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Um Sopro de Alívio
E lá estavam, todos espremidos num esconderijo minúsculo e desconfortável. Onde a única coisa ouvida era as respirações constantes dos três. Para Liz tudo parecia bizarro, não entendia nada sobre a profecia e muito menos sobre a perseguição da feiticeira. A única coisa clara, ela sabia, era apenas o lugar onde estava, que segundo as explicações de Afonso e Moglim, era Ogash, e a câmara na qual estavam, era o Novo Ogash. Bem, isso era tudo, não queria bancar a chata com os rapazes, mas não hesitava, a cada dez minutos implorava uma explicação, e claro que ninguém se manifestava.
– Em fim eu acordarei do sonho! – Ela sussurrou mais para si do que para os outros ao ouvir o armário sendo arrastado da entrada do latíbulo.
Afonso suspirou, seu coração parecia querer sair pela boca enquanto o guepardo trancou os dentes e aguardou até que algo se manifestasse.
A luz penetrou o esconderijo e os rostos apavorados dos três foram expostos diante do clarão. O ambiente abafado tornou-se arejado e um sopro de alívio foi lançado longe quando os olhos perplexos fitaram o que acabara de arrastar o armário.
– Oh, não acredito no que vejo! Águila é você mesmo? – O guepardo tremeu ao ver um ser reluzente e de beleza infinita erguida em frente ao esconderijo.
– Quanto tempo Moglim! – O ser sibilou. Sua voz parecia uma sinfonia de dez mil flautas, uma cantoria de ópera cantada por uma mulher muito afinada. Parecia ser o sussurro de um vento e ao mesmo tempo um grito de dor.
Os olhos de Liz brilharam, seu coração parecia querer explodir de felicidade, e ela não tinha a noção do porquê. Mesmo nunca tendo visto aquele ser ela constatou que a moça nunca faria mal a ninguém. Tentou disfarçar, mas não conseguiu. Olhou dos pés a cabeça da menina. Fitou a cauda do vestido branco, subiu os olhos e encantou-se com a pele verde escura e os olhos azuis que chegavam a brilhar. Seus contornos eram delicados, as vestimentas de altíssimo valor feito de puro algodão, que se arrastavam no solo, mas o que mais chamava atenção eram os cabelos, ou melhor, pétalas azuis turquesa com tons mais claros nas pontas que caiam como plumas abaixo do quadril. Aparentava ter 20 anos, mas em um lugar daqueles, nada era certo.
– Como é linda! – Elizabeth sussurrou, fazendo com que apenas o guepardo ouvisse.
– Oh, estou perplexo, mas como? – Moglim gaguejou enquanto Afonso fitava a moça de contornos anormais e Liz coçava os olhos na intenção de enxergar melhor.
– Agora não é tempo para explicações Moglim. Temos que fugir daqui agora! Cona está atrás da menina e não vai descansar até achá-la! – Mesmo com uma expressão preucupada e insegura, Águila mantinha um ar de segurança, o que causou em Liz um conforto inexplicável.
Todos se levantaram num pulo e saíram do latíbulo rapidamente. Afonso sacudiu a calça marrom retirando os restos de terra seca grudadas na mesma, também bateu as mãos na camisa de mangas longas e ajeitou, por fim, a aljava nas costas.
– Sei que não está entendendo nada Elizabeth, mas quando acharmos um lugar seguro te explicarei tudo. Agora, vamos! Cona pensa que vocês foram para o sul, antes dela descobrir que o papagaio mentiu já estaremos longe!
Sem delongas, os três dispararam a correr atrás de Águila, que mais parecia uma princesa arrastando o vestido no chão, o que o sujava um pouco. Os quatro traspassaram a trilha rodeada pela vegetação fechada do Novo Ogash, correram até o portal donde vieram e como na primeira vez, sentiram-se como se tivessem atravessando uma bolha. O ar calmo e o clima estupendo deram lugar a uma guarita fria e úmida, onde não se via quase nada. Os sons serenos foram interrompidos pelo barulho forte da cachoeira. Logo, todos estavam de volta ao bosque, onde o sol começava a se por e o ar gélido soprava no rosto dos quatro.
– Venham! Antes do anoitecer chegamos ao nosso destino! – Águila fitou-os rapidamente enquanto corria entre os arbustos.
Não demorou muito e o lago onde a cachoeira caia foi desaparecendo e o barulho da cascata diminuindo. A corrida permaneceu silenciosa, ninguém se pronunciava, a não ser os grilos e as folhas secas que gritavam a todo o momento.
Correram por cerca de 30 minutos até chegarem a uma clareira onde a relva era mansa e curta, um lugar que imitava as sensações boas do Novo Ogash.
– É aqui! – Águila sibilou erguida bem ao centro do espaço.
– Não vejo nada, acho que a Senhora se enganou... – Moglim tremeu um pouco enquanto falava.
– Não me chame de Senhora, Moglim – ela sorriu. – Sabe que não gosto. Ah, já ia esquecendo-me. Desculpe a indelicadeza... – Antes de terminar a frase, a moça ergueu os braços e num piscar de olhos, uma escada de cinco degraus surgiu, dando para uma enorme porta semicírcula de duas abas.
Os olhos de Afonso e Liz arregalaram-se. Moglim não demonstrou-se surpreso, foi logo entrando, subiu as escadas largas e atravessou o portal de madeira bruta com cores douradas e tons escuros. As portas eram brancas com flavos em forma de raízes, simplesmente lindas.
– Entrem, sintam-se a vontade. E não se preocupem com a feiticeira, ela não sabe e nunca saberá dessa porta. Venham, vamos logo! – Águila proferiu enquanto subia as escadas como uma dama. Atravessou as portas e logo todos já estavam dentro de uma enorme sala.
Antes que os olhos de Liz pudessem contemplar o lugar, a moça dos cabelos turquesa ergueu as mãos novamente e as portas se fecharam, e respectivamente, a passagem desapareceu dos olhos do bosque. Todos, exceto Águila, olharam perplexos para o salão retangular. Era um corredor longo, cercado por algumas colunas redondas e brancas, com o assoalho de madeira dourada, paredes e teto de gesso fino. No fim do corredor, outra escada de cinco degraus levava para outra câmara, onde só descobririam mais tarde o que lá estava.
– Você mora aqui? – Moglim indagou ainda pasmo.
– Bom, eu moro na Ásia, mas eu e meus irmãos nos encontramos aqui na maioria das vezes – ela respondeu. O que a fez lembrar por segundos seus velhos amigos Edchell e Sophia.
Tudo seria explicado mais tarde, mas Liz ainda estava inquieta.
– Podem me explicar o que está acontecendo? – A menina perguntou antes que Águila tornasse a falar.
– Calma moça – ela sorriu. – Vamos, vou mostrar-lhes seus aposentos!
Elizabeth resolveu não dizer mais nada, apenas seguiu a moça, junto de Afonso e Moglim. Traspassaram todo salão, subiram as escadas e deram de cara com uma sala redonda, onde quatro tronos eram expostos em uma semi lua. As cadeiras eram estofadas com algodão vermelho, feitas de puro ouro e erguidas sob um altar. Os olhos reluziam ao esbarrarem-se com os móveis. Logo atravessaram outra porta, andaram por um corredor e curvaram-se em outro e depois mais outro. Em fim, chegaram nos quartos.
Era incrível como tanta beleza erguia-se em um dó lugar, tudo era dourado, revestido por gesso e platina. As portas do quarto eram de madeira rústica, pintadas com camadas de tintas finíssimas de diamantes e pedras preciosas, dando a combinar com os lustres.
– Como tudo isso é brilhante! – Liz sibilou encantada, nunca avistara tanta riqueza na vida.
– Realmente Elizabeth – a Elementar confirmou, fazendo com que a menina percebesse que Águila, ao proferir seu nome, criava um assento agudo imaginário no i. Deixando tudo com um ar requintado. – Mas tudo isso não vale de nada sem felicidade!
Após abrirem três portas e conhecerem rapidamente os aposentos, todos andaram mais um pouco, chegando à uma sala com estofados e sofás, onde duas escadas as circulavam, tendo encontro a outro andar. Subiram calmamente com os dentes a mostra. Sorriam sem saber o porquê, com uma sensação maravilhosa. Adentraram uma sala sem portas, com um portal de ouro, onde o assoalho era de camurça e várias almofadas eram espalhadas pelo mesmo.
– Em fim, essa é a sala das histórias... Acomodem-se como quiserem, está na hora de Elizabeth saber da verdadeira história – a voz de Águila penetrou como flautas nos ouvidos de Moglim, Liz e Afonso.
Todos sentaram-se serenamente em cima de almofadas de diferentes cores, todas com detalhes floridos e retorcidos. Apuraram os ouvidos e esqueceram completamente que não comiam fazia horas.
– Bem – ela começou –, está claro que a Senhorita é uma Elementure, certo?
– Dispenso o Senhorita madame, mas não entendo o termo Elementure – mostrou-se confusa.
– Há séculos atrás, uma profecia foi criada com a ajuda de dois seres humanos. Edchell e Sophia. Na qual dizia o seguinte: “Eis que virá uma moça desacreditada da magia. Uma jovem que herdará todos os poderes Elementares, que se preocupará com a vida mortal e tentará salvar os humanos da morte. Viverá com o intuito de vencer, mas vede que não será fácil. Nem sempre tudo dá certo, no entanto, tendes tomar cuidado com seu próximo ou até com sigo mesma. Já que não queres acabar como os Floris, os seres sedutores de aparência mansa e vistosa. Por fim, concluo que não será fácil vencer o que ainda não existe. Pois nem todas as flores são dóceis”. Essa moça, é você, na qual chamamos de Elementure, devido às origens, filha dos Elementos. A qual herdeira dos poderes mais belos do mundo. Fogo, água, terra e ar. Como sabe, sou Águila, a Elementar da água...
– Bom, apesar de eu não ter entendido muito bem essa tal de profecia, acho que já compreendo um pouco. Devo destruir uma coisa, com meus poderes que eu nem tenho ainda? – Indagou tentando não demonstrar-se grossa e sarcástica.
– Existe um lugar, Elzâns, um reino escondido, onde é habitado por seres denominados Floris, os quais você só reconhecerá ao olhá-los de perto. Esses são as piores coisas do mundo, assassinos cruéis, que matam por prazer, com uma única intenção na mente, acabar com tudo que respira nesse mundo – a Elementar tentou não demonstrar-se sombria, mas tinha que dizer a verdade, mesmo sendo aterrorizante.
– Então ainda estamos no planeta Terra? – Liz ainda não se tocara do que estava acontecendo.
– Sim e não. Ogash é uma dimensão escondida, com uma única passagem de entrada e de saída. A árvore que você colidiu, e que você tocou – olhou para Afonso em uma expressão séria. – É a única passagem para o bosque. Obviamente, tocaram na mesma árvore...
– Não há essa possibilidade madame, Liz morava em Oriente e eu em Del'Monte – Afonso falou com um olhar confuso.
– Isso não vem ao caso agora, quero saber se Elizabeth entendeu tudo o que queria saber – Águila sorriu e voltou a olhar para a menina.
– Bom, você está querendo dizer que estou em um lugar mágico, onde eu sou uma Elementure, herdeira dos poderes elementares, na qual tenho a missão de salvar o mundo de flores? – Segurou um riso.
– Perfeitamente, o nome correto é Floris, mas fale como quiser... Temos que comer um pouco, não acham?
– Claro! – Moglim em fim se manifestou. Levantou-se de duas almofadas e se esticou, soltando um leve bocejo.
Na verdade, Elizabeth não tivera muita noção do que estava acontecendo. Porém sua mente começava a clarear e o pensamento de estar sonhando começara a desaparecer. Indagou-se como era possível dormir por tanto tempo e não acordar nunca, como era plausível tudo ser tão real. Aos poucos, ela foi constatando de que aquilo estava de fato acontecendo e que ela era realmente a Elementure de que tanto falavam.
– Tenho certeza de que meus amigos prepararam um delicioso jantar para vocês... Venham, vamos comer...
– Ei, ainda não me disse o porquê da perseguição de Cona. O que ela quer comigo? – Liz lembrou-se.
– Ó, desculpe... Como poderia me esquecer? Cona é uma reverenciadora da Dama de Ogash, a terrível praga que prometeu, em uma mensagem, que libertaria os Floris de Élkans – Águila proferiu enquanto levantava-se do chão.
– Quem é essa Dama de Ogash? – Liz não entendeu.
– Foi por causa dela que a profecia foi criada. Todos os Elementares mantiveram-se em alerta, e há séculos todos nós esperamos sua chegada. Prontos para a batalha, e pelo que vejo, está mais próximo do que pensávamos...
– Então ela é a única que pode libertar os tais Floris? – A Elementure começara a entender melhor.
– Acreditamos que sim. E só você pode detê-la!
A expressão de Liz fechou-se. Agora sim ela entendera o motivo daquilo tudo. E mesmo ainda perplexa, calou-se e aceitou a situação serenamente. Ainda tinha dúvidas em questão da magia, mas pensou que tudo aconteceria em seu devido tempo. Os quatro deixaram a sala das histórias e foram para um enorme cômodo, onde uma mesa de vidro muito longa tomava quase todo o lugar. As cores douradas ainda estavam presentes nas cadeiras e nas paredes. O que mais chamava atenção era o lustre, feito de diamantes e rubis, no qual iluminavam sem energia elétrica, dando a aparência de que as pedras preciosas tinham luz própria.
Sentaram-se todos em uma das extremidades da mesa, onde Águila erguia-se na base central, ao lado esquerdo Moglim e ao direito Liz e Afonso. Fartaram-se com frutas e peixes, molhos e sucos, vinhos e bebidas de diferentes espécies. Por fim, a Elementure e o arqueiro constataram que aquela fora a melhor refeição de suas vidas. Ao final da noite, recolheram-se em seus aposentos de belíssimos móveis, e dormiram serenamente, em camas confortáveis e aconchegantes.
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