CAPÍTULO 8

- Sério, Rafael!

Naquela escuridão iluminada por uma luz que vinha de algum lugar desconhecido, pude vê-lo pensativo, aparentemente sem entender minha reação.

- Eu não precisava ver você transando.

Ele permaneceu em silêncio, ainda sem compreender.

- Empusa e eu...

Ele mudou de expressão, parecendo que continuar seria doloroso demais, então não insisti no assunto, e ele também não voltou a falar sobre isso.

- Bem, me mostre a próxima lembrança.

Rafael estalou os dedos, e o mundo ao nosso redor ganhou vida.

- Vejam só! Anjos do Senhor...

Um garotinho, que aparentava não ter mais do que nove anos, mas tinha olhos totalmente negros, sem vida ou inocência, disse isso com um sorriso literalmente de orelha a orelha. Ele olhava para Yofiel e Raguel.

- O que anjos querem atrás de mim? - disse ele com rispidez.- Sou apenas um garotinho inocente - completou, com cinismo.

- Calado! - ordenou Yofiel.

Não pude deixar de observar aquele garotinho, ou seja lá o que ele era, parecia diabólico. Estavam em uma casa, numa sala com uma lareira acesa. Um gato estava espetado de ponta cabeça, queimando na lareira. Ao lado do garotinho, uma mulher jazia morta, com a garganta cortada e sem olhos. Ela estava nua, e havia sangue por todos os lados da sala. Em uma mesinha de centro repousava a cabeça de um bebê em uma bandeja.

No chão, um tapete que parecia ter sido branco estava agora vermelho de sangue, com um pé mutilado largado ao lado. Ao lado do garoto havia a cabeça de um homem, e do outro lado, a de uma criança, que um dia devia ter sido linda, com cabelos loiros e cacheados como os de uma boneca. A cabeça da criança estava sem olhos, e baratas rastejavam por onde antes tinham sido seus olhos. Seus cabelos dourados estavam manchados de uma substância escura, quase preta, que imaginei ser sangue seco, ou algo pior.

A cabeça do homem estava ainda mais macabra; sem a parte de cima do crânio, como se um machado tivesse acertado, revelava o cérebro, onde larvas se contorciam em um banquete horrível. Ele também estava sem olhos, e com um sorriso cruel nos lábios, apesar de muitos dentes parecerem ter sido arrancados, deixando sangue a pingar da boca.

Se eu pudesse, teria vomitado naquele momento, pois a náusea foi instantânea. Certamente terei pesadelos com essa cena. Não sou capaz de descrever tudo que vi na sala sem desmaiar de horror.

- Demônio sádico, só não te mato porque preciso da sua ajuda. - Disse Raguel.

O demônio criança riu, um som agudo e vazio, que parecia emanar das profundezas do inferno.

- Em troca de quê? - Perguntou.

Yofiel mostrou um pingente azul, o que fez o demônio estremecer.

- Se não me ajudar, ótimo. Posso encontrar outro demônio disposto a me ajudar enquanto você entra para a minha coleção.

- Isso é pior que o inferno.

- Vai me ajudar ou prefere ser eternamente a essência de...

- Tá bom, suas vadias, eu ajudo vocês. Mas mantenham isso longe de mim!

E assim o demônio, Yofiel, Raguel e a sala macabra cheia de frascos com olhos desapareceram, deixando as trevas tomarem conta de tudo ao meu redor.

Eu me larguei no chão, e Rafael ficou me observando, como se estivesse me estudando.

- Você achou horrível essa cena?

- O... que... é... mas... como...

- Não tente entender a mente diabólica dos demônios. Eles são uma blasfêmia sem tamanho e... - Ele se calou, como se lembrando de algo, e depois esboçou um leve sorriso.

Enxugando as lágrimas que eu nem sabia ter derramado, entre um soluço e outro, eu disse:

- Mas você disse para eu não entender... para eu não tentar entender a mente diabólica de um demônio. E Empusa... ela é um demônio, e não é cruel desse modo.

- Empusa... você tem razão. Ela não agia dessa forma. No passado, ela era mil vezes pior do que esse demônio que você acabou de ver.

As palavras sumiram da minha boca; afinal, o que eu poderia dizer? Ela era um demônio, é claro que já devia ter feito isso e coisas piores. Quando pensei em dizer algo, o mundo já tinha tomado forma ao meu redor. Eu vi Antônio, Marieta e um enorme cão negro, com Rafael se aproximando.

- Então é verdade? É verdade mesmo? Meu Deus. Vó... você... é verdade? Você é... um anjo?

Marieta gaguejava, sem jeito. Rafael apenas acenou a cabeça positivamente, lentamente, agora voltando seus olhos amedrontados para o enorme cão negro.

- E... ela... seu cachorro... um... um de... um demônio?

Empusa tomou a forma de uma mulher novamente. Fiquei impressionada, pois nunca a tinha visto na forma de um cão, e disse:

- Bem-vinda à família desajeitada: um anjo, um demônio, uma quase morta e uma besta.

Minha avó e Antônio riram, de mãos dadas. Os olhos antes amedrontados de Marieta agora estavam alegres, sem sombra de terror.

- Uau! Meu Deus, isso é incrível! Um anjo e um demônio! Amor, por que nunca tinha me dito isso antes?

Minha avó disse, olhando nos olhos de Antônio, que apenas a abraçou, sem jeito.

- Rafael está aqui há menos de três meses, e Empusa, eu conheço a minha vida inteira.

- Como?

Ela perguntou curiosa e entusiasmada. Eu também estava ansiosa para saber como meu avô conhecia um demônio havia tanto tempo, mas não descobri nesse momento, pois Empusa se intrometeu entre os dois e disse:

- Não sei vocês, mas estou morrendo de fome, e tem um banquete me esperando. Se quiserem me acompanhar, fiquem à vontade.

Nesse momento, a lembrança desapareceu diante dos meus olhos.

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