Sem Asas
Gravidade, era um de seus temas preferidos durante as aulas no tempo de escola, agora era a única coisa que agia sobre ele. Como estava leve, céus, como nunca na vida. Nem o torpor dos remédios o deixavam assim. Deveria ter feito aquilo anos antes, como era bom.
Escuro dos olhos fechados, não preto, mas algo muito parecido. Via luzes foscas, provavelmente oriundas dos fogos pelos quais passava. Roxo, rosa, azul, branco. O branco era seu favorito. Os cabelos bagunçados lhe coçavam o rosto, e o incomodo era notável. Não para ninguém, mas para ele.
Rápido. Acelerava, sabia disso, o frio lhe dizia isso. Mas tudo parecia devagar. O coração e a mente estavam a mil, talvez dois mil por hora. Nunca havia se sentido tão bem, e tão péssimo.
Foi nessa idade que a poesia me veio buscar
Não sei de onde veio...
Abrem-se os olhos castanhos tão escuros quanto o céu que se distancia deles. Vê a sacada, já tão longe, como se quisesse distância, corresse dele. Ou seria ele quem corria dela? Não se sabe.
Do inverno, de um rio
Não sei como nem quando...
Quem quando criança nunca experimentou deitar-se na rua para ver o quão alto eram os prédios? Sem orgulho, ele poderia levantar a mão. Tudo bem, estava fazendo isso agora. Via que o seu quarto-apartamento era tão alto quanto podia imaginar. Imaginava o chão. Afinal, estaria tão longe?
Não, não eram vozes
Não eram palavras
Nem silêncio...
Não viraria, não podia. Nem parar, nada. Arrependido não caberia em seu vocabulário, ele estava bem. Satisfeito poderia ser bordado em uma lápide agora, e ele a tomaria para si. Estava satisfeito com aquela decisão.
Estava...?
Mas da rua fui convocado
Dos galhos da noite
Abruptamente entre outros...
A aceleração do mundo pareceu voltar, os fogos agora machucavam a vista e estavam tão longe que tinha medo do quanto faltava para acabar. Droga, não demoraria. Viu claramente quando atravessou o segundo andar, agora era questão de segundos. O vento sussurrava versos em sua mente, maldita inspiração na hora errada.
!!!!!
Entre fogos violentos
Voltando sozinho
Lá estava eu sem rosto
E fui tocado.
Agora não havia volta. Nunca houve, nem haveria mais. Lá estava o desastre que foi manchete de ano novo, sua foto desforme estampada nas mais variadas capas de revistas, blogs e jornais. A inscrição supervalorizadora destacava-lhe o nome e profissão. Ele era familiar, só estava esquecido. Como colega de escola abandonado.
"Philip K. S. Austen comete..."
Dizia ali suicídio. Ele não concordaria com aquilo, apesar de ser a verdade. Mas agora, não podia reclamar, nem desaprovar a escrita, não estava vendo. Nem aquilo, nem nada mais. Nunca mais.
Abaixo disso, um ultimo verso escrito estava em itálico, assinado com seu nome.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
(Pablo Neruda & Cecília Meireles)
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