CAPÍTULO 4
Eu já estava quase achando que o resto daquela lembrança eram apenas trevas, quando vi as cores retornarem novamente. Achei que tinha acordado, pois me vi em meu quarto, mas descartei a ideia, já que, além de eu não reconhecer nada meu, havia apenas mobília antiga, embora impecável, como se fosse nova.
Minha atenção saiu das belas cortinas vermelhas que eu observava, para uma mulher negra que entrou no quarto.
— Finalmente acordou — disse a mulher, que, além de muito bonita, tinha um ar provocante. Sabe, até eu, que não sou lésbica, desejei aquela mulher, ao menos por uma noite.
Afastei esses pensamentos ao notar que ela estava falando com o Rafael, que se levantou irritado. Ele estava deitado anteriormente em uma cama de casal, com lençóis também vermelhos. Demorei um pouco para reconhecer Rafael, pois, diferente da outra vez em que o vi nesta lembrança, ele não tinha asas; estava em forma humana. Observei-o bem. Os cabelos ruivos não estavam mais encardidos, mas ele ainda mantinha sua expressão de ódio. Então, entrou no quarto um rapaz muito bonito, por volta de seus vinte e poucos anos, mas eu não tinha tanta certeza; suas roupas eram antigas.
— Afastem-se, vocês! — disse Rafael, sem se levantar.
— Acalme-se, nós queremos lhe ajudar e... — começou a dizer a mulher.
— Mandei se afastar! — Rafael disse, levantando-se. Afastei o olhar, pois sabia que ele estava nu. Quem pareceu mais consternado do que eu foi o rapaz, que rapidamente se virou e saiu gritando algo que não compreendi. Abafei um riso.
— Calma, anjinho — disse a mulher.
— Não dirija a palavra a mim ou eu... — disse Rafael, começando a caminhar em direção à mulher, mas ele caiu e começou a se contorcer. A mulher o ajudou a se levantar e o colocou de volta na cama.
— É bom você não se esforçar muito. Está muito ferido, e só Deus sabe o que aconteceu — disse ela, soltando uma gargalhada. Eu me assustei, pois aquilo era desumano; o som que a gargalhada emitia parecia vir das profundezas da insanidade.
— O que você quer, demônio? — perguntou Rafael.
— Não fale assim comigo. Eu tenho nome e salvei sua vida.
— Preferia ter morrido.
— Meu nome é Empusa, e eu salvei sua vida quando você caiu. Você tem sorte por ter caído aqui e não em outro lugar.
— Por quê?
— Esta cidade é protegida tanto de anjos quanto de demônios. Nenhum deles pode entrar aqui. Agora, não entendo como você caiu bem no quintal da minha casa.
Rafael ficou em silêncio por um tempo e depois disse:
— Por que esta cidade é protegida? Por que nem anjos nem demônios podem entrar aqui?
— É educado dizer o nome a quem acaba de se apresentar — respondeu Empusa, sentando-se na cama. — A propósito, só fiz selos contra demônios, pois não quero companhia infernal aqui. E depois que você caiu, pensei que não gostaria da companhia de anjos, afinal, aposto que foram eles que fizeram isso com você.
— Por que não quer demônios aqui? — Rafael perguntou, mas ela não respondeu.
— Por que quer me ajudar?
Mais uma vez, Rafael só teve o silêncio como resposta. Isso o lembrou de que ela havia perguntado seu nome.
— Sou Rafael.
— Muito prazer.
Vejo as trevas voltarem, mas isso durou apenas uma fração de segundo. Quando o cenário retornou à minha volta, percebi que ainda estava no quarto. Rafael estava sentado, lendo um livro que eu nunca tinha ouvido falar. Li na capa: O Vizinho Perfeito. Ele largou o livro quando viu Empusa entrar no quarto.
— Este livro que você me deu para ler é horrível — reclamou ele.
— Na próxima vez, te dou a Bíblia hebraica — disse ela, com ironia.
— Olha aqui, eu já estou cansado de ficar aqui. Quero ir embora — disse ele, se levantando. Empusa deu de ombros.
— No momento em que sair da cidade, haverá uma horda de demônios esperando para te matar.
— Isso é uma ameaça?
— Não, anjinho. Eles estão lá esperando por mim, para me matar. E sei que, se virem um anjo que mal consegue andar e se manter em pé, vão te torturar e matar.
Vendo que ele não disse nada, ela continuou:
— Não vou permitir que você saia daqui antes de se recuperar.
— E por que, me diz de novo, tem um demônio que quer me ajudar?
Nesse momento, o rapaz entrou no quarto segurando algumas roupas e disse:
— Você pode duvidar, mas Empusa só quer ajudar.
— E por quê, humano?
— Por favor, vista-se — disse o rapaz, deixando as roupas sobre a cama e saindo logo em seguida.
— Anjinho, vamos fazer um acordo — propôs Empusa.
— Você quer fazer um pacto comigo?
— Chame como quiser, é só um trato, nada mais.
Rafael ficou em silêncio, pensando. Eu realmente estava surpresa e ansiosa para ver o desenrolar dessa história. Afinal, Rafael, sendo um anjo, aceitando a proposta de um demônio, isso o tornaria mais impuro do que ele já era aos olhos dos outros anjos. Mas, por outro lado, ele não tinha nada a perder ao aceitar a proposta de Empusa.
Depois de um longo tempo pensando, Rafael disse:
— O que um demônio pode me oferecer?
Empusa sorriu e disse:
— Posso lhe oferecer abrigo e segurança enquanto se recupera.
— Em troca de quê?
— Não direi agora.
Ela pareceu pensativa.
— Quando dirá?
— Quando você estiver recuperado e prestes a ir embora, eu lhe digo.
Agora foi Rafael quem pensou, refletindo sobre a proposta. Não tendo nada a perder, respondeu:
— Como selamos o acordo?
Nem dois segundos haviam se passado desde que Rafael fez a pergunta, e Empusa o agarrou e o beijou. Um beijo longo e demorado. Confesso que senti inveja. Depois de um tempo, eles se separaram.
— O acordo já foi selado. Agora, vista-se, afinal, você não vai ficar neste quarto o tempo todo.
Depois disso, ela desapareceu na minha frente.
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