e pareceu se decidir de algo.
- Que tal irmos comer uma pizza? Sou novo aqui e não conheço ninguém.
Fiquei olhando pra ele tentando decidir se esse tipo de convite era normal ou ele era louco.
Provavelmente é louco...
– Por favor, eu odeio comer sozinho – disse fazendo a cara do gato de botas.
Não pude resistir.
... E eu sou mais louca ainda.
- Está bem, vamos comer pizza – como se isso fosse um enorme sacrifício – só tenho que deixar ele em casa – apontei para a bola de pelos nos braços dele.
- Claro, eu te acompanho.
Dr. Carlos colocou meu bichinho no chão e passou a caminhar ao meu lado em um completo silêncio. Quando chegamos no prédio ele ficou do lado de fora enquanto eu subia com o Barry para deixá-lo no apartamento.
Cinco minutos depois estávamos caminhando para uma pizzaria próxima, em silêncio (de novo). O veterinário, já não tão estranho, ficou a maior parte do caminho me lançando olhares e sempre percebia que eu estava olhando, abria um sorriso ou piscava um dos olhos, o que me deixava constrangida. Quando estava começando a ficar incomodada por não conseguir entender nada disso, avistei o estabelecimento de destino ao longe e logo comecei a ficar animada.
Pizza anima qualquer pessoa.
Escolhemos uma mesa perto da janela e pedimos logo - com unanimidade - uma pizza de presunto. Apoiei a cabeça na mão esquerda e fiquei observando o movimento da rua. Inspirei profundamente... O vai e vem das pessoas é sempre curioso. A pressa exagerada de uns e a calma profunda de outros dá um enorme contraste de que cada um é um e que estamos sempre sendo motivados por momentos.
- Então... – Carlos chamou a minha atenção, me voltei pra ele imediatamente. – estive pensando que eu não sei nada sobre você, a não ser seu nome. Você também não sabe nada sobre a minha pessoa, a não ser meu nome. Que tal começarmos do zero?
Concordei lentamente.
– Ótimo! Prazer, meu nome é Carlos e eu sou médico veterinário. - Carlos abriu um sorriso enorme mostrando todos os dentes, me oferecendo a mão para apertar.
Segurei a sua mão e entrei na brincadeira.
- Muito prazer, Carlos. Meu nome é Lívia, tenho vinte e cinco anos, sou engenheira química e você não me disse a sua idade - acusei com um sorriso de lado levantando a sobrancelha esquerda.
Vale ressaltar que ele ainda estava segurando a minha mão ou seria eu que ainda segurava a dele?
Nunca saberei.
- Só conto se prometer não contar pra ninguém.
- Eu prometo.
Carlos se aproximou, debruçando-se sobre a mesa, e envolvida pelo clima, fiz o mesmo prendendo o ar enquanto aguardando a resposta misteriosa.
- Tenho mais de trinta, menos de quarenta e o segundo digito é um número par e primo – ele abriu sorriso travesso de lado.
Me joguei no encosto da cadeira com força, cruzei os braços e soltei o ar com raiva. Ele claramente está tentando "testar" os meus conhecimentos matemáticos com algo que se aprende na infância.
Com isso chego à conclusão que ele não é louco, mas sim irritante.
- Idiota – murmurei fazendo biquinho.
- Então, quantos anos eu tenho? – Seu rosto estava iluminado de pura animação.
- Trinta e dois. – respondi birrenta - Você deve ter esperado muito tempo para fazer essa charada ruim né?
- Não entendi a ênfase no muito, mas eu a criei quando fiz trinta, e fiquei esperando ansiosamente os trinta e dois para poder fazer.
- Claro que entendeu a ênfase, você é velho. As dores nas costas já apareceram?
Ele riu e se levantou colocando a cadeira do meu lado.
- Ainda não, pois estou em ótima forma, olha só. - levantou a manga da camisa exibindo os músculos dos bíceps.
Respirei fundo tentando controlar o riso, falhei é claro.
- Bomba não conta.
- Ei, não é bomba! – Carlos levou a mão aos peitos em um gesto dramático e ofendido, alguém traga um Oscar para esse homem - como ousa machucar meu pobre coração assim?
- Você vai se recuperar.
Rimos e logo a pizza chegou.
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