Capítulo 41
O DIA DA OFICINA
11 de junho de 1999, Los Angeles, Califórnia.
Marie
Estavam a caminho do seu destino. Aquele que, talvez, salvasse sua filha. Mas o motor do carro parecia engasgado. Assim, deixaram suas meninas no hotel, pararam em um posto de gasolina e pediram informação a um senhor que enchia o tanque.
Ele lhes passou um endereço, não muito longe dali, e voltou a seu carro aos tropeços, parecia bêbado.
Marie queria se deitar e resolver o problema na manhã seguinte. Paul insistiu que não deveriam atrasar o resto da viagem. Não poderiam desperdiçar tempo. Liza havia acabado de completar 21 anos.Muito tempo havia se passado desde o nascimento de sua filha, e daquela previsão macabra, recebida ainda na maternidade. Apesar da data e da sensação de espreita pairando no ar, Marie duvidou por um segundo, que as sombras realmente viessem.
Seguiram para o endereço da oficina e estacionaram o carro em uma rua deserta. Não parecia haver nada ali. Marie se convenceu de que o bêbado deu a informação errada.
Quando Paul já concordava em partir para o hotel, a porta de uma garagem se abriu.
A oficina era mal iluminada, empoeirada. Uma televisão pequena no canto era o único som vindo de dentro daquele lugar. Algumas maletas e ferramentas se espalhavam pelo chão, uma escada velha de madeira levava ao segundo andar.
Marie não soube dizer o motivo, mas o lugar lhe causou frio na espinha. Mesmo assim, desceu do carro seguindo Paul, seu marido.
O homem, que pelas vestes deduziu ser o mecânico, levantou a porta da garagem e abriu um sorriso. Ele limpou as mãos sujas de graxa em um pano e o guardou no bolso. Depois esticou a mão para apertar a de Paul:
— Boa noite, sou Gilbert, como posso ajudá-los? — Para Marie ele sorriu, como se dissesse que não a cumprimentaria porque não desejava sujá-la.
— Acho que há algum problema com o motor — Paul explicou.
— Hummmm. — Gilbert alisou o queixo, saiu da garagem e abriu o capô do carro, ali na rua mesmo. — Vou precisar trocar algumas peças, mas acho que deve ficar pronto hoje.
— Ótimo. Pode nos dar um telefone? Ligaremos em algumas horas para saber se está pronto. Desculpe-me, mas é que estamos precisando mesmo de um bom banho e cama — Marie falou docemente.
— Claro! Só preciso que preencha alguns formulários autorizando a troca das peças.
Gilbert passou a mão no ombro de Paul amigavelmente e o levou para os fundos da oficina. Paul não hesitou. Os dois, automaticamente, começaram a conversar em linguagem de carros.
Marie decidiu sair com a desculpa de comprar um lanche. Na verdade não sentia fome, precisava apenas sair daquele lugar. Sentia-se sufocada e não enxergava com clareza. Não achou que pudesse se perder, afinal, a lanchonete que viu no caminho ficava duas ruas à esquerda.
Diferente das ruas com palmeiras, iluminadas e movimentadas de Los Angeles, aquela área parecia pertencer a outro lugar, não se encaixava ali. Havia casas com aspecto de abandono, e poucas pessoas na rua. Na verdade, ninguém na rua.
Sentou-se junto ao balcão, e subitamente pensou que seria melhor se demorar mais um pouco por ali. Paul adorava tudo que fosse relacionado à mecânica. Deveria estar se divertindo enquanto enchia Gilbert de perguntas.
Uma hora se passou e ela achou que era tempo o suficiente. Ligou para o celular de Paul. Desligado. Esperou alguns minutos. Tocou repetidamente, ninguém atendeu.
Pagou a conta e foi para a oficina, se sentindo tola por estar preocupada.
Não há nada demais, isso acontece o tempo todo com celulares.
Chegou ao endereço, que guardava anotado em seu bolso, e precisou olhar o papel, e dele, por sua vez, para a placa da rua e o número da garagem.
O lugar não existia.
— Não, não é possível. Eu acabei de sair daqui.
Marie vagou pelas ruas quentes e desconhecidas de Los Angeles. Horas e mais horas já haviam se passado. O suor se instalava em sua nuca, premeditando um mau agouro. Seu último trocado, ela gastou com os dois sanduíches comprados para Paul.
Estava perdida, sem dinheiro e a oficina parecia ter mudado de lugar. Paul não retornou a ligação e suas duas filhas dormiam sozinhas no hotel.
Talvez, tivesse chegado a hora. Como a previsão que ouviu no nascimento de Liza.
Deveria ter suspeitado. Nada de estranho, ou suspeito, aconteceu naquela noite. E a calma, costuma antecipar a tormenta.
Angustiada, refez o caminho. Andou até a lanchonete e voltou para o mesmo lugar esperando que desse certo. Deveria ter confundido alguma rua, ou lido o nome errado na placa.
No lugar da porta da garagem havia uma casa rosa, bem cuidada. A varanda era toda enfeitada com plantas, somente o número era o mesmo. Dois algarismos de ferro entrelaçados um pouco acima da campainha, que antes não estavam ali, como nada daquilo.
Marie tocou.
Uma senhora parecendo mal-humorada, vestindo um robe com rolinhos na cabeça, apareceu na janela.
— O que deseja?
— Desculpe incomodá-la, mas procuro por Gilbert.
— Isso é alguma piada?
— Não, senhora, de forma alguma. Estive aqui há menos de duas horas e meu marido Paul ficou aqui com Gilbert, cuidando do orçamento para o conserto do nosso carro.
— Vá procurar o que fazer e me deixe em paz! Achei que tinha me livrado dessas maldades que fazem comigo! Quinze anos se passaram. Ele se foi. Deixe-o descansar em paz. Meu filho era inocente.
A senhora bateu a janela. Marie pensou tê-la visto chorando.
Marie refez o caminho e entrou por diversas vezes em ruas diferentes. Ela encontraria a garagem de novo.
Senhor! Me ajude a encontrar a garagem novamente!
Paul não atendia ao celular. O ponteiro do seu relógio de pulso indicava três horas da manhã. Desesperada, ligou para a polícia e conseguiu o endereço de uma delegacia.
Tem que haver uma explicação para isso.
O dia quase clareava, quando terminou de contar ao Delegado Machado tudo o que aconteceu. Ele sugeriu que retornasse ao hotel e deixasse a polícia cuidar do resto, pois ela teria de esperar vinte e quatro horas para ser considerado um desaparecimento.
— Não posso esperar! O que vou dizer às minhas filhas? E se algo de ruim estiver acontecendo com ele agora?
Marie olhou para o homem do outro lado da mesa. Parecia ter a mesma idade que ela, aproximando-se dos cinquenta. Sua feição suave contrastava com o porte forte de seu corpo. E mesmo com o ar "estou no comando" que seu corte de cabelo raspado tentava lhe impor, ao encarar seu olhar acinzentado, ele lhe pareceu alguém em quem poderia confiar.
— Senhora Marie, por favor, se acalme. Precisamos estar lúcidos para raciocinar direito. A descrição do homem que lhe passou o endereço confere com um detento que temos aqui neste exato momento. Contudo, de acordo com os registros, no horário em que disse que ele lhe passou a informação, ele estaria sendo detido por bater em um carro de polícia, a uma distância de pelo menos trinta minutos, do posto de gasolina onde a senhora se encontrava.
— Eu não estou mentindo! Por que faria algo assim? Só quero encontrar o meu marido!
— Por favor, me diga se este é o mesmo homem que lhe deu o endereço. — O Delegado Machado abriu uma pasta que se encontrava em sua mesa e passou uma foto a Marie.
— É ele! Foi ele!
Os olhos azuis e leitosos eram os mesmos, desfocados e quase sem vida. O cabelo grisalho falhava em várias partes de sua cabeça, e o rosto era oval para um pescoço fino demais.
— Vou precisar que faça o que eu lhe pedir, tudo bem? Preciso que confie no meu trabalho. Vou interrogá-lo e mostrarei uma foto sua. Independente do que responder, ele passará a noite aqui. Temos esse tempo a nosso favor.
Marie respirou fundo e assentiu com a cabeça. Considerava-se uma mulher forte e educada. Nunca se imaginou passando por nada desse tipo, mas começava a perder o controle.
As lembranças que lutou para enterrar voltaram para lhe atormentar. Então, Marie aceitou seu destino. Mesmo que isso a impedisse de libertar Liza. Chegaram tarde. Não havia mais o que fazer.
— Posso lhe pedir um favor? Se alguma coisa acontecer comigo, minhas filhas precisarão de orientação para receber a herança de Paul e o meu seguro de vida. Pode garantir que elas recebam? Sinto muito, sei que não é o seu trabalho, mas não tenho a quem recorrer. Deus, Raquel só tem dezesseis anos e Liza acaba de completar vinte e um. São duas meninas.
— Não preciso lhe prometer nada, não será necessário. A senhora verá suas filhas daqui a pouco.
Detestava chorar na presença de outros, mas foi com lágrimas descendo pelo rosto que esticou a mão e entregou um telefone ao Delegado Machado.
— Tudo bem. Mas por favor, guarde esse número. É do celular da Liza, a mais velha.
Eram as sombras, ela sabia que elas viriam. A esperança lhe fez duvidar, mas desde o nascimento de Liza ela soube. Chegariam quando sua filha completasse vinte e um anos. Agora era tarde demais para impedir. Ela nem teve tempo, de cantar o último parabéns para sua menina.
Que Deus as proteja, e que esteja com Paul agora. Pensou em seu último lampejo de esperança.
Mas Paul, estava em outro lugar...
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É aí? Gostando? Comentem! =)
Tem mais um amanhã!
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