Capítulo 1
Com um longo suspiro apoiei a cabeça no volante me amaldiçoando pela milésima vez por não ter comprado uma moto. Sempre tinha esse arrependimento quando ficava presa no engarrafamento, o que se resumia a todos os dias em que trabalhava, e alguns outros em que resolvia sair de casa. O carro a minha frente andou meio metro e parou de novo, e claro que eu o segui com certa impaciência. Uma Kawasaki z300, preta, passou a toda velocidade à minha direita, costurando pelo engarrafamento exatamente como eu queria fazer nesse momento. Suspirei irritada.
- Tudo bem, Lívia, você fez uma escolha, menina. Lembre-se que seu pai ameaçou jogar a moto fora se você a comprasse. Foi uma boa escolha apesar de não morar mais com eles; e se continuar repetindo isso, quem sabe assim você comece a acreditar – falei com um sorriso desanimado.
A vida é feita de escolhas, certo? Eu fiz a minha e iria levar até o fim.
Eu ia conseguir.
Depois de uma hora no engarrafamento, consegui chegar em casa e estacionei o carro já pulando dele para pegar o elevador antes que voltasse a subir. Subi para o sexto andar e enquanto esperava, fiquei me balançando sobre os calcanhares, esperando ansiosa para chegar logo. Assim que a porta abriu saí o mais rápido que pude e quase corri porta adentro quando me aproximei da entrada. Joguei a mochila no sofá e em desespero comecei a todo custo tentar soltar o sutiã, e quando tirei, dei um gemido de alivio bem alto ali. Naquele momento memorável e inesquecível eu ganhei o meu dia.
- Oh, a melhor parte do meu dia. Definitivamente a melhor! – gemi de felicidade.
Tirei a camisa e larguei na mesa de centro, me livrei da calça e joguei em qualquer lugar. Com alguns chutes ninjas também tirei os tênis indo rapidamente caçar algo para comer. Pizza gelada e refrigerante me pareceu ótimo. Me joguei no sofá e comecei a assistir a um filme.
O meu apartamento é pequeno, mas é meu. No começo eu o dividia com a minha melhor amiga, Babi, mas ela encontrou o amor da vida dela – palavras dela não minha – e foi morar com ele. Eu dei a maior força, é claro, mas só de pensar nessa baboseira de "amor da minha vida" eu ficava enjoada. Não que eu fosse contra nem nada, eu só não conseguia acreditar que existia uma pessoa certa para cada um, uma tampa para cada panela. Isso era muita doideira.
Sempre que eu dava a minha opinião para a minha amiga a resposta – claro - era sempre a mesma:
"Um dia você vai encontrar a tampa da sua panela, Liv, mesmo você sendo uma frigideira; então vai ter que engolir a própria língua." Ela sempre dizia.
Claro que eu dava a única resposta merecida e quase automática nesse momento, que era revirar os olhos e bufar.
Babi é magra de dar inveja, mas não magra do tipo seca. A pele bem clara, igual porcelana, com um corpo bem delineado. Me admira que tenha ficado tanto tempo sozinha antes de conhecer o Tony. Talvez, o motivo tenha sido essa crença dela no amor arrebatador, mas devo dizer que apesar disso ela demorou bastante tempo para perceber e se render ao que sentia por ele. Tempo demais, eu diria. E obviamente não preciso nem mencionar em como os discursos de "tampa para cada panela, até mesmo para frigideiras" intensificaram depois que começaram a namorar... para o meu completo desespero.
Estava terminando de comer quando o celular começou a tocar em algum lugar da mochila. Depois de alguns segundos de procura eu o achei e atendi imediatamente.
- Oi, mãe, tudo bem? – saudei embolada por ter um pedaço de pizza na boca.
Uma chamada perdida da minha mãe resultaria em uma hora de bronca sobre como eu sou imprudente e no quanto a deixo preocupada com a falta de um relatório diário das minhas ações.
Claro que eu não queria ouvir esse sermão mais de uma vez por semana, coisa que já tinha acontecido naquela.
- Tudo sim, filha, só queria te lembrar do almoço de domingo.
Revirei os olhos, eu obviamente não queria ir. Ficar em casa fazendo vários nadas era meu hobby preferido.
- Claro, mãe, não me esqueci. Aliás, estamos falando de comida! – eu quase conseguia ouvir seus olhos revirarem pelo telefone - Estarei ai às dez horas em ponto para te ajudar no almoço.
- Ficar me vendo fazer o almoço, você quer dizer, né?
- Ah, mãe... Da no mesmo. O que vale é a intenção, certo? – certo?
- Sim, Lívia, o que vale é a intenção – minha mãe respondeu com um ar cansado, mas rindo no final – bom, filha, só queria te lembrar mesmo. Até domingo.
- Até, beijos – desliguei o celular e joguei em algum lugar no sofá, determinada a continuar assistindo o filme.
Ok eu sei que a minha vida não era muito agitada. Ela praticamente se resumia a ir ao laboratório de segunda a sexta e o tempo livre eu passava assistindo serie, filme ou lendo livro. No meu conceito era uma vida boa: fazia o que queria quando queria, tinha um bom emprego que eu adorava, ganhava bem e morava só. Quantos, aos vinte e cinco anos, poderiam dizer que têm tudo isso e ainda ter um mestrado? Bem poucos, eu diria. Eu deveria estar fazendo doutorado a essa altura, na verdade, mas estava me dando folgas prolongadas antes de iniciar. Eu merecia isso.
Foi divagando sobre o meu futuro doutorado que peguei no sono ali sofá mesmo, sem ver o final do filme.
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