Capítulo 30
NÉVOA NEGRA
Liza
Mal entramos em casa e Nathaniel subiu correndo para o quarto. Justificou a pressa afirmando que precisava de um banho. Mas eu sabia o motivo real: fugir de mim para ter tempo de pensar antes que eu começasse o interrogatório.
Este pensamento me desanimou. Pelo visto, nosso fim de semana particular passaria longe do que eu havia imaginado.
Sentei-me no sofá da sala e procurei preguiçosamente um programa na televisão. Meus olhos não absorviam nada. Minha razão trabalhava incansavelmente em busca de um sentido para o que vinha acontecendo.
Nathaniel desceu sem camisa e me observou com certo divertimento no rosto. Com certeza, ele tramava algo que eu não consegui perceber. Então notei os seus olhos... Cinza, muito claros, e fui tocada por sua chama de desejo. Veio faiscando até mim. O formigamento familiar me percorreu os braços e as pernas.
Fiquei em pé, corri os olhos pela sala em busca de algo para me distrair. Eu não poderia perder o controle, ou esqueceria todas as perguntas que organizei mentalmente.
Sem perceber, parei em frente a porta e segurei a maçaneta. Ele cobriu a minha mão com a dele. Sua presença quente e marcante atrás de mim, me deixou zonza.
Ele falou em meu pescoço e um leve tremor percorreu todo o meu corpo:
— O que está fazendo, Liz? Está tentando fugir de mim?
— Eu, eu... Só preciso tomar um ar por um instante, já volto.
Arrependi-me instantaneamente, mas sabia que ele não me impediria de sair se era disso que eu precisava naquele momento. Como eu sabia também, que se me virasse, acabaria agindo contra os meus próprios planos. Saí de casa e respirei o ar frio da varanda.
Eu planejava me entregar a Nathaniel. Ele seria o meu primeiro homem, e se meus sonhos fossem realizados, o único. Mas não desejava que acontecesse em minha casa, ainda sentia certo medo. Não dele. Nathaniel obviamente tornaria tudo perfeito. Eu só ainda não imaginava como o faria perceber que desejava isso. E havia ainda o turbilhão de coisas ruins à nossa volta. O um milhão de presságios, de sinais me alertando para ficarmos o mais longe possível. Podia sentir que algo estava prestes a acontecer. O velho arrepio na nuca, acompanhado do cheiro enjoativo de orquídeas, de sal e de terra, não me deixava em paz.
Um vento frio arrepiou minha pele e resolvi voltar. Nathaniel abriu a porta antes que eu segurasse a maçaneta.
— Liza, você está bem? Escute. Sei que provavelmente, precisa de um tempo para pensar. Só não me ofereço para ir embora, porque a ideia de deixar você sozinha aqui é insuportável para mim.
— Não! Eu não quero que vá embora. — Coloquei as mãos em seu peito nu. Fiquei zonza outra vez.
— Vocês colocam orquídeas na varanda? — ele perguntou, tenso de repente. E inalou o ar a nossa volta.
De tensão nível 1, como eu passei a classificar, sendo: 1— ligeiramente preocupado e 5 — perigo de vida. Seu rosto passou direto para o nível 5, ao mencionar as orquídeas.
— Não, não comprei, mas também posso sentir o cheiro. Já sinto faz algum tempo.
Nathaniel me puxou para dentro de casa. Parecia prestes a explodir. Ele gritou para que eu ficasse na sala e voltou para a varanda onde estávamos.
Ele me lembrou um detetive de filme procurando por pistas, enquanto eu o observava pela janela da sala. Após o que me pareceu um longo tempo, ele pareceu se convencer de que não havia mais nada, e entrou.
— Há quanto tempo você sente esse cheiro, Liza?
— Começou a ficar mais forte há algumas semanas.
— Semanas? — Ele passou a mão de um jeito nervoso pelos cabelos sedosos.
— Ei, está tudo bem? — Detestei vê-lo daquele jeito. — O que está acontecendo?
— Vamos só relaxar um pouco? — Ele pediu apertando minha mão. Apesar da certeza de que havia algo muito errado, assenti.
Encaixamo-nos no sofá e assistimos O Fantasma da Ópera. Nathaniel adormeceu. Foi a primeira vez que o vi dormindo, porque em geral, eu era sempre a primeira a cair no sono. Foi ainda mais adorável do que observar a um bebê. Ele dormia relaxado, seu rosto abandonou a tensão que o rondava ultimamente. Inclinei-me para beijar seus lábios carnudos e me assustei. Ele passou seu braço por trás de meu pescoço e se inclinou por cima de mim.
Depois de me fazer deitar no sofá, ele me beijou enfurecidamente. Seus lábios ávidos pelos meus, me tiraram o fôlego. Suas mãos sedentas, acariciaram minhas costelas e desceram por meus quadris. Perdi qualquer resquício de razão. Apertei seus ombros e o puxei para mais perto. Um milímetro entre nós, era uma distância dolorosa.
Ele não se conteve e me apertou mais ao me ouvir expirar com força. Eu ainda não estava satisfeita, precisava de mais dele. Seu beijo ficou mais doce, mas não menos intenso, como se me saboreasse. Quando ele descolou nossas bocas e desceu os lábios por meu pescoço, soltei um gemido. Ouvi sua risada rouca.
Sua boca macia passeou carinhosa e lentamente por minha pele e eu me entreguei à sensação avassaladora. Até um som agudo irromper pela sala. Pisquei confusa. A campainha tocou pela segunda vez. Despertei do frenesi. Nathaniel tinha a tensão de volta ao semblante quando se levantou para abrir a porta.
— Nathaniel, quem é?
— Ethan e Raquel. — A resposta foi fria e seca, e eu soube que o motivo não era somente devido a simples interrupção.
— Nathaniel! Como está? — Ethan agiu como se não tivesse nos visto horas atrás no mercado.
— Eu que deveria perguntar isso, não acha? Oi, Raquel. — Ele mudou o tom da voz para amigável quando Raquel apareceu. Ela não demonstrou a menor surpresa por vê-lo comigo. Mas também não pareceu ter gostado. Sustentava a expressão que eu conhecia muito bem, de estar fazendo algo contra a sua vontade.
— Oi, Nate. Que bom te ver. — Os olhos de minha irmã percorreram o tronco nu de Nathaniel, depois, se voltaram furiosos para mim. — Ethan, esperarei você em meu quarto. — Seu tom não deixava dúvidas de que ele não deveria demorar. O motivo, todos sabiam: Eu.
— Ethan, eu pensei que só voltariam amanhã — ergui as sobrancelhas.
Como ele pode agir todo inocente e simpático, após nos tratar como estranhos, hoje de manhã?
— Foi um imprevisto, tivemos que retornar mais cedo. Desculpe, Liza. Estou atrapalhando?
— Não, Ethan, de forma alguma. Quer dizer então, que vocês dois acabaram de chegar?
— Sim, fiz questão que viéssemos aqui primeiro. Imaginei que você pudesse estar preocupada com Raquel. — Ele parecia sincero e, apesar da estranheza que eu e Nathaniel demonstrávamos, continuava sendo simpático e educado.
— Então imagino que a sua ida ao mercado hoje cedo se deva ao fato de ter escolhido dirigir algumas horas para vir até aqui, porque acabou o leite. — Os olhos verdes de Nathaniel faiscaram de acusação.
Ethan deixou transparecer um lampejo de fúria. Eu o vi franzir o cenho e enrijecer o abdômen. Mas a fúria não tinha indícios de ser com Nathaniel, parecia ser consigo mesmo. Quando ele viu que eu o observava, abriu um sorriso em minha direção.
— Ah, então é isso o que os está incomodando? Havia até me esquecido do nosso encontro pela manhã. A verdade é bem simples, até meio tola. Eu queria fazer uma surpresa. Então, eu arrumei a mesa de Natal antes que vocês voltassem da rua. Raquel comentou que Ben e Amanda voltam amanhã, e hoje cedo, a ideia me ocorreu. Confesso que não foi bem planejado, porque deixei as compras para a última hora e tive que fazer tudo enquanto Raquel dormia. Por isso, quando esbarrei com vocês no mercado, precisei deixá-los confusos, para que não percebessem o que eu levava em meu carrinho. Caso contrário, desconfiariam do meu plano.
— Entendo, e você se deu a todo esse trabalho até o último momento, apenas para estragar a surpresa agora? — Nathaniel cuspiu a acusação e a desconfiança, enquanto a culpa me corroeu as entranhas.
— Me desculpe, Nathaniel, mas será que poderia abrir a porta do quintal? Não era assim que eu desejava fazer isso, mas já que está tão desconfiado, acho que será melhor para todos.
Confusa, levantei do sofá e acompanhei os dois à porta dos fundos. Uma lágrima escapou dos meus olhos quando ela se abriu.
Não vi o mesmo quintal do jantar de dias atrás. Vi a mesma sala, decorada exatamente da maneira que mamãe costumava fazer, ano após ano. As duas velas compridas e vermelhas em castiçais de vidro, a mesma porcelana, com os talheres combinando ao lado. Vi o tapete debaixo da mesa, que mamãe passou a colocar porque eu e Raquel teimávamos em andar descalças, mesmo no inverno. E no fundo, uma enorme árvore, perfeitamente decorada com laços vermelhos e bolas douradas. No topo, havia uma estrela, aos seus pés, as caixas de presentes sobre os quais papai deixava uma mensagem inspiradora, como aquelas dos biscoitos da sorte. O primeiro presente, sempre era do primeiro que acertasse o autor da frase. Eu ainda carregava a do último Natal em minha carteira:
"Há uma exuberância na bondade que parece ser maldade", dizia Nietzsche.
Quando Ethan me disse algo sobre uma surpresa e mencionou Raquel, jamais me ocorreu que seria para ambas. De alguma maneira, ele conseguiu construir uma réplica perfeita de nosso último Natal.
Aproximei-me das caixas ao pé da árvore e agachei para olhá-las de perto. Quase acreditei que Ethan podia ler mentes, quando vi por cima de um dos presentes, a mesma frase que eu carregava na carteira. Cheguei a sentir um pouco de medo, imaginando-o como um perseguidor, ou um obsessivo, mas essa ideia foi logo substituída pelo fato óbvio de que Raquel certamente contou a ele sobre as mensagens.
— Ethan! — Eu me levantei e pulei em seu pescoço sem me conter. — Não tenho palavras para dizer o quanto é lindo o seu gesto. Por Deus, me desculpe por minha desconfiança!
Nathaniel parou ao meu lado e segurou minha mão possessivamente. Suspeitei que fosse para evitar que eu abraçasse Ethan mais uma vez.
— É um prazer, Liza. Não precisa se desculpar, imagino o quanto deve ter sido estranho para vocês me verem daquela maneira no mercado.
Nathaniel permanecia em silêncio Não se mostrava convencido, mesmo diante de tamanho gesto. Senti-me irritada com a sua teimosia e o cutuquei nas costas, indicando Ethan com a cabeça.
— É, é verdade, Ethan. Me desculpe. — Ele não se esforçou em fingir um pingo de sinceridade em suas palavras.
— Ethan, por que está demorando? Eu não lhe disse que estaria esperando? — A voz impaciente de Raquel se aproximou. Ela parou diante da porta e arregalou os olhos. A mesma reação que eu tive.
Após o choque, ela me olhou e por um segundo sorrimos uma para a outra. Naqueles poucos instantes fomos irmãs novamente, compartilhando a mesma dor, e não duas estranhas vivendo sob o mesmo teto.
Raquel e Ethan prometeram voltar no dia seguinte para a ceia. Eu fui me deitar, sabendo que minhas preocupações não seriam fortes o bastante ao menos por uma noite. Pois eu tinha Nathaniel ao meu lado. E Ethan, ofereceu a Raquel e a mim, a promessa de um recomeço.
O Natal sempre foi nossa data favorita. Após o desaparecimento de nossos pais, eu não acreditava que seria possível reviver a mágica daquelas noites. Mas agora pensava que mesmo criando as nossas tradições, um pouquinho deles sempre estaria conosco.
— Pode me dizer o que está te preocupando? — perguntei a Nathaniel ao meu lado, que encarava o teto, sério.
— Nada, Liz. Está tudo bem.
— Já que é a décima vez que responde a mesma coisa, e não se dá ao trabalho de olhar para mim quando fala, vou mudar de assunto. Como conheceu o Ethan e qual é a história que ainda não me contou?
— Desculpe, Liz. — Ele se virou para me olhar e derreteu contra a minha vontade, metade da minha irritação. — Só fiquei um pouco absorto. Prefiro responder as suas perguntas no Penhasco. Aqui, alguém pode acabar ouvindo.
Assenti. Ele estava paranoico. O que não combinava nada com ele. Era uma característica minha, ser cautelosa e preocupada ao extremo. O Nathaniel que eu conhecia, não agiria dessa forma em minha presença se não fosse realmente necessário. Ele escondia algo.
Ele entrelaçou a mão na minha. Fechei os olhos. Preparei-me para a conhecida sensação de estômago revirando. Em segundos, tudo ficou para trás.
Deixei a leveza de meu lugar favorito me invadir quando chegamos ao Penhasco e olhei para Nathaniel. Esperava que ele abrisse o costumeiro sorriso de quando era recebido pelas cachoeiras. Em vez disso, sua atenção se focou em algum ponto atrás de mim. Ele arregalou os olhos. Parecia em estado de alerta.
— Alguém esteve aqui. — A mão que estendeu em minha direção me impediu de me aproximar. Meus pés ficaram estranhamente presos ao chão. Não consegui dar um passo. Fiquei enraizada na grama, enquanto Nathaniel desaparecia entre os arbustos.
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Uuuuu, mais suspense... O que será que aconteceu? Comentem! =D
Beijosss
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