CAPÍTULO 5
Quando o cenário ao meu redor se formou novamente, algum tempo tinha se passado, mas não sei quanto. Rafael estava vestido e mais irritado do que nunca.
— Empuza, o que quer dizer? — Ele falou.
Empuza, que estava sentada no chão, não disse nada.
— Não quero você atrás de mim o tempo todo.
Ela continuou calada. Rafael revirou os olhos e se sentou ao lado dela. Agora que ambos estavam em silêncio, pude ver melhor onde estavam. Eles estavam do lado de fora da casa, parecia um jardim, mas eu não tenho muita certeza. Tinha inúmeras flores e plantas naquele lugar, mas uma que chamou minha atenção foi uma roseira que estava atrás de Empuza.
— Só estou dizendo, anjinho, que vou ficar com você o tempo todo até chegar a hora de você ir embora... se quiser ir embora algum dia.
— E por que eu não iria querer ir embora?
— Eu não sei... vai que você se apegue a algum humano.
Rafael ficou em silêncio e, depois de um tempo, perguntou:
— Por que está aqui no mundo dos humanos ao invés do inferno?
Ela nada disse e, depois, a cena sumiu diante dos meus olhos.
Quando o mundo se fez ao meu redor novamente, não reconheci o lugar. Era dia, e Rafael estava olhando para o que parecia um poço.
— Olá, Rafael.
Era o jovem. Na luz do dia, pude ver melhor suas feições, e, se da outra vez que eu o vi ele parecia ser muito bonito, agora eu tinha certeza. Era um jovem de estatura mediana, sua pele não era nem clara nem escura, era um tom um pouco amarelado. Ele usava um chapéu e roupas antigas, mas estavam em perfeito estado, o que, para mim, parecia ser moda na época, seja ela qual for.
Rafael não respondeu ao cumprimento.
— Sabe, eu também adoro vir aqui neste lugar, sabia? É um ótimo lugar para pensar na vida!
Rafael virou-se para ele e olhou nos olhos do homem.
— Como se chama, humano?
— Antônio Vale Guimarães.
Rafael refletiu por alguns segundos e depois disse:
— Antônio significa "aquele que é valioso". Que valor você tem? Digo isso porque vive com um demônio. Você não faz jus ao teu nome, não tem valor algum.
Eu não posso acreditar... aquele homem é o meu avô, e, alguns segundos atrás, eu estava achando ele muito lindo e queria ele para mim, se é que entende.
Essa resposta de Rafael eu não esperava. Como ele pode sair julgando as pessoas com quem elas vivem? E, até onde eu vi, o demônio em questão é muito agradável... mil vezes mais agradável que ele.
— Convivo com Empuza há muito tempo. Ela é como se fosse uma mãe para mim. A conheço desde que me entendo por gente.
Isso pareceu levantar a curiosidade de Rafael, que abandonou o olhar duro que sempre tinha, e um brilho de curiosidade surgiu.
— Explique-me, por favor, como é a história de vocês.
— Ela era amiga de meu pai. Eu não faço a menor ideia de como eles se conheceram ou por que viviam juntos. E, quando meu pai morreu, não faz muito tempo, Empuza me disse que queria continuar comigo, acompanhando minha vida, assim como fez com o meu pai.
— Está falando de mim? — Meu avô sorriu.
Empuza continuou:
— A senhorita Marieta veio te visitar.
Vi o rosto de meu avô corar. Se essa tal de Marieta fosse quem eu estou pensando, ela é a minha avó. Mas, pelo jeito, ali eu não sei se, nessa época, eles já estavam namorando.
Vi Antônio sair meio afobado. Empuza riu.
— Anjinho, vem comigo.
— Pra onde?
— Não importa, vamos deixar os pombinhos sozinhos um pouco.
Ela disse, olhando em direção a um ponto ali perto, onde Antônio caminhava de mãos dadas com Marieta. Minha avó era muito bonita quando jovem. Seus olhos azuis brilhavam de tanto amor, e seus cabelos castanhos avermelhados dançavam com a brisa que batia em seu rosto. Ela estava linda, parecia uma princesa com aquele lindo vestido azul turquesa. Sorri ao ver os dois juntos, tão apaixonados. Aproximei-me mais e pude ouvir a linda voz dela, que mais parecia o soar de um sino de vento.
— Quem é o rapaz que está com sua irmã? — perguntou ela.
Antônio pensou por um curto tempo e respondeu:
— Um primo muito distante nosso.
— Ele parece ser um rapaz direito. Espero que sua irmã aprenda bons modos com ele. Seria bom até se ele a pedisse em casamento. Quem sabe assim dava um jeito nela e fizesse ela parar de usar aquelas roupas vulgares. Você, como irmão dela, deveria ensinar bons modos a ela.
— Ela sabe se virar.
Pelo que parecia, minha avó não sabia da natureza de Empuza.
— O que está achando de tudo isso?
Era Rafael... não o Rafael da lembrança, e sim o Rafael que me colocou naquela lembrança. Foi uma visão muito esquisita ver dois Rafaéis: um ao meu lado, querendo saber o que eu estava achando, e o outro Rafael se afastando junto a Empuza.
— Não entendo por que está me mostrando tudo isso.
— Laura... é como tudo começou.
Ele disse isso, e eu olhei novamente para os meus avós. Eles foram ficando embaçados até desaparecerem completamente. Tudo ao redor desapareceu também, até Rafael. Fiquei no escuro por um longo tempo, e, quando o mundo voltou ao meu redor, eu estava em um lugar completamente diferente. Eu não sabia onde eu estava, mas sabia que era um quarto. Olhei para a cama, e minha avó estava deitada lá. Sua pele estava muito pálida, e sua expressão, muito fraca. Ela estava morrendo.
— Faça alguma coisa, Empuza! — disse Antônio, aflito.
Aproximei-me da cama e não pude acreditar. Minha avó estava com os olhos fundos e a boca branca. Seu cabelo estava opaco, sem vida alguma, e, quando falou, sua voz estava arrastada e parecia rasgar sua garganta.
— Não sei o que quer que sua irmã faça, Antônio. Ninguém pode me ajudar, eu...
Ela parou e emudeceu. Sua respiração ficou muito pesada.
— Empuza, por favor, eu te dou qualquer coisa! — implorou Antônio.
— Isso está fora de questão. Não faço acordos com você, você sabe. E mesmo se eu fizesse, não tenho poderes suficientes para fazer o que você quer. Sinto muito.
Antônio parecia desolado. E então ele viu Rafael sentado em um canto do quarto, com uma expressão impassível.
— Rafael! Por favor, ajude-a. Por favor, cure-a!
Rafael olhou bem nos olhos de Antônio e disse com a boca seca:
— Por que eu faria isso? Isso só vai esgotar a energia que nem tenho, e também não me importo com nenhum de vocês.
Depois disso, Rafael saiu da sala, e o quarto onde eu estava se desfez.
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