Capítulo 5

SAUDADE

Liza

Acordei zonza. Os olhos embaçados registraram um chafariz. O livro Cem Anos de Solidão jazia na grama ao meu lado. Ainda sem me situar onde estava, me espreguicei. Conferi a hora no celular e levantei em um pulo.

 — Meu Deus! São cinco horas da tarde! O restaurante está fechando!


E quando as coisas finalmente pareceram estar melhorando, chegou a hora dos dois passos atrás.

Hoje foi a estreia do filme, que teve grande parte de suas cenas gravadas no restaurante. Apesar da fila de espera prevista, a Sra. Barbara estava confiante de que o dia seria um sucesso. E eu... Simplesmente não apareci para trabalhar. E pior... Ela nunca abria aos domingos, exceto hoje, devido a grande procura do filme.

Não posso perder esse emprego!

Peguei o telefone rapidamente e liguei para Sra. Barbara. Ela berrou sobre o maior desapontamento de sua vida, esbravejou que nunca esperou esse tipo de comportamento de uma pessoa sempre tão responsável... Falou tudo muito rápido, foi difícil entender suas palavras com aquela voz histérica. Quando finalmente consegui falar, me desculpei insistentemente e inventei uma história envolvendo Raquel e problemas de saúde. Surpreendi-me com a facilidade que tive de mentir, eu detestava fazer isso, especialmente quando precisava inventar doenças na família.

 — Se isso se repetir, nem precisa telefonar! Basta não aparecer nunca mais!
Volte daqui uma semana e se dê por satisfeita!

 — Sim, senhora Bárbara. Sinto muito. Muito mes...

Ela desligou antes que eu concluísse a frase. Imaginei os funcionários nesse momento, deviam estar pasmos. A Sra. Bárbara sempre foi um doce de pessoa. Sorridente e compreensiva. Foi difícil associar tamanha fúria a uma senhora baixinha, com 63 anos e olhar angelical. Pelo menos, ganhei apenas uma semana de ausência como punição, melhor do que ser demitida. O pior é que estava realmente precisando do dinheiro, pois me esforçava ao máximo para mexer na poupança apenas em casos de extrema necessidade. Para completar, Raquel ainda era muito nova para trabalhar.

Atordoada, segurei o livro e caminhei lentamente da praça de volta para casa. As ruas eram apenas um borrão. Os corpos das pessoas andando a minha volta, não tinham rosto. Nathaniel se fixava como um fundo de tela em meus pensamentos.

Será que estou apaixonada? E por alguém que só existe em meus sonhos?!

 Isso é maluquice.

 Enquanto eu mergulhava em um milhão de perguntas e tentava estabelecer uma lógica para os últimos acontecimentos de minha vida, me dei conta. Hoje completava seis meses do desaparecimento dos meus pais. Doía demais pensar neles, por isso, eu evitava.

O que são seis meses, quando se pensa nas pessoas com quem você imaginou passar, senão a vida inteira, pelo menos, a maior parte dela?

Nada.

Terei o resto da minha vida para alimentar esperanças. Sentimento que pode machucar muito mais que a saudade.

Lembrei-me de minha única parente viva. Ela sequer nos procurou. Nem mesmo para saber sobre o desaparecimento da própria filha. Não se preocupou com suas duas netas, sozinhas no mundo. Eu nem sabia onde ela morava, acho que na Europa. Depois desse descaso, compreendi porque minha mãe raramente a mencionava. A única vez que a ouvi falar sobre minha avó foi quando escutei, sorrateiramente, uma conversa entre ela e meu pai.

— Marie, o que vamos dizer às meninas? Depois que o avô delas faleceu, Raquel não para de me perguntar sobre a avó. Insiste que quer conhecê-la. E Liza, parece apenas resignada, não acredito que tenha aceitado essa história, de que ela está viajando por aí, gastando a aposentadoria.

— Não sei, Paul. Temos que pensar em alguma coisa. Não acho que a verdade fará algum bem agora. Elas são muito novas.

Lembrei-me claramente do pânico na voz da minha mãe. Depois desse dia, convenci Raquel a desistir de conhecer nossa avó.

O meu instinto gritava que a verdade sobre ela seria terrivelmente macabra.

Talvez, fosse melhor não mexer no passado.

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Olááá, espero que estejam gostando!

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beijosss

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