Capítulo 42

O DIA SEGUINTE

12 de junho de 1999, Los Angeles, Califórnia.

Delegado Machado

O Delegado Machado estava estupefato pela sensação que o invadiu ao olhar aquelas duas meninas à sua frente. A mulher então sabia de alguma coisa. Sabia que não passaria daquela noite.

A menina mais nova aparentava a mesma idade de sua filha, poderia até ser sua filha se o caso não fosse esse, levando em conta o tempo que não a via.

Em seus trinta anos de serviço policial, Machado viu de tudo. Pais matando filhos. Filhos matando mães. Maníacos violentando crianças. Loucos matando por prazer, ou por dinheiro. Por maior que fossem as atrocidades, ainda achava que a pior parte era a hora de contar à família.

Na maioria dos casos, havia algo o que contar. As famílias sempre se resignavam quando tinham mais detalhes do que aconteceu, ou até a certeza da morte, por pior que pudesse parecer.

O fato de não saber criava um clima de especulação, que poderia levar à loucura qualquer mente que se deixasse levar por suas próprias teorias.

A esperança quando alimentada por muito tempo, cria feridas em cima de feridas lentamente, e esse é o tipo de coisa que não cicatriza.

Preferia agora enfrentar um assassino com seu próprio punho, do que criar naquelas meninas a ferida que nunca mais fecharia.

Ele mesmo carregava uma. A ferida do remorso.

Seu casamento fracassado lhe rendeu uma vida dedicada a um trabalho que consistia em entender a mente de psicopatas e o pior, em aumentar a distância, que só crescia, da filha que não criou por falta de escolha. Pelo menos é o que dizia a si mesmo constantemente, para amenizar sua culpa. Sua ex-mulher se recusava a dizer onde estavam, e só o procurava se a pensão estivesse atrasada.

Soube que ela comprou uma casa há poucas semanas em Winterhill para se mudar com sua filha, Ana. Foi tudo o que conseguiu descobrir quando rastreou as movimentações da conta e dos cartões da ex-mulher. Se antes tivessem mudado apenas de bairro, ele não saberia, como não sabia agora, que elas ainda estariam em Los Angeles por mais algumas semanas. Ele aprumou o corpo na cadeira gasta de couro, e as liberou com a promessa de manter contato.

Liza, a garota mais velha, pareceu ter amadurecido trinta anos no instante em que ele lhe relatou o ocorrido. Em nenhum momento o acusou ou perdeu o controle. Sua aparência era calma e estável, enquanto segurava a mão da irmã chorando em seu ombro.

Delegado Machado estava impressionado com a garota. Deveria estar um caco por dentro, ainda assim, poderia ter enganado alguém, até mesmo com sua experiência.

Uma vibração diferente emanava dela. O lado positivo era ressaltado quando ela falava. Não havia como explicar, só vendo. Perto dela, ele desejava ser uma pessoa melhor. Queria de verdade solucionar o caso, ou ter pelo menos algo a dizer, algo para confortá-la, mas isso não seria possível.

Quando um caso chega ao ponto de levantar questionamentos da Física, da Ciência, ou qualquer tipo de lógica, o caminho a seguir são os traços, pistas, testemunhas.

Qual é o caminho, quando não há nada?

Se não fossem pelas duas meninas e aquela mulher que procurou pelo marido e desapareceu logo em seguida, o Delegado Machado suspeitaria que algum crime, de fato, havia sido cometido.

Do crime agora, ele sabia. Mas não havia lógica. Não havia explicação.

***

Quinze anos atrás, uma onda de crimes se alastrou por Los Angeles.

Surgiu um novo serial killer, com um gosto especial por menores de idade. Esse era seu padrão, além da maldita orquídea negra, que sempre era deixada ao lado dos corpos. Ele chamava a flor de maldita, pois quando alguém tentava segurá-la, ela se encolhia para dentro da terra, sendo absorvida pelo chão.

O assassino depois de muitas mortes, foi denunciado e apontado pela menina que escapou, sendo associado aos outros casos que permaneciam até então separados.

Mas ele estava morto.

Não poderia ter forjado a própria morte e fugido.

O Delegado Machado esteve no enterro. Jamais esqueceria de que foi Gilbert o culpado pelo fim de seu casamento.

Ele não queria carregar o peso sozinho em suas costas e o dividia com Gilbert sempre que se lembrava de sua obsessão com o caso. Precisava ser promovido, e se o pegasse, estaria feito. Afundou-se por anos em investigações, praticamente dormia na delegacia. Foi em um daqueles dias que sua mulher telefonou e avisou que estava partindo com Ana. Ela insistiu que ele fosse com elas para uma cidade mais calma, onde a filha cresceria longe desse tipo de perigo, mas o Delegado Machado negou o pedido. E assim consumaram o divórcio.

Ele não poderia abandonar o emprego. Precisava colocar aquele homem na cadeia.

O medo no rosto daquelas meninas faria qualquer um desejar vingança.

A forma em que eram encontradas, que tipo de crueldade aquele homem cometia? Até hoje, quinze anos depois, não sabia a resposta.

O pior era a ausência que as meninas exalavam, pareciam vazias, como se sua essência fosse sugada. A pele branca demais, nenhum vestígio de cor no corpo, e o mais estranho, nenhuma marca de agressão. Todas as vítimas faleceram de infarto fulminante, indo contra todas as probabilidades. A maioria era saudável, muitas vezes sem nenhuma herança genética, ou algo que justificasse um infarto. Todas eram encontradas com os olhos abertos e as mãos cruzadas sobre o peito. Estampavam o horror em seus rostos, como se suas vidas se esvaíssem por vontade própria, como se suas almas fugissem de seus corpos.

Passou anos investigando, enquanto os casos se acumulavam. Certo dia, porém, sua sorte mudou. A sorte de uma das vítimas mudou.

Uma menina escapou, e a sua coragem, salvou todas as famílias que ainda sofriam. Deu um final àquela história.

Foi durante um dia normal de trabalho, aliás, bastante tedioso. Delegado Machado revisava arquivos sobre o caso quando o telefone tocou. A voz na outra linha gaguejou, e ele escutou a palavra assassino, logo seguida de um endereço.

Não disse a ninguém aonde iria, foi sozinho. Mal acreditava no caminho que fazia. Não podia ser.

Era provável que o assassino tivesse fugido, já que a menina conseguiu escapar. Por isso, esperava encontrar o local abandonado.

Estacionou a viatura estrategicamente, à distância. De onde não poderiam ouvir o carro se aproximando. Ele parou de andar ao alcançar a esquina da rua, escutou vozes vindas da porta onde deveria estar o assassino.

- Não posso mais. Não aguento mais. - Ele ouviu uma voz masculina, implorava, soluçava.

- Você precisa de ajuda. Deixe-me ajudar você. Largue essa arma, eu não vou contar a ninguém. Você não queria matar aquelas garotas, eu sei disso. Existe tratamento. - A outra voz, mais calma, tentava convencer o homem que soluçava.

- Não. É tarde. Não há salvação. As lembranças. As lembranças. Não posso mais suportar. Acordo e as vejo. Mortas aos meus pés. Elas me encaram com olhos arregalados. E o medo que sentiram. O medo. Fui eu. Eu sei que fui eu. Mas não sei por quê. Não lembro. Minhas mãos, não são minhas. Só vejo seus rostos e o terror, o medo.

- Por favor, por mim. Solte a arma e vamos a um hospital. Eu cheguei a tempo, a garota está viva, ela voltou para casa. Eu a soltei.

- A morte é a única saída. Se eu não for agora, ele vai voltar. Ele sempre volta. Minha cabeça fica escura, oca. Ele me controla. Você precisa ir também. Ele vai querer você.

O Delegado Machado observava os dois homens. Um deles estava ajoelhado no chão. O assassino, deduziu. Era o que segurava a arma e a apontava para a própria cabeça. O outro, em pé, mirava o amigo com olhos tristes e pesarosos. Eram amigos de infância, cresceram juntos e trabalhavam juntos na vizinhança. O delegado os conhecia, nunca suspeitou que pudessem ser capazes de tal crime.

O delegado se aproximou enquanto os dois conversavam, nenhum deles pareceu notar. Surpreso por reconhecê-los, ele cometeu o erro de pisar em uma poça, sua bota espirrou água para os lados. O som atraiu os dois olhares para ele, e então, não houve tempo para nada.

O assassino atirou no próprio amigo, que não esperava por aquilo. Em seguida, matou-se. "Em um momento de loucura", foi o que Delegado Machado disse a seus colegas de trabalho naquele dia.

- Ele atirou em Gilbert, e se matou em seguida.

Os olhos dos homens nunca veem além daquilo que podem enxergar.


___________________________________________________________

Oláá, e aí, o que estão achando? Comentem! =D

Desculpem pelo atraso, meu Wifi fajuto está acabando com a minha vida.

Postei mais um capítulo a seguir.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top