Episódio 0 - Antes da Cortina Subir
— Muniz, na minha sala agora!! — meu chefe me chama e eu imediatamente fico em pé. Abaixo minha saia escura que tinha subido quando eu cruzei as pernas mais cedo e me apresso para alcançar o senhor Bóris que já estava uns bons passos na minha frente.
Ainda bem que estava de sapatilhas nesse momento, se aquilo fosse um salto, eu teria estourado pelo menos um dedo meu. Não sei como uma pessoa com pelo menos um palmo de perna a menos do que eu conseguia andar tão rápido. Ele era veloz como uma bala quando usava aquele tom imperativo comigo.
Não que eu me incomodasse com o tom que ele usava, mas é que muitas vezes ele aparecia do nada, gritava e acabava me assustando um pouco. Perdi as contas de quantas roupas eu já tinha estragado quando ele me chamava e eu estava segurando um copo de chá gelado nas minhas mãos — aprendi a gostar de chá gelado, depois de me queimar algumas vezes com o café.
Se eu for ser bem sincera, eu gostava e muito do meu chefe. Ele tem um ritmo bem acelerado e parece uma criança hiperativa, mas ninguém pode negar que é um bom homem. Muito exigente claro, mas com razão.
Ele não chegou no patamar que está hoje sem exigir o melhor não apenas dele, mas de todos ao seu redor. E por isso que sou muito feliz por ser a principal assistente dele. Ralei muito para chegar até aqui, e estava constantemente vivendo um sonho. Noites em claro estudando e pensando. Telefonemas, emails e tudo o que estava ao meu alcance para conhecer as pessoas certas e nos melhores momentos.
Quando recebi a ligação que tinha conseguido o emprego, um pouco mais de um ano atrás, fiquei tão feliz que pensei que fosse desmaiar. Não era o emprego dos meus sonhos, ainda, mas estava cada dia mais perto. Só de ter a oportunidade de aprender e estar bem perto de uma das pessoas mais competentes do ramo, fez todo o esforço valer a pena.
Eu só podia esperar alcançar o que ele tinha e mais... Me processem por sonhar alto.
Muito rápido eu me acostumei com o ritmo acelerado das notícias, com a quantidade de celebridades que passavam pelos corredores todos os dias, com as reuniões que eram quase uma feira com as pessoas gritando para ver quem tinha a sua ideia comprada mais rápido, com as pessoas que achavam que tudo pode ser comprado.
Era uma sandice, mas eu tinha sonhado com ela todos os dias da minha vida. Desde pequena em vez de sonhar em ser uma grande apresentadora de televisão, eu sempre quis ajudar a montar esse grande programa.
E sabia que não estava tão distante disso, ou pelo menos é o que eu espero.
— Feche a porta — Bóris fala apressado e vai logo sentando em sua grande cadeira preta fazendo com que as rodinhas trabalhassem e rangessem de leve sob o seu peso.
— Sim senhor — faço o que ele pede rapidamente e em dois tempos já estou de pé em frente a mesa dele. Aprendi a ser eficiente, não fazer perguntas estúpidas, anotar quase tudo o que ele falava e sempre ter um sorriso inteligente no rosto.
— Senta Catarina, quero falar uma coisa séria com você. Precisamos conversar — me chamou pelo primeiro nome. Vem coisa grande por aí...
Merda! Isso não poderia ser uma coisa muito boa. Sento na cadeira um pouco menor na frente da sua grande mesa e aperto minhas mãos em meu colo, amassando um pouco caderneta que eu tenho em mãos e segurando com força a caneta, bem nervosa.
'Precisamos conversar' devem ser as duas palavras que mais antecedem más notícias no mundo!
Tento buscar na memória alguma coisa que eu possa ter feito de errado, mas não consigo pensar em nada. Droga! Será que ele vai me mandar embora por uma porcaria errada que eu fiz e que nem lembro?
É muita sacanagem... Mas não pode ser, eu estou fazendo o meu trabalho perfeitamente, se eu for demitida vai ser por corte de verba ou algo assim... Tenho consciência do bom trabalho que tenho feito. Ele não poderia assassinar o meu sonho assim.
Nem sei ao certo o que pensar no momento. Mas como minha mãe sempre diz, melhor não botar a carroça na frente dos bois. Então tentei esvaziar um pouco a negatividade da minha mente e esperar ele falar. Mas não sem antes claro começar a formular argumentos para não ir embora, posso precisar deles e teria que ser rápida.
— Então, você sabe que está fazendo um ótimo trabalho aqui comigo, não é? Sempre dando dicas e tem observações simplesmente brilhantes — fico muda com esses elogios, pensava que a conversa seria bem diferente.
Claro que eu já tinha recebido elogios dele, mais de uma vez, mas eu tinha um outro roteiro na minha mente. Já estava tentando me preparar para lutar pelo meu emprego. Eu então agradeço o elogio e ele volta a falar.
Nenhum boi vai passar por cima de mim, aparentemente. Ufa!
— Então eu quero te falar sobre o novo projeto da emissora, vamos produzir um reality show. E ele vai ser de produção exclusiva nossa.
— C-claro senhor — tento não gaguejar, mas é impossível. Estava tão nervosa pensando que tinha feito alguma coisa errada que não consigo ordenar as palavras direito na minha mente. — E sobre o que será esse novo reality?
Um novo programa! Minha nossa! Eu nunca estava por dentro de novos projetos, e agora o Boris confiar em mim para falar um novo projeto! Pessoalmente. Não posso estar sonhando. Isso está acontecendo! Só se lembre de respirar Catarina!
Já atento o meu ouvido e coloco as minhas mãos em posição para fazer qualquer anotação pertinente. Ajusto a caneta entre meus dedos.
— Então, você conhece a banda K-Power? — quase que a caneta escapa de mim, mas de alguma forma, consegui mantê-la comigo.
— Claro que sim, acho o som deles muito maneiro.
Nem sei como eu consegui formular essa frase direito sem dar um grito histérico de fã descontrolada. Eu amava a K-Power e todos os integrantes. Eles são uma banda de rock, e mesmo eu fazendo o estilo ouvinte mais pop ou romântico, isso não me impediu de adorar todas as músicas deles.
Lembrei que o meu plano de fundo do celular é uma foto de um dos shows que eu fui da banda e isso sem contar os pôsteres espalhados pelo meu quarto atual e o meu quarto antigo na casa dos meus pais. Os integrantes além de tocar super bem, ainda tinham sido privilegiados com muita beleza.
A banda é formada por quatro pessoas: Frederico Houst, Fontanza e por último, mas não menos importante, os irmãos Keller. O que era uma banda de amigos e desgrenhada acabou se tornando um fenômeno mundial, com ingressos esgotados, músicas sempre entre as mais tocadas e uma legião de fãs.
Pelo sucesso da banda, claro que eles já tinham ido até a emissora para gravar alguns programas, mas claro, para o meu azar, no dia que eles foram eu estava doente e nem consegui ver eles de pertinho...
E eu também já tinha sido escolhida para acompanhar uma equipe para gravar os bastidores de um dos shows que eles fizeram na cidade, mas estava lá mais para observar e aprender, então, mais uma vez não tive a oportunidade de conhecer os meninos, o máximo que consegui naquele dia foi ficar uns vinte metros de distância e apenas olhar enquanto uma das nossas repórteres conduzia perfeitamente os meninos. A equipe que foi cobrir era enorme e o tempo foi muito curto para que eles dessem a devida atenção a todos.
Mas mesmo de longe, mesmo sem falar com eles, deu para perceber que eles eram, no mínimo, educados e atenciosos.
Sou fã ponto de comprar todos os álbuns deles e saber todas as músicas deles de trás para frente. De ter várias camisas no meu armário e usar de pijama imaginando estar na companhia da banda quando vou dormir.
Sou fã desde antes da fama explodir desse modo, ao ponto de fazer uma viagem de dois dias para ver um show numa cidade mais distante, e admitir que aqueles foi um dos melhores dias da minha vida.
Sou fã a ponto de nomear o meu beagle de Bartolomeu, por conta do cantor da banda. Mas tanto o meu cachorro como o cantor preferem ser chamados de Bart.
Só que claro que eu não iria falar nada disso para o Bóris. Se esse reality me fornecesse a oportunidade de me aproximar da banda, eu estaria nervosa e tremendo até a alma, mas com certeza estaria animada.
Com certeza ele não acharia nada profissional se eu desse uma de fã louca agora. Por isso que eu apenas respiro fundo, espero ele terminar o que ele estava falando— mas que eu infelizmente não estava prestando atenção ocupada demais com o meu delírio sobre a banda — e escrevo o nome da banda no meu bloco de papel.
Fico feliz por ter conseguido escrever o nome da banda sem colocar um coração do lado. Não ia ser nada profissional. Mas o que os olhos não veem, o coração não sente.
— Mas sim, maneiro... É, acho que podemos pensar assim. — consigo pegar um rumo na conversa agora e o Boris continua a falar. — Então, vai ser um reality para encontrar uma namorada, quem sabe até uma esposa pra um dos rapazes. Vai passar somente em canal a cabo, mas se fizermos sucesso, temos a possibilidade de passar também em canal aberto!
— Nossa senhor, isso seria incrível — imagina tipo um The Bachelor com um dos meninos? Ia ser um sonho? Não conseguia imaginar um deles participando de um programa assim, mas não questionei. — Mas só uma pergunta, qual dos meninos que estamos falando? Quero anotar o nome dele.
É apenas por isso que eu queria saber o nome, não era nenhuma curiosidade de fã.
Definitivamente não.
Todos são lindos e solteiros, mas admito que para mim, os irmãos Keller são os mais incríveis. Minha mente borbulhava em possibilidades. Mas nem sei porque estava pensando nisso, Bóris está me chamando aqui muito provavelmente para pedir minha ajuda com a montagem o programa e não para participar dele!
— Charles Keller. Nem acreditei quando o empresário dele me contatou para dar a ideia do programa, ainda não acredito o quanto sortudos somos por estarmos por trás disso, você sabe o quanto o nome do nosso canal vai alavancar com esse programa?
Quem não acredita que vai ser o Charles nesse momento sou eu! Meu Deus! Que oportunidade!
— Só consigo imaginar senhor, a banda é conhecida mundialmente. Esse vai ser um programa e tanto — a possibilidade de beijar o Charles... Namorar com ele... Casar... Tive que segurar o suspiro. A tentação era real.
— Com certeza! E eu quero que você esteja comigo nessa jornada. Tenho certeza que vamos estar atolados de ideias e trabalhos muito em breve e preciso de todo o cérebro bom que eu conseguir. Por isso quero que você fique na equipe, uma promoção para você... Coisa pouca o aumento do salário, mas o trabalho vai aumentar consideravelmente.
Minha nossa... Muitas coisas estavam passando pela minha cabeça no momento. Poder trabalhar numa produção desse nível. Um programa começado do zero! Meu nome crescendo ganhando um solo para crescer sem ser na sombra do Bóris. A confiança dele em mim para me indicar. Quem sabe até ficar perto do Charles... Não tem como nenhuma outra resposta sair da minha boca.
— Seria uma grande honra!
— E faça a sua parte direito, pois seu nome estará nos créditos finais... E eu sei que você quer muito isso, imagine como será bom para a sua carreira!
— Senhor Boris, nem imagino como seria ver meu nome subindo nos créditos finais, e pode deixar! Vou trabalhar tão arduamente quanto agora e o senhor não vai se arrepender de me convidar para fazer parte desse projeto! Não vou decepcionar!
— Gosto da maneira como você fala. Mas vamos logo aos por menores, eu te arrumei uma sala. É pequena, não é lá essas coisas todas, mas lá você vai ter mais silêncio e acredito que poderá trabalhar melhor.
— Eu vou ganhar uma sala só para mim? — nem estava acreditando naquilo! Não que eu não gostasse do meu cubículo, mas eu vou ter uma sala para mim! Silenciosa, sem algum telefone tocar de cinco em cinco minutos e sem um monte de gente fofocando.
Uma sala toda inteira somente para mim!
— Teremos pouco tempo para arrumar tudo Muniz. Queremos mudar a produção o mais breve possível para a casa onde vão acontecer todas as gravações. Teremos muito terreno para preparar o nosso espetáculo. Muita coisa para fazer.
— E quando planejam começar a filmagem?
— Mais tarde, no nosso horário nobre, vamos começar a divulgar o programa, vamos divulgar como se fazem as inscrições... E tudo mais. Vamos usar todos os meios de divulgação, rádio, televisão, internet, até sinal de fumaça se for conveniente! Já começamos a trabalhar nas mídias que serão divulgadas. Queremos que faça muito sucesso. Vou precisar que você avalie algumas inscrições junto da equipe.
— Ah sim claro senhor — estava acostumada na velocidade acelerada que ele sempre falava, mas quando ele falou da K-Power tive que dar um tempo para respirar. Mas mesmo assim, eu anotava um monte de coisas na minha caderneta.
Charles estava procurando uma mulher? Mas porquê? Um cara lindo, famoso, não via a necessidade dele se utilizar desses meios. Seria sem dúvida um alvoroço quando as notícias forem oficialmente divulgadas.
Por um momento eu me imaginei participando do programa, me imaginei tendo uma chance com ele, mas logo a ideia foi descartada, só de imaginar a quantidade de mulher que iria se inscrever para aquilo e não teria nenhum jeito que eu pudesse entrar. Nem sei como vão ser as inscrições, mas apenas se os requisitos fossem ser uma assistente de produção da minha emissora é que eu teria uma mínima chance.
E outra, eu estava ali para trabalhar. Tenho que por meus pés no chão. Aquele tipo de agitação não funcionava pra mim. Meu trabalho era atrás das câmeras, não na frente delas.
— Você não estava pensando em se inscrever, ou pensava? — Bóris pergunta, tentando esconder um sorriso.
— Ah não senhor, isso está fora de cogitação, prefiro muito mais estar atrás das câmeras, não sei o que faria na frente delas, mesmo que seja por uma chance de namorar o Charles... E eu prefiro ser o cérebro por detrás de alguma coisa.
— É assim que se fala Catarina, vou pedir pra alguém te levar até a sua nova sala e já mandei pro email da empresa o esquema que estamos pensando para o show. Dê uma olhada, e se quiser dar alguma opinião ou ideia, fique à vontade.
— Obrigada. Nem sei como posso agradecer.
— Me impressione Catarina. Continue fazendo o seu bom trabalho.
— Com toda certeza senhor.
—E pelo amor de Deus, já que você aceitou essa promoção, pode parar de me chamar de senhor, me chame de Bóris. Senhor ou Senhor Bóris me faz pensar que eu sou um velho acabado, ainda não estou nesse estágio.
— Certo. Boris — sorri. — E se quiser, pode me chamar de Kat, Catarina me faz lembrar de quando eu fazia alguma coisa errada e meus pais brigavam comigo. Ou continue me chamando de Muniz, não tenho problemas com meu sobrenome.
— Não sabia disso. Mas Muniz será então. Já me acostumei a te chamar assim — saio da sala dele e me levam para a minha. Ela é pequena, mas tão aconchegante e só de ser só minha, fico extasiada.
O esquema inicial do programa já estava brilhando na tela do meu computador novo. Eu já tinha visto alguns esquemas de programas, alguns deram bons frutos, outros nem tanto, e somente de passar o olhar sobre esse, tinha um pressentimento que seria um grande sucesso.
E então, deu pra conhecer um pouco sobre os sonhos, aspirações e gostos da Catarina nesse comecinho? Vai ser um livro bem leve de ler, e espero que gostosinho de passar o tempo. O que acharam desse início?
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