Capítulo 4
Era tudo escuro, frio e solitário.
Ao olhar ao redor, via apenas uma cadeira onde estava com as mãos e os pés amarrados por correntes. Meus braços já estavam bastante feridos e ensanguentados. Algumas das minhas unhas haviam sido arrancadas, assim como partes das minhas roupas, fazendo com se espalhasse ainda mais sangue pelo redor. Os fios dos cabelos longos e sedosos de antes, agora cobriam o chão. Contemplei o lugar totalmente vazio, frio e escuro, até finalmente poder ver um homem, dono de um semblante sombrio, que se aproximava com uma vasilha de água. Eu sentia sede e muita fome, além do frio que fazia todo o meu corpo tremer de forma infernal. Próximo a mim, ele estendeu a bacia para que eu pudesse tomar água, pelo menos, achei que fosse a sua intenção. Ao encarar a bacia d'água, a minha cabeça foi empurrada para dentro, fazendo com que meu corpo todo movimentasse desesperadamente apesar de estar preso. O homem gargalhava de forma cruel, sendo acompanhado de outras vozes que pareciam estar em êxito com o seu ato.
Acordei assustada, erguendo-me rapidamente com as pálpebras abertas ao máximo. Esse mesmo sonho se repetia muitas vezes, lembrando-me da minha iniciação e de como a sensação de pavor que senti naquela época ainda não havia ido embora.
Homens da família são iniciados muito cedo e mulheres não costumam passar pelo mesmo processo, com exceção de mim, que me iniciei tarde, aos 21 anos. Passei exatamente um ano naquele lugar horrível, sofrendo torturas psicológicas e físicas, além de diversas humilhações, para estar preparada para o cargo, pois, segundo eles, eu poderia os trair a qualquer momento se não passasse por àquilo, se não estivesse pronta para ser torturada de boca fechada.
Ao levantar da cama com aquelas lembranças ainda surgindo em minha memória, olhei no relógio e constei que estava extremamente atrasada para a reunião com os irmãos, sobre a conversa que tinha tido ontem com o subchefe, sobre os japoneses.
— Puta merda! — Praguejei, colocando as mãos na cabeça.
Eles seriam um problema grande se não buscássemos soluções rápidas para resolução do conflito, até porque não tínhamos sido nós que havíamos atentado contra o país deles, infelizmente.
Corri rapidamente para o banheiro, tomando uma ducha rápida. Coloquei uma calça social e uma blusa de manga comprida, pelo frio que estava em Moscou, juntamente com o scarpin preto que sempre usava. Não demorou muito para que chegasse ao local, quando abri a porta, encontrei-os na minha sala, ainda pacientes. Yakov estava encostado sob a janela, olhando a paisagem do lado de fora e Mikhail encarava a adega de vinho com os braços cruzados, o que surgiu para mim como curioso.
— A bela adormecida resolveu acordar tarde? — Questionou Mikhail, com o tom de sarcástico, antes de desviar o seu olhar para mim.
Revirei os olhos, colocando a arma sob a grande mesa onde sentava na sala e, por conseguinte, acomodei-me na cadeira, apoiando os cotovelos sob a madeira antes de entrelaçar dos dedos.
— O que iremos fazer? — Pedi conselho, preocupada com as consequências que uma guerra poderia trazer, não só para a nossa família, mas para o mundo.
Eu me sentia hipócrita em uma parte, de prejudicar tantas pessoas pelos nossos crimes, mas ainda sim, preocupar-me com elas. Porém, naquela situação, até mesmo os soldados concordavam comigo. A regra de suma importância era: Os negócios da família são da família. Não se podia, portanto, envolver pessoas de fora, nem um relacionamento. Por isso, os homens da família se casavam com mulheres dentro dela, eles faziam a escolha através do pai, às vezes, por maior poder aquisitivo, e ofereciam um tipo de dote, como antigamente, para aumentar o seu dinheiro e poder.
— Atena, temos inicialmente que ter calma. — Aconselhou Yakov, tirando sua vista da janela, dirigindo-se para sentar em uma cadeira à frente. — Não podemos tomar atitudes precipitadas.
— Eu concordo. — Falou Mikhail, fazendo o mesmo que seu irmão. — Porém, calma de mais não irá resolver a situação... — Colocou os pés em cima da mesa, pegou o charuto em seu bolso e acendeu-o antes de continuar. — Eu o conheço, nós tivemos um encontro — Referiu-se ao meu pai e ao chefe da máfia japonesa. — Somente um, Nikolai era pacifico, quis tratar da perseguição do FBI, aliar-se... — Piscou os olhos de forma demorada, parecia lembrar cena em que contava. — Ele matou uma de suas mulheres, bem na nossa frente, alegando que esperava o FBI em sua casa. Foi quando Volkov cortou qualquer tipo de relação com ele, pois, segundo ele, tendo uma filha, não poderia aceitar receber nada que fosse daquele cara.
— Eu lembro, estava em Miami quando aconteceu. — Mencionou Yakov, olhando atentamente seu irmão falar assim como eu. Fiquei em silêncio, apreciando a informação de como o meu pai agia nos negócios e, ao mesmo tempo, sentindo repulsa do homem que falávamos. — Mas ele não é um maníaco, ou alguém maluco, surtado. Ele é bom quando se trata de negócios e qualquer um daria tudo para ter sua inteligência, não foi escolhido por seu sangue e sim por seu trabalho. Tanto que mesmo com tanta exposição, a polícia americana nunca se meteu nos negócios deles. — Explicou Yakov, completando a informação de seu irmão.
— Que merda... — Praguejei, colocando os dedos na testa para massagear as têmporas. — Então, ele não é qualquer criminoso, é sem escrúpulos, assassina até pessoas mais próximas para obter vantagem... — Yakov acenou com a cabeça, com semblante sério, e Mikhail deu uma tragada em seu charuto, parecendo relaxado enquanto soltava a fumaça. — Talvez, eu pudesse ir ao Japão...
— Nem fodendo! — Falaram juntos, interrompendo-me.
— Blyad'! Está maluca?! Ir ao encontro daquele sukin syn?! — Perguntou Mikhail, levantando-se da mesa, nervoso diante a situação.
— Você nunca apareceu diante a impressa, Atena. Continuar assim é bom para sua segurança e também para os negócios da família. — Relembrou Yakov, em tom firme. — Já faz algum tempo que não damos uma festa, nem ao menos há casamentos para celebrar... — Mencionou Yakov, levantando-se para servir a si mesmo com um copo de uísque. — Por que não damos uma festa? — Yakov sugeriu, erguendo seu copo, fazendo um brinde para mim.
— O quê?! — Desta vez, fui acompanhada por Mikhail que levantou o tom de voz juntamente.
— É simples, damos a ele uma festa em seu nome, honrando-o. — Deu os ombros como se a ideia fosse óbvia.
Mikhail cruzou os braços e olhou para o canto da sala, como se pensasse nitidamente em como seria. Eu fiz o mesmo, encarei a janela com fito de buscar uma estratégia que fosse compatível à situação. De algo, eu tinha certeza: juntar japoneses e russos no ápice de uma guerra territorial era impossível.
Quis rir por um momento da ideia, mas observei seu olhar completamente sério e sabia, por vários anos de convivência, que não brincava com situações sérias, ao contrário do seu irmão, que observei em pouco tempo.
— Será um banho de sangue. — Alertei, ainda pensando na possibilidade de resultar em algo diplomático, em um tipo de aliança entre nós. — Mas não temos ideia melhor — Seu irmão se calou, parecendo ainda em transe, encarando a parede. — Tudo bem. — Suspirei fundo, dando por vencida a ideia do meu companheiro. — A estratégia é boa. Convidá-los para nosso território e dar-lhes uma festa digna de um convidado de honra, é um ótimo jeito de agradá-los e ainda provar com isso que não tivemos nenhuma ação no atentado. — Olhei fixamente para Yakov que concordou, movendo a cabeça. Seu irmão também o encarou, mas permaneceu calado. — Chame o hacker, tentaremos contato. Se der certo, a festa será hoje. Então, chame sua esposa, ela é ótima em organizar eventos, fará uma ótima festa para os nossos inimigos. — Conclui em um tom sarcástico, movendo-me para adega.
Nós não gostávamos dos japoneses, era claro. Mas, uma guerra, agora, era terrível para ambos os lados e eles sabiam disso.
— Qual a chance de dar certo? 2%?— Mikhail perguntou no mesmo tom que o meu.
— Enquanto tiver chance, tentaremos. — Virei para o homem que me atraia depois de servir uma taça de vinho. Degustei, sendo observada por eles. — Mal chegou e já está com medo do que virá?
— Medo? Já te disse, tenho quase sua idade aqui dentro. — Aproximou-se de forma maliciosa, encostando seu corpo em mim, esticou seus braços para pegar um copo e servir o uísque enquanto seus olhos se mantinham fixos aos meus.
— Depois de algum tempo fora, deve ter desacostumado. — Sorri sarcasticamente, empinando o rosto, esperando qual seria o próximo movimento.
Ele também sorriu e mordeu os lábios, alternando o olhar entre os meus olhos e boca.
— Não há tempo para discussões. — Yakov rosnou, fazendo com que seu irmão se afastasse com o copo já cheio do líquido.
Em seguida, os homens saíram da sala com fito de pôr aquele plano para funcionar. Mikhail tentou contato com o hacker para invadir o sistema operacional do japonês, fazendo com que falássemos com ele virtualmente. Yakov tratou de dar o comunicado a sua esposa, Stefany, a quem eu tinha um enorme agrado. A mulher era genial quando se tratava de organizar eventos e ainda era simples e clara, qualidades que faltavam em outras mulheres da organização.
— Estamos quase lá. — Falou o rapaz em frente ao computador.
Estávamos sentados novamente na sala quando havia chegado com a promessa de que nos comunicaríamos em poucos minutos. Yakov se colocou atrás da minha cadeira, esperando a tela do computador conectar com a do japonês. Mas Mikhail não quis aparecer, sentou-se na poltrona perto da adega, alegando que não iria perder seu tempo com o desgraçado.
Kazuki Mochizuki era o chefe mais temido do Japão, por trás de tantos crimes e torturas.
— Que porra é essa?! — Gritou quando a chamada de vídeo invadiu seu computador. — Vocês estão loucos?! Isso é uma afronta...
— Mochizuki, pare com essa porra de cena — Rosnei, passando uma das mãos sobre a testa. — Preste atenção, o convite é único.
— Quem é você, porra? — Perguntou antes que seus olhos se movessem para imagem de Yakov. — Ah... Me deixa pensar... Você é a menininha do russo, não é? — Perguntou, mordendo os lábios. — Eu sinto muito, mas acabei de me tornar viúvo. Não posso te esposar, mesmo você sendo uma mulher com muitos atributos e filha de um dos meus maiores inimigos...
— Filho da... — Fui interrompida por Yakov que também interrompeu qualquer palavra que fosse sair da boca de Mikhail.
— Mochizuki, o nosso contato é único. Escute o que Atena irá dizer com atenção. — Falou seriamente, com o semblante sem expressão.
Quando falei, o homem escutou atentamente, não deixando de mostrar todo seu nojo por nós que foi retribuído de nossa parte. Deixamos bem claro que da nossa parte, eles continuariam sendo uns filhos da puta, como a maioria da organização os denominava. Após longas negociações para a paz de ambas as famílias, decidimos realizar a festa para selar o tratado mútuo de não agressão. Eles sabiam que além da força de nossos soldados, teríamos o mais velho e mais forte de todos contra eles.
O inverno russo.
O mesmo que matou milhões de nazistas e franceses.
Não eram burros de medir forças conosco.
Desligando a tela do computador, chamei os soldados para mandá-los a casa de todos capos para anunciar o evento e comunicar que era uma ordem e não um convite. Que se faltassem seriam punidos, pois estavam cientes de como era importante para o bem da máfia.
Todo mafioso que não cumpre as ordens merece ser morto.
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