Capitulo Seis
Arthur Kaymin:
Meia hora depois, fui encontrado por Micaela, que parecia desesperada. Seus olhos corriam de mim para algo na parede do corredor, e, ao seguir seu olhar, vi que se tratava de um quadro.
A pintura retratava Lorde Thales com sua expressão característica—impassível, fria, quase como se estivesse julgando o próprio artista por capturá-lo de maneira imperfeita. Mas o que mais chamava atenção não era ele, e sim a pequena figura sentada em seu colo: Silas, sorrindo radiante.
Era curioso. A relação entre pai e filho não parecia seguir padrões normais. Thales era rígido, fechado, mas ao mesmo tempo, se alguém olhasse com atenção, dava para perceber. Estava ali, na forma como Silas se acomodava sem medo, no jeito quase protetor com que Thales o segurava. Era estranho, dissonante... mas, ao mesmo tempo, mostrava o quanto ele amava o filho, mesmo que seu rosto de pedra nunca deixasse isso transparecer completamente.
Antes que eu pudesse pensar mais sobre isso, Micaela cruzou os braços e me olhou como se eu fosse o responsável por algum desastre natural.
— Arthur, me diga o que você fez?
Pisquei, confuso.
— Hã?
— Passei agora há pouco pela porta do escritório do Lorde Thales e ele estava furioso! Ele repetia o seu nome tantas vezes que a aura dele estava praticamente transbordando pelo ambiente! O espaço inteiro parecia prestes a entrar em colapso!
Ah. Então ele ainda estava pensando em mim.
Dei de ombros.
— Não falei nada demais.
Micaela estreitou os olhos.
— Arthur...
— Tá bom, tá bom. — Levantei as mãos em rendição e contei para ela exatamente o que aconteceu. Quando terminei, fiz um gesto despreocupado. — Depois disso, ele simplesmente saiu correndo pelo corredor.
Micaela piscou.
— Por que você parece tão desapontado?!
Eu suspirei, cruzando os braços.
— Porque Lorde Thales não ficou para me provocar, obviamente.
Ela parecia ainda mais perplexa.
— Você... queria que ele ficasse para te insultar?
— Claro! — balancei a cabeça, como se fosse óbvio. — Você nunca percebeu? Ele brilha quando me insulta. É quase bonito de ver.
Micaela abriu a boca para responder, mas eu continuei, empolgado:
— Dá para perceber como ele quer me intimidar, quer me mostrar seu poder, mas sem usar a aura demoníaca. Ele poderia me destruir por completo com um estalar de dedos, mas não... ele prefere o jogo, prefere as palavras. Isso é fascinante!
Ela me olhou como se estivesse reavaliando minha sanidade mental.
— Pelo menos você sabe que está sendo intimidado...
— Claro que sei.
— E gosta disso?
— Depende. Se ele fizesse isso com mais classe, talvez.
Micaela massageou as têmporas e suspirou, parecendo resignada.
— Às vezes, me pergunto se você realmente tem alguma noção da sua própria segurança... ou da sua sanidade.
Sorri para ela.
— Eu me pergunto a mesma coisa.
Ela me encarou por alguns segundos antes de balançar a cabeça.
— Você é um caso perdido.
E, sinceramente? Ela provavelmente estava certa.
****************************
Quando voltei para o meu quarto, esperava encontrar apenas o silêncio confortável do meu próprio espaço. No entanto, fui recebido por uma visita inesperada—e, pelo olhar que me lançava, nada amistosa.
Uma mulher estava ali, parada no meio do quarto, como se tivesse emergido das sombras. Seus cabelos ruivos caíam sobre os ombros em fios bagunçados, e suas roupas eram típicas de alguém que passaria despercebida entre aventureiros errantes. Mas o que realmente chamava atenção era sua expressão: furiosa.
E, sinceramente? Do jeito que ela me encarava, eu sentia que poderia ser esfaqueado a qualquer momento.
Demorei apenas um instante para reconhecê-la.
Layla.
Ela era a mulher que ficou responsável por cuidar de Arthur desde que ele tinha apenas oito anos. Naquela época, foi ela mesma quem se apresentou diante do rei e da rainha e declarou que estava qualificada para assumir esse papel. E ficou. Criou Arthur. Protegeu-o. Foi sua única aliada até que, antes mesmo de eu recuperar minhas memórias da vida passada, o destino os separou.
Mas Arthur original sabia seu segredo.
Layla não era apenas uma governanta qualquer.
Ela era uma assassina de elite.
Traída e deixada para morrer nas ruas, à beira da morte, foi Arthur quem a encontrou e, sem se importar com sua origem ou seu passado, usou os remédios que haviam sido dados a ele para curá-la. Layla achou a atitude da criança... interessante. E, por alguma razão que talvez nem ela compreendesse direito, decidiu permanecer ao lado dele.
Agora, ela estava aqui. E não parecia nada feliz.
— Layla — falei, mantendo a voz neutra, mas já me preparando mentalmente para um sermão mortal.
Os olhos dela se tornaram ainda mais sombrios, e sua aura pareceu preencher o ambiente.
— Diga, jovem mestre, por qual razão você abandonou o palácio e veio se enfiar no castelo de um Lorde Demônio? — Sua voz era fria, afiada, carregada de uma sombra perigosa.
Só então percebi que havia algo errado.
Sangue manchava partes de sua roupa.
Dei um passo à frente, alarmado, mas antes que eu dissesse qualquer coisa, ela ergueu uma das mãos, interrompendo-me.
— Não se preocupe — disse, sem desviar o olhar. — São apenas ferimentos das bestas da floresta.
Houve uma pausa antes de ela continuar, sua voz ainda fria, mas com um toque sutil de exaustão.
— Não toquei em ninguém que esteja do lado do Lorde Demônio.
Suspirei, sentindo que essa conversa não terminaria tão cedo.
Ótimo.
Se sobrevivi ao olhar assassino de Lorde Thales, agora teria que sobreviver ao sermão de uma assassina real.
— Aposto que só você percebeu que eu sumi — murmurei, cruzando os braços e mantendo um tom casual, mesmo sabendo que minha frase carregava um peso maior do que parecia.
Por um instante, o olhar de Layla mudou. A frieza que sempre emanava dela vacilou, dando lugar a algo que parecia... pesar? Mesmo que fosse só por um segundo, eu percebi.
Ela achava minhas palavras intrigantes, talvez até irônicas, mas ao mesmo tempo, havia algo ali que a incomodava. Uma sombra de incômodo que ela tratou de esconder quase imediatamente, como se empurrasse o sentimento para algum canto escuro dentro de si.
— E então, invadiu o castelo. — Completei, arqueando uma sobrancelha.
Layla se recompos rapidamente, assumindo sua postura habitual, firme e inabalável.
— Eu vim atrás do senhor — corrigiu, seu tom firme, mas sem qualquer hesitação.
A forma como ela disse isso, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, quase me fez rir.
Claro que ela veio.
Claro que ela me encontraria, não importa onde eu estivesse.
Eu suspirei e passei uma mão pelos cabelos.
— Você realmente não tem instinto de autopreservação, tem?
Layla cruzou os braços e me olhou como se minha preocupação fosse a coisa mais absurda que já ouvira.
— Você está no castelo de um Lorde Demônio. Acho que essa pergunta deveria ser feita a você.
Toque.
Senti um sorriso se formar no canto dos meus lábios.
— Justo.
Eu podia tentar convencê-la de que estava bem, que minha decisão não foi tão impulsiva quanto parecia, mas conhecendo Layla... ela não aceitaria desculpas fáceis.
E eu definitivamente não estava pronto para encarar o sermão que viria a seguir.
— Eu não vou voltar — continuei, minha voz firme, sem espaço para dúvidas.
Layla me olhou por um momento, avaliando minhas palavras, mas seu semblante permaneceu impassível. Então, finalmente, ela suspirou.
— Eu não desejo levá-lo de volta — disse ela, seu tom carregado de certeza. — Desde que nos conhecemos, você cuidou de mim e me manteve ao seu lado. Eu sempre apoiei suas decisões.
Suas palavras tinham um peso real, mas foi o que veio depois que me pegou de surpresa.
— Na verdade, fiquei até aliviada de finalmente vê-lo fora daquele castelo. Se você tivesse continuado lá por muito mais tempo, eu teria matado cada um que ousasse falar mal do meu senhor.
Pisquei algumas vezes, absorvendo o que ela acabara de dizer.
Layla não era do tipo que jogava palavras ao vento. Quando ela dizia algo assim... ela realmente queria dizer isso.
Soltei um riso baixo e sentei-me na cama.
— Você é muito fiel.
Ela estreitou os olhos, cruzando os braços.
— Eu sou justa.
E então, sem nem hesitar, completou com uma frieza afiada:
— O único erro aqui é aquele pedaço de merda que você chama de pai. Se alguém deveria ser penalizado, era ele.
Eu arqueei as sobrancelhas.
Bem...
Pelo menos alguém aqui falava as verdades sem rodeios.
— Mas o que veio fazer aqui? — Layla perguntou, estreitando os olhos para mim, como se esperasse qualquer desculpa absurda da minha parte.
Eu sorri, fingindo que não via sua expressão de pura desconfiança.
— Eu vim morar aqui e me declarar para o... — comecei a falar, mas, no exato instante em que as palavras saíam da minha boca, a porta foi escancarada com um estrondo.
Layla reagiu no mesmo segundo.
Em um movimento veloz como o de uma sombra, suas mãos deslizaram para dentro das mangas, e quando reapareceram, seguravam duas lâminas finas e mortais. Com um reflexo impecável, ela girou os pulsos e apontou as armas diretamente para a figura que acabara de invadir o quarto.
Eu me virei para ver quem era.
E dei de cara com Silas.
O garoto olhava para nós com curiosidade, seus grandes olhos se alternando entre Layla—que ainda mantinha suas lâminas erguidas, pronta para atacar—e eu, que tentava processar a cena toda antes que alguém acabasse morto sem necessidade.
Houve um breve momento de silêncio desconfortável antes de Silas finalmente abrir a boca:
— Quem é essa, tio Arthur?
Layla não baixou as lâminas de imediato, mas seu olhar agora parecia analisar Silas como se ele fosse um pequeno mistério a ser resolvido.
Eu, por outro lado, só conseguia pensar que esse momento precisava ser registrado.
Porque, com certeza, essa situação ia piorar antes de melhorar.
Foi nesse instante que um grito agudo ecoou pelo corredor.
— AAAAAHHH!!!
Antes que eu pudesse sequer processar o que estava acontecendo, Martha—sim, a Martha—surgiu do nada, puxando Silas para trás dela como se ele fosse um frágil vaso de porcelana prestes a cair no chão.
— LEOPOLDO!!! — ela berrou, sua voz tão alta que tenho certeza de que acordou até os mortos que porventura estivessem dormindo em algum canto do castelo.
Em segundos, passos apressados ecoaram pelo corredor.
O caos tomou forma diante da minha porta.
O resto do castelo inteiro parecia estar se amontoando ali, e antes que eu pudesse tentar dizer algo, cavaleiros armados até os dentes invadiram o quarto.
E então tudo foi para o inferno de vez.
Assim que os cavaleiros avançaram contra Layla, ela reagiu sem hesitar.
As lâminas em suas mãos brilharam enquanto ela se movia com uma velocidade absurda. Um golpe certeiro aqui, uma esquiva mortal ali—cada movimento dela era afiado e letal, como uma dançarina da morte. Os cavaleiros que achavam que seria uma luta fácil foram jogados para trás um por um, sem sequer conseguirem reagir a tempo.
E eu?
Eu só conseguia assistir ao pandemônio se desenrolar diante de mim enquanto um pensamento muito claro ecoava na minha mente:
"Isso saiu do controle muito rápido."
Então, a voz estridente de Martha rasgou o ar novamente, gritando ordens e provavelmente ameaçando soltar as criaturas demoníacas do castelo em cima de nós.
Layla, por sua vez, parecia mais do que disposta a mandar um ou dois cavaleiros direto para o além.
E eu?
Eu finalmente me toquei de que talvez—só talvez—devesse me mover e impedir que essa bagunça ficasse ainda pior do que já estava.
Uma aura poderosa tomou conta do espaço como uma onda esmagadora, arrancando o fôlego dos meus pulmões no instante em que me atingiu.
O ar ficou pesado. Quase sólido.
E então, senti.
A raiva de Lorde Thales caiu sobre o quarto como um trovão silencioso.
A energia mágica dele disparou em direção a Layla antes que ela pudesse sequer reagir, atingindo-a com um impacto invisível. Seu corpo foi lançado ao chão, e antes que pudesse se reerguer, os cavaleiros avançaram, prendendo-a com firmeza.
E foi nesse momento que o próprio Lorde Thales apareceu na entrada do quarto.
Ele não precisou gritar.
Não precisou demonstrar agressividade física.
Bastou apenas estar ali para que todos no recinto recuassem imediatamente, como se a presença dele por si só fosse uma força esmagadora que ninguém ousaria desafiar.
Era possível ouvir um alfinete cair no chão enquanto ele avançava, seus passos ecoando no silêncio sufocante.
Os olhos dele passaram rapidamente por Layla, antes de se fixarem em mim.
— Esses humanos que invadem meu território sem mais nem menos... — murmurou, a voz baixa, mas carregada de um tom perigosamente afiado. — Deve ser outra doida.
Em resposta, Layla cuspiu no chão, sem demonstrar o mínimo de medo.
— Me solta para ver o que é bom, seu pedaço de chifre ambulante — rosnou, se debatendo contra os cavaleiros.
Eu suspirei, sentindo a tensão aumentar a cada segundo.
— Lorde Thales, ela não fez nada demais — falei, tentando manter minha voz neutra. — Só veio me ver. Foram seus cavaleiros que atacaram primeiro, sem nem ouvir o lado dela.
Os olhos de Thales escureceram imediatamente.
E então, ele se virou para mim.
Lentamente.
Com aquele olhar que poderia reduzir um ser humano comum a pó.
— Você está andando livremente pelo castelo há um único dia e já conseguiu causar uma confusão. Ou é alguém que gosta de se arriscar ou é alguém inacreditavelmente idiota.
Se eu tivesse um pingo de juízo, teria me calado.
Mas, como aparentemente nasci sem esse instinto de autopreservação, simplesmente cruzei os braços e rebati sem hesitar:
— Eu só estou dizendo a verdade. Não causei confusão nenhuma. Seus cavaleiros que invadiram minha privacidade sem mais nem menos.
O silêncio que se seguiu foi quase tão denso quanto a aura demoníaca que ainda pesava no ar.
E foi nesse momento que percebi que talvez... só talvez... eu estivesse jogando gasolina no fogo.
— Que privacidade está dizendo que tem aqui, sendo que está aqui contra o meu gosto?! — Lorde Thales rugiu, sua voz carregada de frieza e irritação contida.
A pressão da aura dele aumentou, e por um instante, juro que senti o ar ao meu redor vibrar.
Eu pisquei, mantendo-me firme onde estava.
— Uau, então agora estamos gritando? Ótimo, posso gritar também? — provoquei, abrindo os braços teatralmente.
Os cavaleiros pareceram prender a respiração ao mesmo tempo, enquanto Layla, mesmo presa, me lançou um olhar que dizia claramente "você perdeu o juízo?".
Lorde Thales apertou os punhos, como se estivesse considerando seriamente me arremessar pela janela mais próxima.
— Você... — ele começou, mas eu o interrompi, apontando um dedo para ele com um sorriso presunçoso.
— Agora, veja bem, Lorde Todo-Poderoso Thales, eu realmente não queria estragar seu dia, mas vamos aos fatos. Eu não causei essa bagunça. Seus cavaleiros invadiram o meu quarto, apontaram espadas para a minha convidada e começaram a agir como se eu fosse um traidor escondendo um exército atrás das cortinas!
Houve um silêncio carregado no ar.
Ele me encarava.
Eu o encarava de volta.
No fundo, sabia que estava jogando com a minha vida aqui. Mas, honestamente?
Ver as sobrancelhas dele se contraírem levemente e a veia em sua têmpora pulsar como se ele estivesse segurando a vontade de me transformar em poeira mágica fazia tudo valer a pena.
— Seu pequeno... — Lorde Thales rosnou entre dentes, e eu tive a nítida sensação de que, se ele ainda estivesse segurando algum resquício de paciência, estava prestes a jogá-la pela janela.
Os cavaleiros ao redor engoliram em seco. Layla, ainda presa, parecia à beira de revirar os olhos, como se estivesse se perguntando por que diabos eu fazia tanta questão de provocar alguém que podia me obliterar com um estalar de dedos.
Mas eu?
Eu apenas sorri, inclinando levemente a cabeça para o lado, como se estivesse analisando sua fúria como um observador curioso.
— Pequeno? — repeti, fingindo uma expressão ofendida. — Lorde Thales, você acabou de insultar minha altura? Isso foi uma tentativa de me rebaixar? Porque, sinceramente, se for esse o caso, eu esperava algo melhor vindo de você.
Eu juro que vi um músculo se contrair em sua mandíbula.
— Você realmente quer testar minha paciência, Arthur Kaymin? — ele rosnou, sua aura ficando ainda mais densa.
Eu sorri ainda mais.
— Claro que não! Jamais faria isso — pausei e acrescentei, de propósito: — ... pelo menos, não de propósito.
Foi nesse momento que percebi que talvez, só talvez, tivesse ido longe demais.
Lorde Thales deu um passo à frente, e a temperatura do quarto pareceu despencar.
— Você... — sua voz saiu baixa, perigosa, como se estivesse saboreando a ideia de me partir ao meio.
Layla tentou se levantar, mas os cavaleiros ainda a seguravam. Ela olhou para mim, exasperada.
— Você quer morrer, jovem mestre?
Eu ri, me encostando na cama, sem me preocupar com o caos ao redor.
— Ah, Layla, por favor, olha pra ele. Você já viu alguém mais radiante do que o Lorde Thales quando está irritado?
O silêncio que se seguiu foi absoluto.
Os cavaleiros pareciam não saber se deveriam se preparar para assistir a um assassinato ou fugir antes que sobrasse para eles. Layla enterrou o rosto nas mãos.
E Lorde Thales...
Bom.
As orelhas dele estavam vermelhas.
Eu ganhei.
— Sabemos que a Layla não quebrou o acordo — falei, mantendo minha voz firme e segura. — Ela entrou sem fazer vítimas. Foram vocês que levantaram as espadas para ela.
Meu olhar varreu o quarto, analisando os rostos dos cavaleiros, ainda tensos, prontos para reagir a qualquer movimento da minha antiga guardiã.
Martha, no entanto, não parecia convencida.
— Quando eu entrei, ela estava apontando as lâminas para Silas! — exclamou, como se isso encerrasse o argumento.
Soltei um suspiro cansado.
— Ela estava me contando como foi uma vez que se aventurou entre lobos — expliquei, dando de ombros. — Se ela realmente tivesse atacado o Silas, vocês não acham que ele estaria assustado?
O silêncio que se seguiu foi quase cômico.
Todos os olhares se voltaram imediatamente para o pequeno Silas.
E lá estava ele, não tremendo, não chorando...
Mas admirado.
Os olhos do garoto brilhavam ao olhar para Layla, como se estivesse vendo uma heroína lendária em sua frente.
Ele piscou, e então, para a surpresa geral, soltou um pequeno "Uau" de genuíno fascínio.
O desconforto na sala cresceu. Alguns cavaleiros trocaram olhares incertos, claramente começando a perceber que talvez, só talvez, tivessem sido um pouco precipitados.
Martha pigarreou, cruzando os braços, parecendo insatisfeita com a revelação.
Eu me virei para Lorde Thales, um sorriso vitorioso se formando em meus lábios.
— Então, o que me diz, meu lorde? Alguma chance de deixarmos minha convidada respirar um pouco sem que suas tropas a tratem como uma ameaça nacional?
O olhar de Thales era afiado o suficiente para perfurar aço.
Mas, o detalhe que me fez sorrir ainda mais?
Suas orelhas ainda estavam vermelhas.
— Soltem a mulher. — Thales ordenou, sua voz firme e implacável.
Os cavaleiros hesitaram por um instante, mas ninguém ousaria desobedecer um comando direto do Lorde Demônio. Com relutância, soltaram Layla, que imediatamente se levantou, sacudindo o pó de suas roupas como se não tivesse acabado de ser jogada ao chão e presa por um batalhão inteiro.
Ela não disse nada, apenas lançou um olhar afiado para os cavaleiros ao seu redor, deixando claro que, se fosse por ela, a história teria terminado de um jeito bem mais sangrento.
Eu cruzei os braços e, antes que alguém pudesse sugerir qualquer outra coisa absurda, anunciei com toda a naturalidade do mundo:
— Layla ficará comigo, pois foi ela quem cuidou de mim desde que eu tinha oito anos.
O silêncio na sala foi quase palpável.
Martha olhou para mim como se eu tivesse acabado de sugerir adotar um dragão de estimação. Alguns cavaleiros pareceram prender a respiração.
Mas foi a reação de Thales que realmente me interessou.
Ele me lançou um olhar longo e intenso, como se estivesse decidindo se deveria questionar minha sanidade ou simplesmente aceitar que discutir comigo era perda de tempo.
— Você está trazendo ainda mais humanos para o meu castelo? — ele disse lentamente, a paciência em sua voz tão fina quanto um fio de navalha.
Sorri para ele, inocente como um anjo.
— Tecnicamente, ela já estava no território antes de você notar.
As sobrancelhas dele se contraíram.
— Isso não é um argumento válido.
— E ainda assim, aqui estamos nós.
Thales massageou a têmpora, como se estivesse à beira de um colapso nervoso.
Layla, por outro lado, apenas observava tudo, completamente impassível.
Finalmente, depois de um suspiro pesado, Thales olhou para mim com aquele olhar letal e exasperado ao mesmo tempo.
— Um dia, Arthur Kaymin...
Inclinei a cabeça, sorrindo.
— Sim?
Ele não terminou a frase. Apenas virou as costas e saiu do quarto, provavelmente para reconsiderar todas as escolhas que o levaram a me deixar pisar neste castelo.
Layla me olhou de lado.
— Você gosta de testar a paciência dele, não é?
— Ah, Layla, você ainda não viu nada.
Layla cruzou os braços, observando-me com aquele olhar cético que só alguém que já me conhecia bem demais poderia ter.
— Você realmente gosta de testar a paciência do Lorde Demônio, não é?
Sorri para ela, dando de ombros.
— Gosto? Não sei se gosto... Mas que é divertido, isso é.
Ela suspirou profundamente, balançando a cabeça.
— Sabe que ele poderia te transformar em cinzas com um estalar de dedos, certo?
— Mas não transformou.
— Ainda.
— Detalhes.
Layla esfregou o rosto com as mãos, como se tentasse decidir se ainda valia a pena gastar sua energia tentando me trazer para a realidade.
Enquanto isso, os cavaleiros começaram a se dispersar, meio confusos, meio aliviados por Thales ter decidido simplesmente ir embora antes que alguém fosse de fato incinerado. Martha ainda parecia irritada, mas não discutiu mais.
O único que continuava parado, me observando com um brilho curioso nos olhos, era Silas.
— Então você realmente vai deixar essa moça morar aqui, tio Arthur? — ele perguntou, balançando as perninhas, sem parecer minimamente incomodado com todo o caos que tinha acabado de acontecer.
— Claro que sim! — respondi, me aproximando dele e bagunçando seus cabelos. — Ela cuidou de mim quando eu era mais novo. Agora é minha vez de garantir que ela tenha um lugar seguro.
Layla me lançou um olhar de canto, mas não disse nada.
Silas pareceu pensar por um instante antes de sorrir.
— Isso é legal.
— Eu sou legal, — brinquei, piscando para ele.
— O papai não acha isso, — Silas riu.
— Bom, um dia ele vai perceber minha genialidade, — suspirei dramaticamente, cruzando os braços. — Ou vai me matar primeiro. É um jogo equilibrado.
Layla soltou um resmungo de exasperação.
— Se você morrer, eu vou te matar de novo.
Ri, jogando um braço sobre seus ombros e guiando-a para dentro do quarto.
— Ah, Layla... que saudades eu estava de você.
Ela revirou os olhos, mas não afastou meu braço.
E assim, com minha antiga guardiã oficialmente instalada no castelo, um Lorde Demônio à beira da explosão nervosa e um garotinho que provavelmente via tudo isso como uma peça de teatro caótica, percebi que minha vida aqui seria tudo... menos entediante.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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