CAPÍTULO 10
Rafael estalou os dedos, e a sala de meu avô apareceu ao meu redor. Vi Rafael e Empuza olhando para fora. Eu também olhei e gritei de susto ao ouvir um barulho indescritível, tão ensurdecedor que meus ouvidos ficaram zunindo. Sinto isso até agora, enquanto escrevo isto.
Vi Antônio e Marieta caírem no chão com as mãos nos ouvidos; quase aconteceu o mesmo comigo. O barulho não durou nem cinco segundos e então sumiu, como se nunca estivesse presente. Logo depois, um estouro, como o de quando se fura um balão de festa, só que muito alto, como um tiro, e a luz do sol lá fora se apagou.
– Rafael, irmão, estou aqui!
Era a voz de Yofiel, de alguma forma ampliada e vindo de todos os lados. Rafael, desconhecendo as intenções de sua irmã, saiu a seu encontro. Empuza, vendo que era uma cilada, correu atrás dele.
– Rafael, espere!
Empuza correu para alcançá-lo. Ele parou e a encarou.
– O que há, Empuza?
– Como assim, o que há? Onde você pensa que vai?
– Vou com minha irmã. Ela vai me ajudar.
Empuza deu alguns passos, a fim de se aproximar mais de Rafael. Eles estavam onde era um jardim e que agora estava escuro. As plantas estavam murchas e havia um cercado. Ela chegou bem perto dele, o vento frio bagunçando seus cabelos negros.
– Ela vai te ajudar? O que é que eu tenho feito por você?
– Olha, Empuza...
– Me responda se eu estiver errada: quem fez isso tudo com você? Foi quem? Seus irmãos! Você caiu aqui, e eu te ajudei, ainda estou te ajudando. Fizemos um pacto: eu te ajudava, e você me dava o que eu queria...
– É só você me dizer o que você quer!
– E digo mais, senhor Rafael: se não fosse por mim, você já estaria morto há séculos. E outra, onde é que essa sua irmã estava quando você estava todo ferido lá na minha casa? Você não enxerga? Isso é uma cilada!
– Yofiel me ajudou a sair do céu. Foi ideia dela. – Rafael tentou argumentar.
– Então por que você caiu sozinho aqui? Por que essa sua irmã não estava com você? Me diz, Rafael, por quê?
Ele não disse nada. Apenas abaixou o olhar e depois disse:
– Nosso pacto... minha parte eu já fiz. Eu fiquei aqui até me recuperar. Agora eu vou embora. Antes, quero saber o que você quer.
– Anjo arrogante.
Foi a única coisa que ela disse antes de se abaixar. E, antes que suas mãos encostassem no chão, ela se transformou em um grande cão negro de olhos vermelhos. Empuza partiu furiosa. Rafael apenas deu as costas e começou a andar. A lembrança se desfez diante dos meus olhos.
– Eu deveria ter ouvido ela. – Rafael falou de repente.
Eu o olhei. Ele não havia mudado nada desde aquele dia, só uma coisa: o olhar dele não era mais o mesmo, agora era um olhar amoroso, cheio de dor.
– O que Yofiel vai fazer? – Perguntei, tentando adivinhar o desfecho. Em todas as teorias que imaginei, Rafael terminava morto de forma brutal e sangrenta.
Numa delas, Rafael corria em direção a Yofiel, e ela, em menos de três segundos, empunhava sua espada e o atacava com vários golpes, só parando quando ele não passava de uma massa vermelha informe. Outra teoria era uma luta épica entre Rafael e Yofiel no ar, uma batalha sangrenta que acabava com Yofiel decapitando Rafael, sua cabeça girando até cair no chão e explodindo como um tomate podre, enquanto seu corpo alado despencava, espalhando-se na terra.
E, na teoria mais bizarra, Yofiel e Rafael ficavam parados, um diante do outro, se encarando com fúria mortal, até que Yofiel estalava os dedos e Rafael explodia, espalhando sangue, pele e tripas por todos os lados, inclusive nos cabelos e asas de Yofiel.
Essas teorias, porém, estavam todas erradas. Rafael me mostrou essas lembranças, então ele não poderia ter morrido. Perdi-me nesses devaneios e não percebi que o cenário ao meu redor havia mudado. Agora eu estava em uma floresta. Vi Rafael, e logo apareceu Yofiel.
– Irmã! Como é bom ver vo... – Rafael se calou ao ver a aparência de Yofiel.
Suas asas, uma vez brancas e belas, agora estavam negras e pareciam derretidas. Seus cabelos loiros estavam chamuscados, com uma cor bronze, e de sua cabeça saíam dois longos chifres que pareciam crescer cada vez mais. Sua intimidade não estava mais exposta, envolta por uma névoa negra, e seus olhos, antes tão claros, estavam agora negros como o abismo.
– Yofiel, o que você fez? É você mesma, irmã? – Rafael perguntou, se afastando. – O que aconteceu com você?
Yofiel sorriu, dizendo:
– Sim, Rafael, sou eu. E isso aqui – ela disse, alisando seu próprio corpo e asas com desprezo – é só um efeito colateral, sem importância alguma.
– Não, isso é obra de um demônio muito poderoso e...
O que ele estava dizendo foi interrompido por gargalhadas frias e desumanas, semelhantes àquelas de um garoto demônio, que emanavam do fundo da garganta de Yofiel.
– Não me faça rir, Rafael. Você querendo me falar sobre demônios? Não me faça rir! Quem é que está há meses trancado em uma cidade com um demônio? E eu sei o que você faz com a vadia.
– O que eu fiz não é nada comparado a isto! Aparentemente, você se vendeu para algum demônio muito forte e poderoso.
Ela riu novamente, a mesma risada sem vida e desencarnada.
– Sinto o cheiro de demônio na sua força vital. Você fez um pacto. Parece que somos os dois lados de uma moeda.
Rafael ficou em silêncio. Yofiel pegou uma grande espada e a ergueu no ar. Antes que ela desferisse o golpe, Empuza, ainda transformada em cão, pulou nas costas de Yofiel, derrubando-a no chão. A espada em sua mão voou longe, e Rafael foi rápido em pegá-la. Empuza tomou novamente sua forma de mulher.
– Salvou minha vida, obrigado, Empuza.
– Agora me deve duas. Me diz, o que aconteceu com sua irmã?
– Não sei.
Enquanto os dois conversavam, Yofiel estalou os dedos, e a espada voou de volta para suas mãos, deixando Rafael e Empuza desarmados.
– Ora, ora, ora, se não é a cadela demônio. – Yofiel falou zombeteira e cuspiu na cara de Empuza, que permaneceu calma.
– Algo a dizer, vadia do inferno? – Yofiel perguntou, apontando a espada para Empuza.
– Por que teria? Você não é digna de uma resposta.
Yofiel ergueu a espada e a abaixou com força, cortando o ar. Empuza olhou para trás.
– Rafael, não se envolva. Você está muito fraco. Deixa que eu cuido disso.
Ela disse antes de se tornar um grande cão negro novamente. A luta que se seguiu foi épica, violenta e tão rápida que meus olhos mal conseguiam acompanhar. O momento que mais me marcou foi quando Empuza, ainda em sua forma animal, arrancou brutalmente as asas de Yofiel, fazendo uma gosma preta jorrar para todos os lados.
Yofiel gritou, e o chão tremeu com o som.
– Sua cadela! – Yofiel disse, levantando-se. Aquela gosma negra não parava de escorrer de onde antes estiveram suas asas.
Empuza avançou contra Yofiel, mas cometeu um erro. A anjo corrompida pelas trevas, com os olhos completamente vermelhos, emitiu uma luz branca avermelhada de suas mãos, que atingiu Empuza, forçando-a a retornar à forma humana enquanto agonizava de dor. Yofiel sorriu e cravou a espada no peito de Empuza.
– Não!
Rafael gritou e correu em direção à irmã, socando-a intensamente. Os dois começaram a lutar, uma batalha mais veloz que a anterior. Apenas consegui perceber que Yofiel estava vencendo quando vi os cabelos vermelhos de Rafael, junto com seu corpo, caírem no chão.
Vi os lábios de Rafael se mexerem; ele dizia algo que eu não conseguia ouvir. Yofiel gargalhava cada vez mais. Logo, percebi o que ele dizia: estava se declarando para Empuza. Suas últimas palavras foram: “Eu te amo, me perdoe.” Então, seus olhos brilharam azuis e ele se levantou, lançando seu poder com força total na direção da irmã, que gritou e largou a espada. Rafael se aproximou e a pegou.
— Vai me matar irmão? Nossos irmãos não irão cansar de caçar você até te matar por fazer isso.
Rafael sorriu.
— Não se forem eles que te matarem por ter se corrompido.
Então ele disse algumas palavras que eu não entendi o que era, estava claro que era outra língua, então eu vi Yofiel desaparecer ao mesmo tempo que vi Rafael indo em direção a sua amada caída no chão. Empuza estava morta.
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