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Onde Está Minha Mãe?

  Tudo estava encaixando-se perfeitamente. Elizabeth fora dormir feliz naquela noite, deitou e pensou no que estava acontecendo. Sorriu, bocejou, coçou os olhos e dormiu. Nem preocupara-se com as roupas sujas masculinas e muito menos com o que aconteceria dali pra frente.

  A noite parecia tão silenciosa. Tão calma. Não era possível ouvir nada. Águila explicara o necessário para que Liz descarregasse grande peso nas costas. Contou, enquanto jantavam, que o lugar onde estavam era o Palácio Perdido, onde os quatro Elementares se reuniam para discutir a respeito das ameaças constantes dos reinos dominados, os únicos que poderiam saber da existência de tal castelo eram os Elementares e a Elementure, porém, em caso de extrema necessidade, pessoas de alta confiança conseguiriam pisar no assoalho de ouro do palácio. Narrou tudo sobre os reinos e sobre portais e lugares espetaculares. Dissera que as fronteiras de Ogash eram desenhadas por montanhas e desfiladeiros, era como um vale rodeado por morros, rios e pedras, o que impedia qualquer um de atravessar as mesmas. Contou que no limite do reino, criaturas assombrosas impediam que qualquer um fugisse do bosque, assim explicando o porquê de Ogash não ter saída.

  Liz já dormira meia madrugada naquela noite, mas suas lembranças vieram a tona em um único suspiro. Acordou de súbito, levantando-se rapidamente da cama macia do Palácio. Olhou a sua volta e fitou os móveis dourados iluminados por um clarão vindo da janela de cristal. Passou as mãos no cabelo e antes que voltasse a deitar, deu um forte grito:

  – Onde está minha mãe?

  Elizabeth esquecera completamente de Clarissa. Se aquilo tudo era real, ela pensou, sua mãe desaparecera de verdade. O horror tomou conta de seu rosto, correu até a porta de carvalho pintada com pedras preciosas e saiu a correr pelos corredores do castelo.

  – Mãe, mãe! – Ela repetia aos berros enquanto esquivava-se pelo passadiço.

  Esquecera até de calçar as botas de cano alto que Afonso a emprestara quando se conheceram. Com os pés descalços, pisoteando o chão frio, Liz correu por quase todo o Palácio a procura de sua mãe, e se não fosse por Afonso, ela correria por todo o castelo, e se deixassem, sairia pelo Bosque de Ogash e não descansaria até encontrar Clarissa.

  Quando a Elementure passara correndo em frente a porta do quarto onde o arqueiro dormia, esbarrou num quadro largo, causando um barulho não muito alto. A tela balançou-se na parede e só não caiu por estar pregada. Afonso acordou num pulo, dirigiu-se até a porta e viu a sombra de Liz percorrer as paredes.

  – Mãe, onde a Senhora está? – Ela gritava enquanto corria entre as paredes grossas do corredor.

  Elizabeth avistara quadros, móveis e abajures posicionados no decorrer do passadiço. O que a permitira enxergar eram as velas perfumadas, colocadas em pratinhos de ouro pregados nas laterais do lugar. Com um cheiro de rosas inquietante, a menina abriu portas e mais portas, e não sabia o porquê daquilo tudo. Tinha a noção em sua mente que Clarissa não estaria ali, mas mesmo assim procura feito louca por salões e quartos. Ao chegar a uma esquina, após transpassar um longo corredor, ouviu um grito em tom grave, chamando-a pelo nome. Virou-se para trás e ao fitar o corredor, avistou Afonso erguido em sua extremidade. O arqueiro correu à seu encontro e com uma expressão confusa, perguntou:

  – O que faz aqui, Liz? Ouvi gritar por sua mãe.

  – Afonso – seus olhos encheram-se de lágrimas –, se isso tudo é real, a minha mãe... Ela... Ela está desaparecida!

  – Eu havia esquecido-me desse detalhe – tentou não mostrar-se rude.

  – Ó Afonso, que filha eu sou?! Não lembrei-me de minha própria mãe, me sinto envergonhada! – Seus olhos azuis se tornaram vermelhos e as lágrimas já escorriam pelo semblante.

  – Do que você está falando? – Ele ainda não compreendia.

  – Isso tudo... Isso não é um sonho – Liz levou as mãos ao rosto, na tentativa inútil de esconder as lágrimas. – E se não é um sonho... A minha mãe... Ela... Ela desapareceu de verdade!

  – Acalme-se Liz – Afonso a envolveu num forte abraço, apesar de ser um pouco desengonçado, sabia muito bem consolar as pessoas –, sua mãe está segura, tenho certeza disso!

  – Como você sabe? Nem a conhece! – a Elementure foi rude, empurrando-o para longe.

  – Olha, você tem razão, não sei de nada... Volte a dormir, quando amanhecer conversamos com Águila – proferiu calmamente, pois palavras grosseiras só piorariam a situação.

  – Não vou conseguir dormir! – Elizabeth gritou. – Estou falando de minha mãe!

  O rosto branco de Liz ficou vermelho, sua cabeça parecia querer explodir. Os punhos fecharam-se, uma veia cresceu na testa, as pupilas dilataram e para o espanto do arqueiro, as paredes tremularam, os abajures caíram, os quadros se espatifaram e as lâmpadas estouraram.

  – Calma Liz – a voz de Afonso ressoou trêmula.

  Os ouvidos da menina pareciam querer exalar fumaça. Afonso desequilibrou-se e só não caiu porque apoiou-se na parede. O gesso descascou e parte da quina do corredor despencou. O corredor atrás da Elementure caiu em uma só vez, acabando com lustres e abajures de ouro e diamantes. O olhos assustados de Afonso fitaram o passadiço a suas costas, viu que ainda não estava totalmente destruído, daria tranquilamente para esquivar-se e pular para outro corredor. O corpo magro do homem já dera um passo quando se tocou de que não podia deixar a menina sozinha, ela poderia morrer esmagada por blocos de ouro e gesso.

  – Acalme-se Liz – ele gritou. Sua voz saiu embaçada e fraca em meio a poeira e os barulhos do desmoronamento. – Você vai nos matar!

  Elizabeth não respondeu, permaneceu com os olhos fixos no horizonte, enquanto tudo desmoronava, os pés da menina mantinham-se fixos no chão, sem se quer mexer-se. Ao olhar profundamente nos olhos azuis de Liz, Afonso viu uma lágrima escorrendo pelo semblante, transpassando o nariz, esquivando-se na bochecha e caindo do queixo até o assoalho. Tudo parecia perdido quando um véu de água correu nos tetos e nas paredes. Era esplêndido. Os tremores acalmaram-se, um túnel de água se formou, e para a surpresa de Afonso, a água segurava todos os destroços do terremoto.

  – Uau! – O arqueiro sussurrou.

  – Vamos logo, não temos muito tempo! – A voz doce e calma de Águila penetrou nos ouvidos de Afonso e Liz. A Elementar surgiu em uma das extremidades do corredor, suas mãos estavam erguidas para frente, e só foi nesse momento que Liz acordou do transe.

  – O que está acontecendo? – Ela indagou com a voz fraca. As pernas bambearam, a cabeça girou, ficou sem forças e caiu nos braços de Afonso.

  – Traga-a para cá! – Águila gritou ao ver que a menina acabara de desmaiar.

  Enquanto as mãos delicadas de Águila erguiam-se na direção das paredes, o que Afonso entendeu como dominação da água, o arqueiro arrastava sem muitas dificuldades o corpo pequeno da Elementure. Enroscou os braços em sua cintura, jogou-a para cima, deixou-a com o corpo erguido no ar e levou-a para perto de Águila.

  – Leve-a para a sala das histórias! – Proferiu séria.

  Afonso saiu correndo pelo passadiço e com um pouco de dificuldade conseguiu levar Liz até a sala que Águila mandara. Enquanto isso, a Elementar ainda tentava segurar os destroços com o véu de água corrente, que mais parecia uma manta delicadíssima. A água tomou conta de tudo. E aos poucos restaurou cada partícula sólida, os quadros foram levados até as paredes, os abajures colocados em pé, os lustres refeitos no teto e para a estupenda alegria de Águila, tudo estava como antes. Num passe de mágica.

  O arqueiro chegou à sala entapetada, coberta por almofadas e não hesitou em deitar a menina no chão. Pela primeira vez, Afonso pode observar atentamente o rosto de Liz, fitou os olhos fechados e imaginou as pupilas azuis olhando-o com carinho. Contemplou o corpo esbelto e pequeno, levando seus olhos para a pequena boca carnuda. Se não fosse ele, sem dúvidas amaria com todas as forças a pequena moça, mas Afonso não era outra pessoa. Não tinha músculos, nem a voz mais grossa do mundo, nunca teve um cabelo bonito e muito menos roupas bonitas. E foi por isso que concluiu que não deixaria seus sentimentos florescerem, já que mais tarde, poderia se machucar e ter o coração partido.

  – Ela já acordou? – Águila entrou na sala interrompendo os pensamentos de Afonso.

  – Ainda não – ele respondeu preocupado. – O que aconteceu?

  – Bom, mais cedo ou mais tarde alguma coisa iria sair de Elizabeth – a Elementar agachou ao lado da menina, ajeitando uma almofada em sua cabeça.

  – Não compreendo! – Sibilou fitando o rosto branco de Liz.

  – Tem certeza que não compreende? – Águila afundou os olhos nos de Afonso e constatou que ele sabia muito bem o que acontecera.

  Na realidade o arqueiro tinha uma breve noção do ocorrido, mas o que Águila falara não era nem um pouco ligado ao terremoto que a Elementure causara. A moça sabia perfeitamente dos segredos de Ogash e das pessoas que lá viviam.

  – Mas como? – Afonso gaguejou ao concluir que a Elementar sabia o que ele escondia.

  – Nenhum segredo fica oculto à um Elementar, como também não fica para a Elementure. Eu, mais que ninguém, conheço todas as fórmulas de Ogash. Não tenha medo Afonso, se você possui o dom, use-o – as palavras de Águila saíram calmas e serenas.

  Afonso piscou, olhou o rosto de Liz e quando abriu a boca para falar, a Elementar o interrompeu:

  – Não diga mais nada, apenas pense no que eu te disse. O seu dom não lhe trará vergonha alguma! Use-o se necessário.

  Dito isso, os pontos indelicados na mente de Afonso dilataram. Se ele tinha um dom, pensou, deveria usá-lo sem medo. Além do mais, todos os seres de Ogash possuíam divindades, já que tudo era mágico, os seres vivos também seriam.

  – Ela vai ficar bem? – Afonso indagou voltando a ficar preocupado.

  – Claro, ela só está dormindo – Águila respondeu serenamente.

  – Então quer dizer que os poderes de Liz só se manifestam na hora da raiva?

  – Bem, pelo que vi, é fato que ela não consegue controlar nada ainda, mas acredito que com treino, ela possa evoluir bastante – Águila fitou o rosto de Afonso, viu que ele olhava fixamente para o semblante da menina e tornou a dizer: – Você gosta dela, estou certa?

  – Claro que não senhora, imagine... Eu e Liz somos amigos – respondeu envergonhado.

  – Não me chame de Senhora rapaz, já deixei claro que não gosto – interveio ainda com uma voz calma.

  – Perfeitamente...

  Águila sabia de muitas coisas, foi por isso que constatou que o arqueiro gostava de Liz e também que ele possuía um dom, que até ali, ainda estava escondido entre seu sangue. Na verdade, os Elementares possuíam divindades que até eles mesmos desconheciam, a cada dia uma coisa nova podia ser descoberta.

  – Onde está a mãe de Liz? – Afonso indagou curioso.

  – Bem... Elizabeth não cederia tão fácil assim, na mente da menina tudo não passava de um sonho, e apesar dela mesma dizer que agora sabe que tudo é real, bem no fundo ela ainda mantém viva a ideia de estar sonhando...

  – Mas o que isso tem haver com o fato do desaparecimento de sua mãe?

  – A menina não derrotaria a Dama de Ogash sem um propósito – proferiu rapidamente.

  – Claro que derrotaria... Ela se sacrificaria para salvar o mundo...

  – Sim, mas não em um mundo como esses... Ela apenas tentaria curtir o quanto fosse necessário.

  Afonso não disse mais nada, entendera tudo. Mas só lhe restava uma dívida.

  – Para onde levaram a mulher?

  – Está em Éron, em um sono extremamente profundo. E não se preocupe, Clarissa passa super bem... Eu mesma conversei com ela, a mãe de Liz ainda está perplexa com tudo, mas sabe que a Elementure está bem – Águila respondeu, logo após levantou-se e concluiu: – Fique com ela, logo logo acordará.

  E em esplendorosos passos, caminhou até o portal semicírculo e desapareceu ao curvar à direita. Deixando Afonso e Liz sozinhos, a menina esticada no chão e o arqueiro de pernas cruzadas fitando-a de olhos flácidos.   

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