Capítulo 32, 33 e 34

Capítulo 32

INESPERADO

Liza


- Nathaniel! - gritei pela décima vez.

A sensação era horrível. Meus pés não me obedeciam, permaneciam fincados ao chão. Rígidos. E eu, ali. Inutilmente parada sem a menor ideia do que acontecia. Contei a minha respiração nos últimos minutos. Comecei a ficar com as pernas doloridas pelo esforço de tentar movê-las.

Berrei o nome dele enlouquecida, e ouvi o farfalhar das folhas. Finalmente, Nathaniel passou de volta pelos arbustos.

- Liza, precisamos ir. - Minhas pernas imediatamente relaxaram. Suspirei de alívio e caminhei até ele.

- Nunca mais faça isso! Você não tem o direito de me manter presa, sem saber de nada. Isso foi horrível!

- Me desculpa, Liz. - Ele franziu as sobrancelhas e olhou para os pés. - Eu jamais faria algo assim se não fosse para sua proteção. Como conheço sua teimosia, achei melhor não arriscar. Eu não sabia o que veria por trás dos arbustos, foi isso o que me colocou em alerta.

Minha irritação se esvaiu com a angústia em sua fala. Eu nunca o vi tão apreensivo.

- Então me diz. O que está acontecendo? - Acariciei seu rosto. Precisava confortá-lo, trazer de volta o seu semblante de confiança, sua vibração de harmonia. Ele se manteve estático. Parecia escolher as palavras que diria a seguir.

- Preciso que me prometa uma coisa, Liza. Você faria isso por mim?

E eu soube, seria impossível negar. Mesmo que já tivesse uma vaga ideia do que diria, seus olhos estavam suplicantes, e sua voz, soava tão triste.

- Qualquer coisa por você.

- Tenho um problema para resolver amanhã.

- Qual problema?

- Vou contar depois que tiver certeza.

Bufei, mas não insisti. Afinal, eu também não contei sobre a cartomante.

- Você passaria o dia aqui, no Penhasco? Esperando por mim?

- Mas você disse que alguém esteve aqui...

- É o lugar mais seguro para você. O que me deixa nervoso é imaginar o que pode acontecer se sairmos daqui.

- O dia todo? - perguntei ciente de que ele entenderia aonde eu queria chegar.

- Eu mesmo ligarei para Ethan e cancelarei a ceia.

- Não. Não posso fazer isso com a Raquel. Ela precisa disso, você sabe.

- Liz. - Ele insistiu com sua voz de alerta.

- Me desculpe, não posso. Irei passar o dia aqui mas à noite estarei em casa.

- Liz, sabe que eu tenho outros meios. - A forma doce com que pronunciou meu nome, me deixou a ponto de ser convencida. Ainda mais agora, que ele me abraçava e falava meu nome beijando lentamente o meu pescoço.

- Sei... mas você... você não usará seus meios.

- Por que você é teimosa assim?

- Por que você é lindo desse jeito?

Ele riu e me beijou, à sua maneira, inebriante e envolvente.

Eu esquecia facilmente de que precisava de oxigênio quando tudo o que eu desejava, eram os lábios dele, quentes e macios.

Não consegui desvendar o motivo de tanta preocupação com uma simples ceia natalina. O que poderia acontecer? E o que isso teria a ver com o que ele encontrou entre os arbustos?

Apesar do seu toque calmante, eu ouvia o canto ruidoso do vento. Um assobio que anunciava uma tempestade se aproximando. E eu o somei ao ar misterioso de Nathaniel, a previsão da cartomante, a estranheza de Ethan, o menino de rua... Minha cabeça rodopiou, dentro do turbilhão de dúvidas.

O cheiro de sal, de terra e de orquídea, percorria as minhas narinas como um aviso.

Como um terrível alerta.

A ceia de Natal me trouxe simultaneamente, uma promessa e uma contagem regressiva.

Sete dias, para a virada do milênio. Sete dias, para descobrir se Madame Nadja e sua previsão estariam assombrosamente corretas.

Abracei Nathaniel em busca de alguma solidez, lutei para deixar que o som das cachoeiras me trouxessem a esperança de volta. Mas tudo o que ouvi, foi a voz de Madame Nadja:

"Se o ritual se completar na virada do milênio, tudo estará perdido, para sempre."


Capítulo 33

PRESSÁGIOS

Liza

Essa noite, apesar do medo efervescendo por minhas veias, adormeci em poucos minutos. Aninhada nos braços de Nathaniel, deitada na grama debaixo da árvore. Tive um pesadelo horrível, daquele em que sabemos ser um sonho, mas não conseguimos controlar.

O cheiro de incenso na sala me fez tossir. Inalei o ar e o medo tomou conta de mim.

Os olhos da cartomante estavam vidrados, brancos. Não eram dela. Como se alguém, naquele momento, falasse através dela. Ela me prendeu pelo pulso e não pude fugir. Seu corpo rígido foi atingido por tremores enquanto falava, como se fios elétricos lhe dessem pequenos choques. O meu tremia em resposta.

Lutei para acordar. Madame Nadja iria repetir aquelas palavras, eu não queria ouvi-las outra vez. Eu precisava manter a esperança. Contei até dez, mas continuei presa no pesadelo, e a voz gutural anunciou:

"Aquele por quem tanto anseia, retornará esta noite.

Sua união despertou a maldição.

Seu amor, é a quebra do Tratado e junto de seu amor caminha a morte.

Vocês são as almas que eles desejam.

Duas almas, para as duas mais vis criaturas.

A Serpente e o Vazio.

Um deles está entre vocês. E ele a busca há muitos anos. Ele a deseja de forma cruel. Ele tentará possuí-la, como a um objeto.

A outra a observa, Liza. A mais tempo do que pode imaginar.

Na noite de ano novo, você receberá um convite.

Não vá, Liza! Fuja!

Ele ameaçará algo importante para lhe atrair.

Fuja!

O caminho que jaz a sua frente é longo. Pois não se pode matar o que não vive.

Se o ritual se completar na virada do milênio, tudo estará perdido, para sempre.

Seu amor tentará salvar você, pois daria a vida dele por você, sem hesitação. Ele a ama acima de qualquer existência na Terra. Mataria e morreria por você. Mas todas as tentativas serão inúteis. No final, será você quem precisará salvá-lo.

Se até lá sobreviver, o sacrifício deverá ser seu.

Se você escolheu a união, então escolheu a morte. A sua, ou a dele.

De um jeito, ou de outro, algo se perderá na virada do milênio.

Os namorados foram julgados."

Abri os olhos e soprei o ar com força no pescoço de Nathaniel. Um alarme soou alto nos meus ouvidos.

Faltam sete dias para o réveillon.

Estremeci.Ele murmurou e me abraçou. Tinha o poder de me acalmar mesmo enquanto dormia. Ele era tão quente que um lençol, ou qualquer outra espécie de coberta, se tornava dispensável. A brisa suave da cachoeira acariciou minha pele que esquentava sob o vapor do sol.

Levantei-me lentamente para não acordar Nathaniel e esfreguei os olhos. O sol nascia espalhando nuances douradas pelas ondas do mar no horizonte.

Fiz uma prece silenciosa, para que a previsão de Madame Nadja estivesse errada.

Como eu poderia deixá-lo? Como eu descobriria sobre o que se tratava essa maldição, ou o que seria essa quebra do tratado?

Senti-me como se tentasse desvendar algo invisível.

Será que é verdade o que dizem? Antes um amor perdido e vivo no coração, do que esquecido por uma soma de más escolhas, e preso na desesperança?

Quando Nathaniel não estava por perto, eu me sentia atormentada. Sua simples presença tornava o ar mais fácil de respirar. Eu não poderia aceitar uma escolha que me deixasse longe dele.

Deitei-me sobre o seu braço novamente, e me deparei com duas esmeraldas. Nathaniel abriu meu sorriso torto favorito. Ele se virou de lado e apoiou a cabeça em um braço. Com a mão livre, acariciou meu pescoço.

- Sonhos ruins, Miosótis?

Às vezes, eu não sabia se eram seus dons que me deixavam transparente, ou se eu mesma me denunciava.

- Acho que sim. Mas não lembro muito bem - menti. Ele franziu o cenho como se não acreditasse.

- Então, esqueça. - Seus lábios macios tocaram minha bochecha. Meu corpo inteiro esquentou.

- Isso é fácil, com você assim do meu lado. - Sorri

Nathaniel piscou o olho, mas sua expressão ficou mais séria.

- Liz, eu preciso ir. Seja boazinha e fique no Penhasco até eu voltar para a ceia. Senão, terá que pagar penitência! - Apontou o dedo zombeteiro para mim e desapareceu.

Eu detestava ter de me afastar dele. Carregava o medo constante de que ele voltasse a sumir sem explicações.

Voltei rapidamente até o meu quarto, para buscar o presente de Natal que preparei para ele. Faria uma surpresa, e aproveitaria o dia para terminá-la no Penhasco.

Novamente fui pega pela sensação muito ruim de alguém à espreita. Como se uma mão invisível acariciasse minha nuca.

Olhei para trás e não encontrei nada. A cortina balançou com o vento. Eu poderia jurar ter deixado a janela fechada.

O cheiro de orquídea, de sal e de terra se acentuou. Minhas narinas queimaram quando peguei a caixa no armário.

Sentei no colchão, me preparei para voltar ao Penhasco e esperar até a noite pela ceia de Natal. Ouvi alguma coisa se mover debaixo da cama. Em seguida, um toque gelado me prendeu pelo tornozelo.


Capítulo 34

A CEIA


Liza


Fui arrastada pelo chão. Cravei as unhas no piso de madeira. Gritei desesperada. Debati as pernas. Alguma coisa muito forte me segurava. Não ousei olhar para trás. Eu precisava me soltar. A cada segundo, eu entrava um pouco mais para debaixo da cama.

Pensei no Penhasco com toda a força que consegui reunir. Fechei os olhos. Seria a minha única salvação.

Lágrimas escorreram pelas minhas bochechas quando a textura abaixo de mim mudou. Repousei a cabeça na grama.

Suspirei dezenas de vezes. Meu coração batia tão forte que pensei que precisaria de um médico. Recostei no tronco da árvore, coloquei o presente de Nathaniel ao meu lado e abracei os joelhos.

Fitei as cachoeiras. O som da água batendo de encontro ao mar me acalmou aos poucos. Mas meu corpo permaneceu rígido. Eu não sabia se estava totalmente segura ali.

Por favor, Nathaniel, volte logo.

A única conclusão que eu poderia chegar, era a de que ele de alguma maneira afastava essa presença. Já que aquilo só aparecia, quando eu ficava sozinha.

Por que esse mal nos persegue?

Nathaniel ainda descobria muito sobre si mesmo. Como não chegou a conhecer seus pais, diferentes histórias lhe foram contadas pela freira que o criou, além das de Lucas, o Guardião que o aprisionou no Coemeterium. Parecia-me que conforme a verdade se aproximava dele, o aperto em seu peito crescia. Exatamente como vinha acontecendo comigo.

Quando ele me contou sua história, não pude acreditar que seu maior medo fosse a minha rejeição. Apesar de me considerar cética, jamais duvidaria do que me dissesse. Seria ainda menos provável que me afastasse.

Qualquer um que o contemplasse por mero instante acreditaria. A pureza e a bondade que dele emanavam eram praticamente palpáveis, transbordavam.

Mesmo em recordação, ouvir sua voz me acalmava. Deitei na grama debaixo da árvore e mergulhei na lembrança.

- Quando descobri que só seria visto se o desejasse, eu tinha apenas quatro anos. Quando agi contra as regras do orfanato, por instinto de autopreservação e por ter magoado a irmã Daiana, eu me escondi.

- Você tem o poder de ficar invisível? - perguntei confusa.

- De certa forma, só sou visto se desejar. Mas apenas para aqueles que não estão realmente olhando. Entende o que quero dizer? Duvido que você não conseguisse me ver, considerando a ligação que agora fortalecemos. Quando a vi pela primeira vez, você não havia sequer chegado ao mundo. Lembro que você apareceu para mim como uma promessa de que estava a caminho, e eu esperei por você. Após seu nascimento, no dia em que a vi sorrir para mim no berçário, eu nunca mais a deixei. Estive sempre por perto. Cuidei para que a minha presença não interferisse em seu curso, eu apenas o faria, se fosse para sua segurança. Tentei me afastar uma vez, deixar que seguisse a sua vida, tivesse outras escolhas, mas era mais forte do que eu. Você me atraía como um ímã, como se também pensasse em mim, apesar de ainda não saber sobre minha existência. Quando você estava prestes a ter grandes experiências, eu já estava lá, sem sequer me dar conta. Lembro-me do dia em que deu seu primeiro passo, e de sua primeira palavra. Você irradiava felicidade, acabava de abrir o seu presente. Você olhou para a árvore e disse: "Natal!" Eu estava parado ao seu lado, e acreditei por um instante, que fosse dizer o meu nome. Zelei por seus sonhos, presenciei até o seu primeiro beijo. Neste dia morri de ciúmes, mas me acalmei por saber que o dia do nosso encontro se aproximava. Por favor, não me veja como um lunático, Liza. Eu apenas queria garantir que estava segura. Era o meu único propósito, o que me mantinha vivendo, dia após dia. Aliás, continua sendo. Apenas serei feliz se você o for, e se agora, que sabe da minha verdade, desejar me deixar, eu entenderei.

- Nunca diga isso, Nathaniel. Como espera que eu seja feliz sem você ao meu lado? Eu senti você toda a minha vida, nunca soube explicar o que era. Tudo faz sentido agora. Na calma súbita que me tomava, nas diversas vezes em que estive angustiada, ou quando estive em perigo. Eu poderia jurar que algo tocava em meu ombro e como mágica, nada mais importava. Era você. Eu me sentia observada, mas nunca me causou medo, era reconfortante. Passei toda a minha vida sem admitir acreditar estar destinada a alguém, que me encontraria da forma mais impossível. Eu também esperei por você. Na noite em que o vi no Penhasco, quando meus pais desapareceram, pensei que eu havia enlouquecido, ou tudo finalmente havia se concretizado. Senti uma ligação instantânea com você. Como se já o conhecesse, não apenas pelas vezes que zelou por mim. Era algo ainda maior. Ainda carrego essa sensação.

- Não está nem um pouco assustada com o que acabo de lhe contar?

- Como poderia? Seu próprio cheiro me conforta, eu o reconheci quando nos encontramos. O perfume que impregnava o meu quarto desde que eu era pequena.

Lembro de que achei que minha declaração fosse aliviá-lo, mas ele pareceu triste com si mesmo.

- Às vezes, ainda me sinto como um invasor que não lhe deixou escolhas.

- Sabe que não é verdade. Eu já o desejava, mesmo que inconscientemente. Lembro de entrar em meu quarto e ser tomada pelo vazio, quando não podia afirmar que fui visitada. Eu o chamava de meu amigo invisível, mesmo não sabendo o que isso significava. As flores que eu mantinha na janela eram para você. Não sei se há como explicar isso, mas se você não tivesse vindo até mim, eu iria te encontrar. Como uma mariposa atraída pela luz. A escolha na verdade é tão simples. Você é tudo o que quero. E você me quer também. Por que eu optaria por outra coisa?

Para mim, era tão óbvio imaginá-lo ao meu lado, que jamais parei para analisar os fatos e as consequências. Não me importava.

- Tenho medo de que o que sou, possa expô-la a algum tipo de perigo.

Acho que de certa forma, eu sempre soube. Mas gostava de pensar que também era humano. Isso me fazia sentir mais próxima, mais merecedora de alguém como ele.

Nathaniel, um anjo. Quer dizer, meio anjo. Não caído dos céus como já ouvi na lenda, mas ainda celestial. Concebido na Terra pela união de seu pai com uma humana.

Mesmo antes de saber, meu íntimo me dizia que havia algo a mais, algo de misterioso. E eu sempre senti a sua presença, morna, acolhedora.

Acostumei-me com a ideia de que seu lado anjo prevalecia. A maneira com que seus olhos se comoveram com a flor de lótus, e a facilidade com que criava empatia pelos problemas de um estranho, não poderia ser algo adquirido, ou aprendido. Era nato.

Metade da renda do trabalho que ele realizava com fotografia, era doada a instituições não governamentais, e quase toda a sua herança foi convertida em fundos para o orfanato onde cresceu. Com exceção apenas do valor usado para comprar o Pallais, restaurante onde jantamos, e um fundo de investimentos para emergências.

Antes, eu ansiava pela noite do réveillon. Combinamos que ele me levaria para conhecer a sua casa, herança de seu pai. Eu precisava ver com os meus próprios olhos sua ligação com o meu mundo. Esperava que nessa noite nos uníssemos pela primeira vez, e nos tornássemos um só. Minha alma afinal, já era sua. Agora, o medo me atormentava. Será que poderíamos ficar juntos e em paz?

Não de acordo com Madame Nadja. Se ela estiver certa, algo muito ruim acontecerá.

Interrompi o pensamento. Anoitecia e Nathaniel ainda não havia retornado. A ceia de Natal seria em pouco tempo, eu precisava voltar.

A angústia estava impregnada em meus poros. Eu não sabia se aquela presença macabra estaria me esperando em meu quarto, mas não poderia estragar a ceia de Raquel. Reuni coragem, segurei a caixa com o presente de Nathaniel e voltei para casa.

Levei um susto com o que encontrei.


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Oi gennnte! Desculpem a demora essa semana. Tive um problema com a senha do Wattpad e quase surtei de desespero, mas já consegui recuperar a senha. Ufa!

Mas viram que postei 3 de uma vez pra compensar? =)

Deixem votos e comentários! Adoro saber a opinião de vocês!

Beijosss


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