Capítulo 1 - Monggu e Darwin
Você curou todas as minhas doenças,
Você me banhou,
Me alimentou,
Me prendeu na sua jaula que eu jurava ser feita de amor.
Do Kyungsoo era um homem sério e considerava-se sem tempo para besteiras. Agnóstico e cético, não era apegado a ideias fatalistas. Tudo na vida para ele era uma construção do que você conseguia ao ir procurar seus sonhos e suas metas em outras cidades, estados, regiões. Tudo para ele dependia das oportunidades que lhe eram dadas e que o mesmo construía com o passar dos anos. Aprendera desde cedo que destino era apenas uma invenção criada por tolos, e isso se mantera ao longo de sua vida. E qualquer um poderia dizer que aquilo o tornou sério demais, descrente demais ou até mesmo frio para consigo mesmo, mas jamais poderia dizer que aquilo lhe tornou um ser humano ruim. Kyungsoo era a definição humana para bondade, e qualquer um que tivesse convivido a seu lado confirmaria a afirmação. Porém, ele não necessitava que alguém fizesse isso para si. A prova de sua benevolência estava em tudo que dizia ou fazia, no seu modo de agir para com os outros. Comprovava-se no fato de que tinha escolhido psicologia como sua área de atuação, porque queria ajudar os outros. Comprovava-se no fato de que, exatamente nas suas férias, resolveu se voluntariar para trabalhar num centro de ajuda. Não receberia nada, talvez sequer gratidão, mas faria aquilo com orgulho.
Quando viu no noticiário que várias pessoas foram usadas como cobaias para testes de fábricas de pílulas da felicidade, ficou horrorizado. Queriam vender sentimentos em prateleiras e estavam gerando traumas. Aquelas pessoas cresceram sendo abusadas de diversas formas e precisavam de ajuda. E se o Do poderia fazer algo, ele faria sem pestanejar. Por esse motivo, adentrou o site do Projeto Asas de Pássaro, que pretendia prestar ajuda a todas as vítimas com apoio psicológico. A aba de inscrições possuía o design simples da época. Era pedido para que comparecesse com todos os seus documentos pessoais, certificados e permissões na cidade de Nyeonsae, onde morou até determinado tempo atrás. Vivia em Yangyang, cidade extremamente próxima da cidade. Não conseguiu ir para muito longe de onde morou durante toda a sua infância. Ficaria feliz de voltar lá durante aquele tempo. Ajudaria as pessoas e aproveitaria suas férias ao mesmo tempo.
Uma nostalgia gostosa alcançou seu peito ao respirar o ar úmido matinal de Nyeonsae. As árvores deixavam o mesmo mais puro, e a aparência ensolarada do local aquecia sua alma.
Desceu de seu velho chevrolet azul e apertou a campainha do enorme estabelecimento, esperando pacientemente até que uma mulher na faixa dos quarenta anos, de longos cabelos escuros aparecesse, vestida com um vestido longo na cor verde.
- Senhor Do Kyungsoo, correto? - indagou, sorrindo para ele simpaticamente e curvando-se numa reverência.
- Isso. - anuiu, sendo recíproco ao ato alheio. - Posso saber o seu nome?
- Sou Kim Yunhan, sou diretora do projeto. - explicou, com orgulho sendo demonstrado na própria voz. - Entre, por favor!
Os olhos grandes do Do vagaram pelas paredes do grande corredor enquanto a seguia. O estabelecimento lembrava a decoração de antigos palácios europeus, com cerâmicas cobrindo as paredes e o chão e até mesmo colunas sustentando o teto alto.
- Aqui funcionava um museu até um ano atrás. Eles construíram há dois anos, mas resolveram se mudar para um estabelecimento em Sokcho. - explanou, novamente, a mulher.
- Interessante... - comentou. - Os quartos dos pacientes ficam no andar superior?
- Sim. - anuiu, rapidamente. - Temos doze quartos no segundo andar, ao que dez deles estão sendo ocupados por nossos pacientes.
- Nossa! Dez vítimas apenas na península de Gangwon-do? - conseguiu se surpreender com a constatação.
- Na verdade, só na região do nordeste de Gangwon-do. - a mulher murmurou, com pesar. - É triste, mas muitas crianças foram sequestradas por aqueles monstros.
- Já prenderam todos os envolvidos? - questionou, interessado.
- Ainda há alguns fugitivos e um único ao qual sequer sabemos o nome. - ela suspirou, em cansaço. - Porém, prefiro focar em ajudar as vítimas.
- Claro, claro. Qual será minha sala e com quais pacientes trabalharei?
A mulher pareceu lembrar-se de algo naquele momento e seus ombros tensionaram-se.
- Senhor, esqueci de te falar um importante detalhe.
Kyungsoo deixou a cabeça pender para o lado, desconfiado.
- Pode me contar agora. - disse, por fim.
- Pretendemos manter um psicólogo para apenas um paciente. Queremos total estudo e dedicação ao bem psicológico de cada um, e acreditamos que se pudessem se dedicar a cada vítima em especial, o foco seria melhor direcionado. - informou, movendo as mãos enquanto as palavras saíam da própria boca.
Levou alguns segundos para que o psicólogo avaliasse a situação.
- Não vejo problema algum. - murmurou.
- O único problema senhor...é que o único paciente que lhe sobrou fora o mais problemático que conseguimos encontrar.
Uma risada curta escapou pelos lábios do homem. Aquilo era praticamente um insulto.
- Se ele não fosse realmente problemático, não precisaria de um psicólogo. Eu lido com isso, não se preocupe.
○○○
O psicólogo e a mulher pararam em frente à uma porta branca no fim do corredor. Através dela estaria a pessoa de quem ele cuidaria durante os próximos meses.
- Precisamos dopar ele para colocar algo em sua boca e fazê-lo comer. - a mulher informou claramente estressada ao lembrar do caso. - Se conseguir ao menos fazê-lo comer, você estará fazendo um incrível trabalho.
- Ele fala algo ao se negar a comer? - Kyungsoo interessou-se na informação.
- Diz que tiramos ele de seu Mestre. - suspirou ela, massageando as têmporas. - Resmunga que, se não o tivessemos tirado da rua, ele voltaria para lhe buscar.
A língua do homem pressionou a própria bochecha. Aquilo parecia uma Síndrome de Estocolmo, e era...interessante.
- Muito obrigada por informar. - agradeceu, com um pequeno sorriso. - Te passarei meu relatório mais tarde.
A mulher fez uma pequena reverência antes de simplesmente começar a seguir caminho.
Respeitoso, Kyungsoo bateu na madeira pintada da porta com o punho, como se fosse uma visita de uma casa qualquer.
- Olá! Poderia entrar? - pediu, colocando os ouvidos na porta para ouvir a resposta, que, infelizmente, não veio.
Com um suspiro, o Do virou a maçaneta, abrindo a barreira e avistando uma figura encolhida na grande cama. O quarto inteiro era lotado de flores, mas algumas estavam murchando, e as quatro janelas na parede estavam fechadas, deixando o ambiente escuro. O homem ali era grande. Parecia mais alto que o próprio Kyungsoo, ao menos sendo visto por aquele ângulo. Vestia um calção e uma camisa brancos folgados. Não conseguia perceber muitos detalhes por conta da falta de iluminação. Sabia que ele tinha consciência de que havia adentrado o espaço, mas ele simplesmente ignorou sua presença, sequer olhando para trás para ver seu rosto.
O psicólogo aproximou-se devagar, tentando precaver algum susto que poderia dar no homem. Pouco mais próximo da cama alheia, ainda na escuridão, seus olhos avistaram uma cor alaranjada no que o homem mantinha nos braços. Foi necessário apenas mais um passo para que visse o que ali estava. Seus olhos arregalaram-se e seu coração disparou ao avistar o cãozinho poodle de pelúcia nos braços do, até então, estranho.
- Monggu? - a palavra que saiu de seus lábios trêmulos foi pequena, mas foi o que fez com que o outro tivesse alguma reação.
O homem finalmente virou-se para si e, depois de tantos anos, Kyungsoo conseguiu ver novamente a face amorenada que martelou sua cabeça durante tanto tempo.
○○○
30 de janeiro de 1980,
Nyeonsae, Gangwon-do,
Coreia do Sul
- Kyungsoo é um idiota! - Junmyeon xingou-lhe, enquanto acariciava a perna ensanguentada pelos arranhões com uma mão e sustentava a bicicleta com a outra.
- Eu já falei que foi sem querer! - o Do praticamente gritou, pedalando na própria. - Minha mãe não precisa saber disso. Posso te fazer um curativo e te dar biscoitos.
- Você tem que aprender a andar numa velocidade normal, Kyungsoo. - Baekhyun aproximou-se do amigo machucado, acariciando a cabeça dele. - A minha está no conserto por sua causa, e dessa vez foi pior. Você poderia ter matado ele.
Kyungsoo queria reclamar com o Byun, dizendo que aquilo era um drama imbecil e que ele era idiota, mas não queria atiçar mais Kim Junmyeon, que agia de forma extremamente protetora com o mesmo. Sempre estranhara a relação de ambos, mas era algo que não era da sua conta, mesmo que sentisse a sensação de ser sobra quando, do nada, Baekhyun começava a esfregar a cabeça no ombro do mais velho, como um gato pedindo carinho.
- Não vou me vender por biscoitos, Kyungsoo! - o Kim murmurou, fazendo um bico.
- Meu pai foi para Sokcho esses dias, e me trouxe alguns brinquedos. Te deixo escolher dois! - renegociou, certo de que o outro aceitaria a proposta.
- Isso está começando a melhorar... - Junmyeon falou, lhe fazendo sorrir. - mas eu quero ver você sofrer.
A face do Do murchou instantaneamente.
- Você é mau.
- Não fale isso dele! - Baekhyun interferiu novamente.
Continuaram a andar normalmente até que o Kim parasse, fazendo com que ambos tivessem a mesma reação. O mais velho sorriu, observando a mansão enorme, protegida apenas por curtas cercas brancas, que levavam ao imenso jardim.
- Melhor sairmos daqui, Jun. - falou, o Byun. -O Cientista pode não gostar de ficarmos em frente à casa dele.
O Cientista fora o nome dado pelos três ao homem que ali vivia. Viram ele com um estranho jaleco pela janela uma vez, mas não acreditavam que fosse médico, pois passava a maior parte do tempo lá dentro. Juntos, criaram a teoria de que fosse um cientista, como na animação que passava no canal sete às oito da noite. Ninguém sabia seu real nome, pois, apesar de simpático, o mesmo não gostava de criar intimidade com as pessoas. Algumas pessoas diziam que ele se chamava Kim Yeonghun, outros, Dang Banguk, e, ainda, Seo Ryudong. Sendo assim, Cientista pareceu o mais apropriado para os três adolescentes.
- Acho que já tive uma ideia de como pode me compensar, Kyungsoo. - lançou-lhe um sorriso maquiavélico.
- No você está pensando? Não quer foder comigo, né? - segurou firme as alças da mochila azul neon em suas costas.
- Quer se safar dessa ou não?!
- Jun, e se algo acontecer com o Soo? - Baekhyun conscientizou.
- Sabemos que o Cientista se mantém no terceiro andar a essa hora. Ele sempre fecha a janela e as cortinas para que eu não possa ver nada do que ele faz. - Junmyeon lembrou aos outros.
- Junmyeon, se ele me pegar, ele me mata! - o Do reclamou.
- Se sua mãe - deu ênfase às últimas duas palavras. - souber do que me fez, aí sim você estará morto.
Do suspirou, em desistência.
- Tudo bem. O que quer que eu faça?
O sorriso parecia rasgar a face do Kim.
- Suba pela escada encostada na parede até o segundo andar, abra as cortinas e veja o que há lá.
O sangue correu frio pelas veias, o coração começou a bater rápido, mas o Do resolveu enfrentar a situação, pois parecia melhor que levar duas boas chineladas e ficar sem brincar com os jogos que seu pai lhe dera de presente.
Olhou para cima. Aquela casa era alta para alguém de seu tamanho. Bufou, subindo os degraus da escada de madeira velha. Olhava para os amigos que apresentavam duas reações opostas. Enquanto o Byun parecia em pânico, o Kim se divertia com a situação.
Achava que fosse ter um colapso quando, enfim, chegou na janela do segundo andar. Seu medo aumentou quando, antes de abrir a janela, ouviu um chorinho baixo. Não parecia vir do Cientista, mas sim de uma criança. Com cuidado, abriu as cortinas azul-claro. Seus olhos abriram-se mais ao avistar um menino de pele morena menor que si, sentado no chão, lotado de brinquedos que Kyungsoo jamais saberia que existiam. Ele possuía uma coroa de flores azuis na cabeça e segurava algo nas mãos, enquanto chorava. Quando notou a sua presença, se afastou bruscamente e iria gritar se Kyungsoo não falasse algo a tempo.
- Não grite, por favor! - falou, fazendo um sinal de pare com as duas mãos. O menino tremia. - Não irei te machucar, eu sou uma pessoa boa.
O menino não gritou, mas se afastou um pouco.
- Você é filho do Cientista? Ele parece tão jovem. - perguntou, mas não foi respondido. - Sempre achei que ele morasse sozinho.
O menino lhe olhava com os olhos pequenininhos lacrimejando.
- Por que está chorando? - mais uma vez não foi respondido. - Você tem problemas com a fala? - questionou. - Quer tentar me dizer seu nome? Pode imitar os significados das partes com as mãos e eu tento descobrir. O que acha?
Jongin temia, temia muito. Temia porque não lembrava de quando tivera contato com outro, senão o Mestre.
- Você vai me matar? - foi a única coisa que saiu por seus lábios.
Os olhos do Do se arregalaram.
- Não! Você é fofinho, por que eu te mataria?
Um sorrisinho fraco surgiu nos lábios de Jongin, que abriu as mãos mostrando um pássaro morto para o outro, revelando o motivo pelo qual chorava.
- Ele era seu amigo? - perguntou, tendo a resposta "sim" com um balançar de cabeça. - Você parece triste. Não tem outro amigo pra contar? - logo viu o outro negar. - Agora conte comigo, eu sou o Kyungsoo!
Demorou alguns segundos até que ele falasse algo.
- Sou Jongin. - falou tão baixo que o outro mal pôde ouvir.
Kyungsoo sorriu e, então, virou-se para tirar algo da mochila. Seu antigo cachorrinho de pelúcia que sempre carregava na bolsa.
- Somos amigos agora, mas não vou poder ficar com você, mas pra você não se sentir sozinho, pode ficar com o Monggu. - ofereceu o objeto, estirando o braço. - Monggu não te abandonará a não ser que você queira, ele não pode morrer.
Jongin pareceu relutante, mas pegou o cachorrinho magro e o aproximou de si.
- Eu gosto do Monggu. - murmurou, com um sorriso.
- Qual era o nome do seu pássaro? - Kyungsoo perguntou, curioso.
- Darwin.
O Do sentiu vontade de rir. Não entendia como alguém daria o nome de Darwin a um pássaro. Só poderia ser filho do Cientista.
- Vamos fazer um acordo. Você fica com Monggu e eu dou um funeral decente ao Darwin. - o mais velho propôs, abrindo a mão para receber o bicho.
- Você irá amar ele pra sempre? - o menino fez a estranha pergunta.
O invasor precisou de alguns segundos para anuir com a cabeça. Jongin pôs Darwin com cuidado nas mãos dele.
- Jongin? - Kyungsoo chamou, logo sendo atendido. - Nyeonsae recebeu o nome de Ano dos Pássaros, não só porque foi fundada no ano do galo segundo o calendário chinês, mas também porque temos muitas aves, e todas elas foram feitas para ser livres. Talvez por isso Darwin morreu. Não é sua culpa, ele precisava de liberdade.
Os pares de olhos cruzaram rapidamente até que, sem mais nem menos, a madeira rangeu, se quebrando, fazendo o Do cair de costas na grama do jardim.
- Quem está aí?! - o grito do Cientista foi ouvido, assim que ele olhou para baixo e viu o menino ali.
- Corra, Kyungsoo! - Baekhyun gritou, sentando na garupa da bicicleta de Junmyeon, esperando o amigo que saiu do jardim às carreiras, pressionando Darwin contra o peito.
E Kyungsoo mal ouviu todos os xingamentos proferidos a si e aos amigos, enquanto pedalava loucamente, pensando no garoto das flores.
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