Música Ruim, Música Boa. Por Fim, Música

Fogo.

Não como aqueles que devoram coisas, tornam em cinzas e escondem o irracional medo humano. Não, não a representação viva da destruição. Esses fogos, feitos pelas mãos humanas, trazem fascinação para todos. Em sua mais bela e momentânea forma, quando explodem no céu, ascendem a selva de pedra. Todos vibram, fascinados. O ano novo.

Mais um, após tantos, e mais tantos que virão. Um suspiro é abafado pelas mãos gélidas que cobrem-lhe a boca. Apoiado sob os cotovelos na sacada do quarto-apartamento, ele observa fogos estourarem no céu. Tão próximos que poderiam ser tocados.

Música, boa e ruim, vem de todos os lados. Céus, ele está farto dessas músicas, todo ano, a mesma hora, do mesmo modo. Tudo, absolutamente tudo, é igual. Faz frio, como na maioria das noites de ano-novo, e, como na maioria dos anos, ele está lá, parado na sacada ponderando ideias estupidas.

Mais uma rajada de fogos, outra vez aquelas músicas. Lembra-se dos anos em que gostava de comemorar, com Camilla, essa noite. Bebiam, rindo, corriam como loucos pelas ruas de mãos dadas e gritando "feliz ano-novo!" ao primeiro que aparecia. Mas Camilla não estava lá. Luz roxa afasta as sombras de seu pensamento. Após a explosão, vem o silêncio. Sem latidos, risadas, nada.

Roli também não estava lá, assim como Camilla, mas diferente dela. Sua amiga poderia voltar, ele queria que voltasse, e esperava por ela. Mas seu companheiro de quarto, bagunceiro comedor de poemas ruins, não voltaria ali.

Algo escorreu por sua bochecha, mas não chovia. Não no céu, pelo menos. Dentro dele, um tempestade havia começado. Outra.

Deixou cair a caneta, sequer tentou pega-la. Admirou e desfrutou de seu adeus enquanto caia para o chão. Certamente não a recuperaria.

E, se o fizesse, que diferença faria? Não voltaria a usa-la tão cedo. Contemplou o céu mais uma vez, afastando-se da sacada. Temia a loucura que seu cérebro cansado sugeriu. Temia desejar aquilo. E desejava.

Já estava feito. Um ultimo poema havia sido rascunhado e deixado sobre a cama, preso pela velha coleira azul de Roli. Leu, em voz alta pela primeira vez, aqueles versos. Aquela carta.

Sem inspiração
estou agora.
Tento atiçar a imaginação
mas ela demora.
Não consigo pensar em algo
que faça rimas.
É como querer acertar o alvo
com a flecha apontada para cima.
Não acho um bom assunto
que se organize bem em versos.
Mesmo sabendo que no mundo
há mil assuntos diversos.
Que coisa chata,
não consigo imaginar.
Isso quase me mata,
porque é horrível não poder pensar.


Dobrada novamente, fica pela cama, presa por uma saudade de companhia com nome talhado em uma dourada medalha. A sacada chama seu nome, e sussurros, e ele, desistente, responde com passos e braços abertos.






(Clarice Pacheco)

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