16

No Pico dos Lobos

  E quando menos esperavam, cinco lobos surgiram da floresta ao lado, rodeando-os como se fossem suas presas. Os olhares dos três se arregalaram, se não estivesse tão frio soariam como cavalos, o coração parecia querer saltar pela boca, os músculos se contraíram e a cabeça latejou. Estavam com medo. Espontaneamente, Ara retirou o punhal da bainha, Afonso colocou uma flecha no arco e Liz segurou a lança firmemente na direção de dois dos animais.

  – O que fazem em nossos domínios? ­– Um lobo de pelagem acinzentada proferiu em uma voz grave junto do rosnar medonho.

  – Não queremos brigar, estamos à procura... – Afonso pensou em dizer livro, porém assentiu que isso seria burrice. – À procura de comida!

  – Pois estão no lugar errado! – Outro animal mais claro retorquiu num tom de zombaria.

  Enquanto rosnavam e aproximavam-se cada vez mais, a única coisa que pensavam era atirar e matar todos aqueles logos num piscar de lhos, porém três contra cinco não é muito cabível numa situação como aquela. Em algum momento, só se ouviu os ruídos aterrorizantes da matilha, até se darem conta que os pelos grossos dos animais já raspavam em suas vestes. Como se nada pudesse piorar, um dos lobos saltou em cima de Ara, outro em cima de Afonso e outro em Liz, as meninas gritaram tão alto que pássaros voaram de seus ninhos na copa das árvores, o arqueiro gemeu espantado. E ainda que tentassem usar as armas já na conseguiam, estavam imóveis no chão, presos por lobos enormes, maiores que o comum.

  – Me solta! – Ara gritou num som agudo, o punhal voara para longe de sua mão e o animal jazia em cima da mesma impedindo qualquer movimento.

  – Saia de cima de mim seu saco de pulgas fudido – Afonso berrou enquanto mordia os lábios e tentava alcançar a flecha e o arco bem ao seu lado.

  Elizabeth não conseguiu dizer nada, sua ranseur rolara para longe de sua mão e o lobo rosnava como um cachorro raivento em cima da mesma.

  – Já chega! – Uma voz grossa ecoou na clareira onde estavam. Os lobos saltaram de cima dos três e andaram para perto de um rapaz erguido deslumbrantemente sobre uma rocha.

  Antes de ver o que acontecera, Ara e Liz correram até suas armas e empunharam-nas rapidamente, enquanto Afonso, um pouco desengonçado, tornou a segurar o arco com a flecha pronta para ser atirada. Levantaram-se juntos e fitaram com as armas em punho o que supostamente salvara suas vidas.

  – De nada humanos! – O homem bradou metidamente.

  – Quem é você? – Ara indagou ao olhá-lo.

  Estavam diante de um rapaz incrivelmente ufano, de olhos azuis, cabelos loiros, sem barba, robusto e musculoso. Trajava uma roupa velha, calças largas, camisa de mangas longas, calçava coturnos marrons e cobria-se com uma capa longa de pele de lobo. Na cabeça, ia uma toca junta do manto, era em formato de cabeça de lobo, na verdade era uma cabeça de lobo. Sem dúvidas era muito confortável. Ele parecia ter vinte anos e sua beleza incomum chamou a atenção de Ara e Liz.

  – Me chamo Elpros, Elpros Maxius! – Respondeu num tom esnobe.

  Ao bater os olhos no rapaz, Afonso sentiu uma vontade irresistível de acertar-lhe a seta, porém ele havia salvado-os e parecia ser uma ótima pessoa.

  – O que fazem em meus domínios? – Elpros indagou.

  – Viemos em busca de comida – Ara mentiu, pois sabia que a mochila de alimentos estava bem cheia, escondida na capa de Liz.

  – Pois aqui não há nada para vocês, voltem embora antes que virem comida de meus lobos – o rapaz retorquiu num sorriso malicioso.

  Os lobos ainda rosnavam ao lado do homem, suas patas permaneciam firmes em sinal de espera.

  – Por favor – Liz disse serenamente –, deixe-nos procurar alguma coisa para comer, imploramos!

  – Bem... – O homem coçou o queixo. – Podem dar uma olhadinha, porém quando terminarem quero que vão embora!

  – Perfeitamente! – Liz concluiu.

  O que realmente se passava na cabeça de Elpros ninguém sabia, se estava dizendo a verdade ou se aquilo era uma emboscada. Porém, quando os lobos se dispersaram pela floresta e só restou o rapaz erguido na neve, o mesmo orgulhou-se em dizer num sorriso odioso:

  – Mas fique claro que acompanharei os três humanos.

  – Ok, ok, agora vamos logo! – Afonso disse tentando ser educado ao máximo que pudera.

  Então, saíram os quatro seguindo a parede de rocha. Não sabiam como fazer ainda para despistar Elpros, mas tentaram reagir naturalmente até que achassem a caverna.

  – Como se chama linda moça? – O rapaz tornou a falar fitando com seus olhos brilhantes o rosto pálido de Liz.

  – Elizabeth – A menina não demonstrou entusiasmo, mesmo tendo dentro de si uma sensação muito estranha quando olhava para o corpo de Elpros.

  – Prazer – saltou para frente da Elementure e beijou sua mão –, e a criança? – Olhou para a fada.

  – Não sou criança seu cabeça de rato. E não interessa meu nome – respondeu seca, revirando os olhos e fazendo Afonso soltar uma risada proposital.

  – E você magrelo? – Olhou o arqueiro com um sorriso idiota.

  – Me chamo Afonso, mas não interessa meu nome e não vou falar – tentou ser durão, porém nem ele próprio percebeu no quão tosco ele fora ao dizer a frase.

  Ara e Liz sorriram sem fazer ruído algum, enquanto Elpros caiu na gargalhada como uma hiena.

  – O que acha graça? Parece mais um animal doente! – Afonso segurou a risada.

  – Ora essa, cale a boca! Antes que minhas garras arranquem sua garganta! – O chefe da matilha falou ao rosnar como um louco.

  – Grandes garras você tem! – O arqueiro caiu na gargalhada.

  O que ainda não haviam se tocado era que nada em Ogash era normal e foi por isso que Elpros transformou-se num lobo enorme e preparou-se para pular em Afonso como um verdadeiro animal faminto.

  – Já chega disso! – Elizabeth gritou encantada com a forma mágica do homem.

  Os olhos do arqueiro arregalaram-se de medo, assustou-se com o forte latido do animal e quase caiu para trás, fitou a pelagem branca da fera e sentiu muita inveja, e só não chorou por esforço.

  Elpros voltou a sua forma humana e retomaram a caminhada em silêncio como se nada houvesse acontecido, Afonso sentiu uma vontade imensa de zarpar correndo do grupo e chorar como nunca em cima de uma pedra em frente a uma paisagem, no entanto calou-se e continuou andando.

  Por fim, viu uma das fendas na qual queria encontrar. Encurtou os passos e deixou-se ficar na retaguarda do grupo. Sem que ninguém percebesse, enfiou-se no meio da frincha e caminhou de lado, com um pouco de dificuldades, entre as rochas apertadas de mármore. Pensou que ser magro não era tão ruim assim, já que Elpros nunca conseguiria entrar na fissura devido ao seu extenso e robusto peitoral. Caminhou com dificuldades em respirar até sumir na curva da greta, logo, encheu-se de lembranças boas quando desbocou na caverna em que muitos anos atrás ele e Moglim passara. Fitou as paredes rochosas iluminadas por muito pouca luz vindo das duas fendas que dava para a caverna, viu um pequeno lago com águas brilhantes nas extremidades da guarita, que não era muito grande, e sorriu ao ver que a mesma não congelara.

  – É incrível! – Bradou ajoelhando-se na beira da fonte e tocando as águas cristalinas, onde se via o fundo arenoso e longo.

  Fez de sua mão uma concha e fartou-se como nunca na vida, nunca provara coisa tão boa, indescritível e maravilhosa. Em seguida, levantou-se e foi até onde supostamente o livro estaria enterrado, não foi surpreendido ao ver que o objeto não estava lá, viu o buraco na terra preta, ainda cavou um pouco, mas logo desistiu. Adentrou a fenda do outro lado da caverna com a intenção de encontrá-los antes que sentissem sua falta, transpassou a rocha negra roçando seu corpo na mesma, logo estava de volta a floresta, diante da parede enorme e a floresta incógnita.

  – Ara, Liz – gritou olhando a sua volta. – Onde estão vocês? Elpros?

  Afonso nem se quer viu rastros das meninas e do homem lobo, voltou alguns passos, mas ao ver a primeira fenda que entrara retornou seguindo a parede de rocha.

  – Ara, Elizabeth, Elpros! – Repetiu. – Que estranho... Não era pra eles estarem tão longe!

  Continuou a andar, transpassou galhos, pedras, buracos e para o espanto do arqueiro, não havia pegadas na neve, era como se nunca tivesse passado alguém ali. Estava começando a ficar preocupado e faminto, andou por longos minutos seguindo as rochas do pico, mas nem um sinal de nenhum deles. Por fim, a floresta foi se acabando e só restara poucas árvores onde Afonso estava, a parede de rocha havia se transformado num extenso morro congelado. O rapaz jazia no fim das quatro montanhas, andara tanto que nem ele próprio teve a noção de que já estava aos pés do quarto pico.

  – Liz! – Ele gritou fortemente. – Ara, Elpros! Aposto que esse homem metido a besta aprontou alguma coisa com as meninas. Como eu sou burro, não deveria ter deixado-as nem por um segundo! – Lamentou-se enquanto chutava algumas pedrinhas soltas na neve.

  Sentou-se bruscamente no chão sem saber o que fazer, fitou a paisagem linda de Ogash, ao parar ficou com mais frio, porém não queria levantar. Continuou a olhar tudo em sua volta, lá em baixo o bosque, a sua frente um morro congelado, as suas costas um pico rochoso, a sua esquerda a floresta e a direita a curva que daria no outro lado da montanha. Entretanto, o arqueiro passou as mãos nos cabelos crespos, coçou os olhos com a mão suja de lama, sujando um pouco seu rosto e deitou na neve, erguendo os braços para cima e esticando as pernas para baixo.

  – Que merda, estou completamente fudido... Ah que raiva – gritou socando o solo, que estava bem fofo para se bater.

  Indeciso em relação ao que fazer, retomou a andar, para a direita, na intenção de que pudessem estar do outro lado da montanha. Caminhou com dificuldades e com fome, atravessou a curva do pico e logo estava do outro lado, diante de uma extensa e larga floresta, que descia até o pé do morro encontrando-se com o bosque lá em baixo. Pensou que talvez encontrasse comida nas árvores, então, adentrou a mata fechada e caminhou por muitos minutos entre árvores grossas e folhudas.

  – Cadê vocês em? ­– Sussurrou para si mesmo.

  Quando já estava sem forças, com fadiga e com dores, deu de cara com um pé recheado de amoras. Eram muitas. As frutinhas estavam todas maduras, saborosas, doces e macias. Ao fartar-se com as mesmas, Afonso não hesitou em dormir no primeiro lugar confortável que visse. Embaixo da pequena árvore quase não possuía neve, um lugar perfeito para descansar, ele pensou, e foi isso que fez, reclinou a cabeça no caule, retirou a aljava das costas junto do arco, deixando-as ao seu lado e dormiu como uma pedra. Ou para melhor dizer, o arqueiro dormiu pedra, pois acabara de alimentar-se das Amoras de Fogo, frutas mágicas capazes de transformar qualquer ser que alimentar-se da mesma em pedras incandescente.

  Os pés de Afonso começaram a doer, as botas tornaram-se pó e uma onda de lava foi se alastrando por todo o corpo, era como se tudo estivesse derretendo. Por fim, seus contornos se dissiparam e o que restara apenas era uma rocha em formato humano, com lavas ferventes dentro da mesma. E por incrível que pareça, o arqueiro não morrera, apenas estava em estado vegetativo, o que acontecera na verdade era que uma casca de pedra o cobriu e dentro da mesma jazia o corpo de Afonso, em perfeito estado, rodeado por um líquido quente, porém era o fogo que fazia com que o rapaz ainda permanecesse vivo.

  No entanto, toda a magia existe reversão, e o feitiço das Amoras de Fogo só se quebrariam com um Elementar, que teria de revestir com seus poderes a casca de rocha, fazendo-a dissolver, restando assim, o corpo em perfeitas condições. Contudo, se a pedra for quebrada irregularmente, o sujeito enfeitiçado morrerá queimado, agonizando diante do assassino. Então, o que restara era alguém achar o corpo enfeitiçado de Afonso e salvá-lo com a ajuda de um Elementar ou até mesmo da Elementure.

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