Capítulo 8
CONSPIRAÇÕES
Liza
A semana mais chata da minha vida passou sem sonhos, ou seja, sem visitas ao Penhasco e os olhos verde esmeralda, para minha decepção. Pelo menos, não segui mais nenhum estranho pelas ruas. Constatei que deveria estar mesmo louca.
O sábado em que eu voltaria a trabalhar amanheceu após levar milênios para chegar. Duas horas antes do meu turno começar, eu já estava pronta, na sala, balançando as pernas no sofá, à procura de algo na televisão. Passava um comercial de xampu, o ator tinha os olhos verdes levemente acinzentados, os cabelos muito pretos e sedosos. Comecei a sentir o estômago embrulhar e calafrios na espinha. Pulei do sofá e desliguei a tevê, depois corri para a rua.
O vento batendo no meu rosto me acalmou um pouco. Mas a angústia que a ausência de Nathaniel me provocava, era quase insuportável. A cada encontro, minha necessidade dele se tornava maior. Uma semana sem sonhos era demais. Esta noite, tentaria forçar o sonho a aparecer. Entrei no restaurante. Preparei-me mentalmente para enfrentar minha chefe, após a minha falta inexplicável ao trabalho.
A senhora Barbara não estava simpática como costumava ser, quando a cumprimentei na cozinha. Mas não havia me mandado embora, o que já era algo a se agradecer.
— Senhora Barbara, eu gostaria de me desculpar, mais uma vez, pelo ocorrido. Acrescento que não acontecerá de novo.
— Tudo bem, querida, vamos esquecer isso para o seu bem. Mas acho que você já sabe... Caso se repita, não aceitarei desculpas.
— Sim, senhora.
O restaurante estava às moscas, e eu precisava muito de boas gorjetas para compensar a semana perdida. No meio da tarde, três meninas, aparentando ter a mesma idade de Raquel, entraram e se sentaram. Aproximei-me, entreguei os cardápios e as águas conforme a Sra. Barbara nos orientava. Elas conversavam animadas, sobre a noite passada e algo sobre uma festa das asas que planejavam para esta noite. Tive um leve dèjá vu. Onde já ouvi falar dessa festa antes?
Elas me ignoraram, durante todo o tempo que fiquei de pé, aguardando para anotar os pedidos.
— Então, Stephanie, você acha que hoje à noite convenceremos Raquel a dormir com o Anthony? Quer dizer, acho que ela já está gamadinha nele! E caiu direitinho naquela conversa.
— Tenho quase certeza. Afinal, aquela tapada da irmã dela não consegue prender ela em casa. E você sabe, a Raquel é do tipo que faz tudo para se enturmar.
— Verdade! Eu ainda não acredito que ela realmente acha que nós três já dormimos com ele! E pior, que para fazer parte do nosso grupo ela precisa fazer o mesmo. Como se isso fosse uma espécie de pacto!
As três explodiram em gargalhadas.
— Ah, e não se esqueçam! Se ela se recusar a selar o pacto, podemos oferecer uma bebida, ela aceita tudo mesmo. Mal posso esperar para soltar esse vídeo na nossa festa de formatura!
Eu suava frio. Tremia por controlar o impulso de pegar os copos na mesa e despejar as bebidas nas cabeças delas.
Passei o resto do dia contando os segundos para acabar o turno no trabalho. Corri para casa com o intuito de seguir Raquel, pois não sabia onde seria a tal festa. Entrei abruptamente e subi as escadas, direto para o quarto dela. Ignorei Ben e Amanda na sala. Eles arregalaram os olhos ao ver meu desespero e me seguiram.
— Droga! Droga! Droga! — Me deparei com o quarto vazio.
— O que aconteceu, Liza? — Amanda parou atrás de mim.
— Vocês sabem onde está a Raquel? Há quanto tempo ela saiu?
— Não sei, quando chegamos, ela já não estava aqui — a voz de Amanda saiu em um fio.
— Droga! O que eu vou fazer agora? — Respirei fundo. Tentei cogitar lugares onde poderia encontrar Raquel. Peguei o celular e liguei para ela.
— Alô?
— Graças a Deus!
— Afff... Oi, Liza. Não vi que era você.
— Raquel, onde você está?
— Não interessa! Por que o desespero?
— Olha, você precisa me escutar! Eu sei que está em uma festa agora, mas precisa ir embora. Suas amigas estão armando para você. Me dê o endereço, eu vou te buscar!
— Pirou de vez?!
Raquel desligou antes que eu continuasse a falar.
— É tudo culpa minha! Eu não tenho sido uma boa irmã. Ela só tem 16 anos! Como pude deixar isso acontecer?
— Liza, não é culpa sua se a sua irmã destrambelhou! — Amanda retrucou nervosa.
— Calma, nós vamos te ajudar! O que está acontecendo? — Ben massageou meus ombros.
— Eu estava no restaurante e ouvi uma conversa, de três amigas da Raquel. Elas armaram uma coisa horrível para ela e isso vai acontecer hoje à noite. Pode acontecer daqui a minutos!
Chorei convulsivamente.
Segurei o telefone e liguei de novo. Chamava, inutilmente, do outro lado. Eu sabia que ela iria ignorar. Sentei na escada com o telefone nas mãos. Minhas pernas tremiam.
Amanda foi até o quarto e ligou para todas as pessoas que conhecia. Investigou se alguém sabia de alguma festa de adolescentes no centro da cidade. Ben estava no banheiro. Eu continha os soluços na escada, quando uma nuvem de calma me invadiu e ouvi um sussurro dentro de mim. Era aquela voz. A canção que ninguém jamais foi capaz de criar.
“Liza, você tem tempo. Ainda não aconteceu nada, mas você precisa correr. A festa é na rua principal, quatro prédios depois da sorveteria, segundo andar.”
Eu não pensei, apenas voei pelas escadas e corri para a rua. Olhei para os lados à procura de um táxi, já estava dando muito trabalho para Ben e Amanda, não queria envolvê-los em mais nada.
Então, isso está mesmo acontecendo? Eu acabo de ouvir Nathaniel em minha mente? Isso é real?
A voz dele tinha certa urgência, não foi calma e delicada como das outras vezes. Ele pareceu tentar esconder, para me acalmar, mas pude sentir a sua preocupação.
E, se eu não conseguir? E, se for tarde demais? E, se algo pior acontecer a ela? Algo pior do que a vergonha que lhe causariam?
Eu nunca iria me perdoar.
Depois de correr pelas ruas por muito tempo, consegui encontrar um táxi. O motorista dirigia despreocupado e lentamente, pelas ruas desertas, até chegar à principal, quando eu quase desmaiei. Maldita Festa das Asas! Então era esse o significado! Lembrei-me do que li, em uma revista no aeroporto. A Festa das Asas teria esse ano, sua celebração centenária, da data que marcou a libertação da cidade de um espírito, responsável pela morte violenta de uma dúzia de garotas. O artigo mencionava o relato dos moradores sobre a visão de asas ofuscantes descendo do céu, levando com elas o espírito maligno, carregando-a para a escuridão.
A passagem de carros estava fechada, havia dezenas de barracas de feira, vendendo comidas, bebidas... As pessoas se amontoavam no meio da rua, uma banda tocava ao fundo. Acima do palco, lia-se em uma faixa, “100 anos da libertação”.
As calçadas da rua estavam apinhadas de pessoas, fantasiadas, com roupas de época e de halloween. Desesperei-me, pois teria que continuar o caminho a pé, o que levaria pelo menos mais dez minutos, a sorveteria ficava no fim da rua.
— Vai custar doze e cinquenta.
— O senhor poderia me esperar? Não vou demorar muito e parece que será difícil encontrar um táxi por aqui.
— Tudo bem, pague a metade agora. Quem me garante que você vai voltar?
Eu deveria ter sido mais simpática quando ele tentou bater papo. Por que as pessoas não confiam mais umas nas outras?
E agora? Por que eu tinha que ser tão burra e esquecer a outra carteira em uma hora dessas?
— Posso deixar um documento como garantia?
— Só aceito dinheiro.
— Fique com o meu cartão e a minha senha!
Saltei do carro, joguei o cartão e a senha no motorista, estupefato, e corri para a multidão que lotava a rua. Caí de joelhos duas vezes, quase derrubei três pessoas distraídas perto de uma barraca, sem falar nos esbarrões que dei em quase todos ao passar. Avistei a sorveteria. Faltavam apenas alguns minutos e pelo menos duzentas pessoas à minha frente.
— Finalmente! Agora faltam quatro prédios, segundo andar. — gritei para mim mesma, feito uma louca, sem me importar com as pessoas que me olharam confusas.
Eu não podia me identificar na portaria, obviamente não me deixariam entrar. Passei atrás de um casal que se agarrava enquanto entrava no prédio. Eles não demonstraram notar minha presença. Entrei no elevador, respirando ofegante. Minhas pernas tremiam.
As portas se abriram. Cheguei a um corredor com um número incontável de portas. O silêncio crepitava no andar. Arrepiante. Aqueles carpetes verdes encardidos, em conjunto com a parede de madeira e a luz baixa amarelada, davam ao local o aspecto de um hotel de baixa categoria, onde crimes são cometidos.
Eu não tinha escolha, teria que bater de porta em porta e morri de medo. Medo, daquele prédio abandonado e horripilante. E medo, principalmente, de ser tarde demais.
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Próximo capítulo: TENTATIVA
bjossss
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