Capítulo 28
LÓTUS
Liza
Passei a noite acordada no Penhasco com Nathaniel. Ele me explicou todos os detalhes que conhecia de si mesmo, depois voltamos juntos. Ele me esperou no quarto e eu lhe disse que voltaria logo com o café. Seria estranho se Amanda e Ben o vissem ali repentinamente, por isso achamos melhor assim.
— Bom dia, senhorita! — Amanda me cumprimentou animada levantando o copo de café em saudação.
— Onde você dormiu esta noite? Não tem vergonha não? Escapando pela madrugada no meio da semana? — Ben me acusou nada discreto, agindo como um irmão ciumento.
— Onde eu dormi? No meu quarto. — Eu me juntei aos dois na mesa. — E por que estão acordados tão cedo e prontos para sair?
Ben se manifestou:
— Não te falei, Amanda? A Liza não está legal, não consegue se lembrar do que dissemos há pouquíssimo tempo. Deve ser perda de memória recente, eu li sobre isso outro dia.
— Ben, você reparou que o seu exagero cresce junto com o seu bom humor? Acho que você só seria normal se fosse um cara estressado — retruquei rindo.
Amanda piscou o olho para mim e acrescentou:
— Nós vamos viajar, lembra? Voltaremos em dois dias.
— Ah, é. Verdade. Eu não esqueci, só estou um pouco sonolenta.
Comecei a me sentir nervosa no momento em que os vi pegarem as malas. Eu e Nathaniel ficaríamos sozinhos em casa por dois dias. Eu precisaria reunir todas as forças do meu ser para me controlar. Teria duas noites com ele: irresistivelmente sedutor, carinhoso, romântico e todo meu. Pensei presunçosa.
Uma lufada de ar frio entrou pelo corredor quando meus amigos saíram. Voltei para meu quarto e me aninhei nos braços de Nathaniel, que me esperava deitado na cama.
— Hummmm, eu preciso dormir só mais um pouquinho. — Me espreguicei. Ele passou os dedos levemente sob meu queixo e minha testa sentindo as feições do meu rosto.
— Com o que está preocupada?
— Eu? Nada.
— Confie em mim, Liza.
— Eu confio. Só não queria estragar esse momento. Como sabe, aliás?
— Sua testa está com vinco de tensão. Você sempre fica assim e seu queixo está rígido. Diga. Talvez eu possa ajudar.
— Já está ajudando, não existe nenhum calmante melhor que sua voz, ou nenhum lugar mais confortável do que sua pele.
Abraçando-me, ele disse:
— Esta noite, quero levar você em um lugar que é especial para mim.
— Vamos agora.
Ele riu. Eu já me sentia ansiosa e animada. Saber mais sobre ele e seus lugares especiais no mundo, se tornou a minha diversão favorita desde a noite anterior.
— A noite estará do jeito que eu planejei. Além do mais, você não trabalha hoje? — Me deu um sorriso torto pelo meu esquecimento.
Sentei rapidamente na cama e coloquei as mãos na testa.
Droga! Eu tenho que trabalhar logo hoje?
Foi por uma questão de segundos que não liguei pedindo demissão. E se eu chegasse em casa e ele tivesse desaparecido como antes? Não poderia suportar isso novamente.
Estava preparada para correr até em casa no final do expediente quando o vi parado na calçada. Nathaniel foi me buscar com aqueles olhos verdes brilhantes. Minhas esmeraldas.
— Pronta para a sua surpresa? — perguntou animado. Ele segurou a minha mão e andou ao mesmo tempo, parecia ansioso.
Eu sorri feito uma boba, e respondi que sim, absurdamente ansiosa para descobrir o que seria.
Caminhamos em silêncio por alguns minutos. Reconheci algumas ruas e notei que íamos em direção à ponte. Eu me sentiria tensa caso não estivesse com ele ao meu lado. A ponte unia Winterhill ao vilarejo de Epifania era usada normalmente por pedestres. Mas desde que teve um dos lados demolido tornou-se perigosa, pois passou a ser a moradia de pessoas desabrigadas.
Avistei a elevação de pedras se aproximando e minha dúvida foi confirmada. A ponte sobre a água ficava logo à frente. Em vez de seguir em linha reta, Nathaniel me guiou em direção ao rio. Ele desceu pela grama escorregadia. Tropecei em uma pedra e quase caí. Fui puxada para seu colo tão rapidamente que me assustei. Rindo do meu leve sobressalto, ele me deu um beijo rápido e estalado na boca.
Descemos até a beira do rio e minha curiosidade não diminuía. Seu lugar especial era a beira de um rio poluído, no ponto onde a correnteza enfraquecia e a água se tornava lamacenta?
Então eu a vi. Levei as mãos à boca.
Ele me colocou de pé. E beirando a margem, sendo refletida pela lua, estava a flor mais bonita que eu já vi. Sua presença anulava toda a lama. Ela se mostrava imaculada, poderosa, como se fosse a dona de mistérios e soluções. Sua pureza era tangível. Não compreendi como poderia ter nascido logo ali, em meio a tanta lama.
Eu dei de ombros, pois com ele tudo sempre me parecia mágico, até mesmo para um sonho. Já não me importava mais em distinguir o imaginário da realidade.
— Você é a minha lótus, Liza. — Ele encaixou o seu rosto em meu pescoço, abraçando-me de lado. — Ela nasceu no mesmo dia em que eu a vi pela primeira vez no Penhasco. Desde aquela noite, venho aqui sempre que posso. Porque foi você quem me fez chegar à superfície. Eu gosto de imaginá-la como o símbolo de nossa união.
— Esta é, é... — Limpei a garganta. — Uma flor de lótus de verdade?
— Sim. Eu a vi brotar por acaso, mas nunca acreditei em coincidências.
— É a primeira vez que vejo uma. É perfeita! Mais do que eu imaginava quando minha mãe me contava as histórias.
Então uni as coisas. Nathaniel me levando até ali e as vezes que a minha mãe me contou sobre as flores e sua simbologia. A flor de lótus, com certeza, era a minha preferida.
— Obrigada por me trazer aqui.
— Sabia que iria gostar. — Ele apertou o abraço. Meus olhos arderam pela luta que eu travava com as lágrimas insistentes em brotar, pela saudade que a recordação me trouxe.
Evitar pensar em minha mãe havia se tornado uma de minhas melhores habilidades, mas fui pega de surpresa pela lembrança.
— Por que não tenta imaginá-la em um mundo onde é feliz e sorri por você agora? — Nathaniel me olhou com ternura nos olhos, eu sabia que ele sentia o mesmo que eu naquele momento.
— Sou um pouco cética quanto a isso. Pra ser sincera, não pensei nisso muito a fundo.
— Mesmo depois do que lhe contei? — Ele virou meu queixo em sua direção, portava um ar de quem sabia que eu estava mentindo.
— No momento, só consigo pensar em você como lótus. Mostrando que a beleza pode emergir até nas mais obscuras circunstâncias.
— Liza, não que eu não tenha adorado ouvir o que acabou de dizer, mas preciso admitir que você fica ainda mais linda, quando está tentando mudar de assunto. Ainda não me disse o que pensa, agora que sabe de tudo a meu respeito.
— Eu direi, mas não agora. Agora, vou admirar a minha surpresa.
Ele sorriu sem parecer muito satisfeito, mas não insistiu. Continuamos observando a flor por alguns minutos e ouvi em lembranças, a voz de minha mãe:
"Essa aqui, Lizzie, se chama Nelumbo Nucifera, mais conhecida como flor de lótus. No budismo, o significado mais importante dessa flor, é pureza do corpo e da mente. A água lodosa que acolhe a planta é associada ao apego e aos desejos carnais. A flor imaculada que desabrocha sobre a água em busca de luz, promete pureza e elevação espiritual, pois inspira o caminho da purificação e da transcendência em relação a tudo que é considerado impuro no mundo. E é linda, não é?"
Eu pude até vislumbrar o sorriso da minha mãe, com ar de sonhadora, apontando a foto no livro. Sorri de volta para a recordação.
De súbito uma pessoa bloqueou a nossa visão da flor de lótus. Um menino, que não aparentava passar muito dos dez anos, surgiu silencioso como um fantasma. Assustei-me quando a luz da lua, reluziu na lâmina do objeto que ele segurava. Uma faca.
Ele me penetrou com seus olhos negros e senti um tremor me percorrer. Meu nariz ardeu com aquele cheiro nauseante de sal, de terra, de orquídea.
Nathaniel me puxou para trás e ficou um passo à minha frente.
— O que você quer?
Apesar de ele ter falado educadamente, a raiva transpareceu em sua voz:
— Ela. Eu quero ela! — O menino se contorceu, como se o desejo por mim lhe provocasse dor. Meus poros se arrepiaram.
— Vá embora daqui.
— Você. Você não devia estar aqui. Eu preciso dela, sozinha.
— Se você mover um músculo, vai se arrepender. — Nathaniel rosnou.
O menino não desviava o olhar de mim. Lembrou-me uma cobra, calculando o bote em sua presa.
— Vamos, Liz, está tudo bem. — Nathaniel deu um passo calculado para o lado, pretendendo aumentar nossa distância, mas foi seguido por um passo à frente, dado pelo menino.
— Me deixe apenas falar com ela, tocá-la por alguns minutos. — A voz do menino salivava, e uma mistura de medo e repugnância saltou no meu estômago.
— Eu estou te avisando! Não quero machucar uma criança! — Foi a primeira vez que o vi ameaçar alguém, não imaginei que sua voz pudesse soar tão feroz.
— Criança? Machucar? — O menino riu rouco. — Você não faria isso, eu sei que é incapaz de ferir alguém. Um fraco.
Então, tudo foi muito rápido. O menino saltou com a faca apontada para Nathaniel. O último som que ouvi foi o de meu grito, unido ao berro de ódio do menino, que pareceu ter gritado o meu nome. Ou talvez, eu estivesse confusa. Nathaniel me segurou e em um piscar de olhos, nos trouxe para casa são e salvos.
— Você está bem, Liza? — perguntou. Sua voz saiu carregada. Tensa.
Cambaleei para trás na sala. Fiquei muda alguns instantes, tentei assimilar tudo o que acabava de acontecer.
— Como sou idiota! Jamais deveria ter levado você em um lugar como aquele à noite. Prometo que jamais te colocarei em perigo novamente. Fui um imbecil, me perdoe.
— Eu estou bem. Não precisa pedir desculpas. Preciso só de alguns minutos até voltar ao normal. — Me senti fraca, atônita.
— Senta aqui. Vou buscar água. — Seu toque em meu ombro me acalmou um pouco, me joguei no sofá.
Ele voltou com a expressão preocupada.
— Beba, Liz. Coloquei um pouco de açúcar, vai se sentir melhor.
Virei o copo e me deitei no sofá. Nathaniel se ajoelhou no chão e passou seu braço por baixo de minha cabeça. Seu rosto ficou a milímetros do meu.
— Está melhor?
— Estou bem.
Perdi a voz novamente ao ver suas esmeraldas tão próximas. Senti-me corar.
— Mentirosa. — Ele sorriu um pouco mais relaxado.
— Só estou tentando entender o que acabou de acontecer.
— Esqueça isso, Liza.
— Você sabe que não é fácil assim. Aquele garoto parecia lhe conhecer, a forma como ele falou... E também tenho quase certeza de que ele disse o meu nome, antes de você nos trazer para cá.
— Bobagem, Liz. Era apenas um pobre garoto, talvez estivesse drogado. Mas não vou mais te deixar sozinha. A partir de hoje, vou te buscar no trabalho.
— Isso não é necessário. O trabalho é perto e eu gosto de caminhar sozinha, me ajuda a pensar.
— Liza, se algo acontecer a você, eu não poderei conviver com o pensamento, de que poderia ter sido evitado.
— Nathaniel, eu não quero que você seja a minha babá.
— E se eu insistir? — Ele mordiscou o meu queixo indo lentamente até o pescoço, usou a voz que me fazia derreter.
— Não consigo ser racional quando você faz isso. Não é justo. — As palavras mal saíram enquanto ele espalhava beijos e mordidas pelo meu pescoço. — Tudo bem, eu deixo.
— Ótimo! — Falou erguendo sua cabeça, e me envolveu com a conhecida sensação morna, causada por seus olhos agora cinza derretido.
Nathaniel se tornava um expert em me desviar de meus pensamentos. Mas eu não poderia ignorar as coincidências macabras que se acumulavam. As cartas de madame Nadja insistiam em torturar nossa suposta paz. Sua previsão foi terrível demais. De acordo com ela, seria algo do qual não poderíamos escapar. Por mais que eu não quisesse acreditar naquilo, o destino cruel e perverso jogava as certezas sobre mim.
Nathaniel foi me esperar no quarto enquanto fui tomar um banho fervendo, em uma tentativa de colocar a cabeça no lugar e afastar os calafrios. Liguei o chuveiro e mergulhei na água relaxante.
Foi só uma previsão, Liza. Cartas de Tarot. Não quer dizer que seja verdade. Se você contar para o Nathaniel, ele vai enlouquecer.
Lutei para esquecer, mas foi impossível.
Ao sair do boxe, uma névoa negra se espalhava pelo banheiro. Um sussurro no ar serpenteava pelos cantos. E dessa vez, não havia dúvidas. Foi o meu nome que ouvi.
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