Capítulo 22

SUSTO

Liza 

Molhei o rosto com a água da pia para me acalmar e voltei ao quintal. Não precisei explicar aos meus amigos o que aconteceu. Eles ouviram os gritos de Raquel: “Devoradora de homens!” Seus berros agudos, ainda reverberavam de maneira ensurdecedora em meus tímpanos. Terminei os brownies com Ben e Amanda me olhando de soslaio. Deduzi que ambos contavam os segundos até que eu surtasse. Aparentemente, nenhum deles se arriscaria sendo o primeiro a falar, mas eles não faziam a menor ideia do meu outro problema. Das vozes no escuro. Do medo. Das alucinações. E eu não podia contar isso a ninguém. Algo me dizia que seria melhor se não soubessem. Quanto a Raquel, ao menos eu sabia que agora ela estaria protegida por Ethan. E caso estivesse mesmo interessada nele, acabaria por abandonar seus hábitos alcoólicos e suas amizades recém-adquiridas.

— Gente, vocês podem relaxar. Eu não vou surtar. — Notei os dois soltarem o ar que prendiam há algum tempo.

— Acho ótimo, Liza! Ela não merece o esforço. — Amanda sempre me protegia.

— Vamos deixar esse assunto para lá? — pedi antes que Ben dissesse alguma coisa.

Aceitando a minha deixa, Ben falou mais animado:

— O que as senhoritas vão fazer amanhã? Preciso trocar um casaco e vocês sabem que homem sozinho no shopping é coisa de mulherzinha.

— Está com medo que descubram você, florzinha? — zombou Amanda, apertando a bochecha dele.

— Rá! Vou te mostrar a flor. Querem ir comigo? Podemos aproveitar e almoçar, ou pegar um cinema, sei lá.

— Eu topo o shopping e o almoço, Ben. Mas o cinema, eu não sei, não confio muito no seu gosto para filmes. — Pisquei o olho.

— Ele disfarça, Liza! Com a gente assiste a filme de ação, mas já flagrei ele sozinho assistindo A Bela e a Fera. E ele nem piscava.

— Dormiu com um palhaço, Amanda? — Ben retrucou salivando sarcasmo. — Vou deixar as minhas meninas que se encontram TÃO espirituosas e irei me retirar para o meu leito. Não me acordem antes do meio dia, ok? — Bocejou. — As lojas só abrem depois disso, e eu quero dormir até ficar com dor nas costas.

— Boa noite, preguiçoso — provocou Amanda.

— Adorei o jantar, Liza — disse a mim, antes de sair, ignorando Amanda propositadamente. E Ben venceu a guerra.

***

Tive mais uma noite sem sonhos e sem Nathaniel. Ainda bem que havia marcado a ida ao shopping com Ben e Amanda. Se não fosse por isso, passaria o domingo todo na cama imaginando onde estava Nathaniel.

Abri a porta do quarto de Raquel e deduzi que ela tivesse dormido na casa de Ethan. Apesar de estar triste por saber que ela nutria sua raiva por mim, pelo menos de agora em diante, eu saberia por onde ela andava. Encontrei o quarto de Amanda também vazio. Bati na porta de Ben, depois de me certificar que já passava do meio dia. Escutei seu ronco leve se interromper com um engasgo.

— Entra ai — pediu com a voz embolada.

— Oi, Ben, já estou pronta. A Amanda não está aqui, ela falou com você antes de sair?

— A louca deve ter ido na frente, com medo das lojas fechadas venderem tudo antes dela chegar — resmungou e se espreguiçou. — Em vinte minutos fico pronto.

— Ok. Vou te esperar lá embaixo.

Após sairmos, comecei a me preocupar com Amanda. Estávamos no carro de Ben e já se passava mais de meia hora da minha última mensagem, ainda sem resposta. O shopping não ficava dentro de Winterhill. Era um Outlet na estrada e estava chovendo.

Por que ela iria sozinha até lá, de ônibus, nesse frio?

Estacionamos perto da entrada e mandei outra mensagem para seu celular, já que ela não atendia minhas ligações.

“Cadê você???? Chegamos! Me liga!”

Eu andava tão absorta que somente ao descer do Chrysler, reparei:

— Ben, você mudou de carro? De novo?

— Há três meses, Liza. — Ele riu e meneou a cabeça para os lados. — Como você é observadora!

— Ah, você muda de carro mais do que eu de roupa.

— Você não troca tanto de roupa assim. — Moveu as sobrancelhas me olhando de cima. Era muito mais alto que eu. Esbocei um sorriso. — Relaxa, garota! Você não conhece a Amanda? Deve estar enlouquecida em alguma liquidação. — Ele passou o braço nos meus ombros ao notar minha tensão.

— É, daqui a pouco ela me liga — concordei sem muita convicção.

Passeamos pelas lojas e Ben trocou o casaco. Já andávamos há quase duas horas quando ele insistiu que estava faminto, e não esperaria mais por Amanda para almoçar. Fomos até a praça de alimentação e olhei de novo o meu celular.

Haviam onze mensagens enviadas para ela na minha caixa de saída.

Terminamos de comer e precisei ir ao banheiro. Parei na soleira da porta e liguei de novo para ela. Caixa postal. Que saco, Amanda!

Entrei no banheiro e empurrei a porta de um dos lavabos. Levei as mãos à boca ao me deparar com a cena.

Ouvi uma voz gritar assustada.

Demorei alguns segundos até entender que o eco berrante no banheiro era do meu grito.

Duas meninas, de no máximo dezoito anos, jaziam caídas no chão. Uma de cada lado do vaso sanitário. Tinham parte da cabeça apoiada na parede, perturbadoramente moles. Seus olhos estavam abertos, arregalados. Suas bocas insinuavam um grito que foi silenciado. A expressão das duas me fez imaginar que viram algo assustador, abominável. A pele de ambas tinha o tom arroxeado, como se suas almas tivessem se apressado em deixar seus corpos, por puro medo.

Observei cada uma segurando uma flor pequena em suas mãos, as pétalas me pareceram negras.

Pisquei os olhos para o que aconteceu a minha frente

Pisquei de novo para me certificar.

Não é possível!

As flores se encolheram até desaparecerem no ar.

Será que estou vendo coisas?

Inspirei novamente o aroma pesado de sal, de terra, de orquídea.

Meu nariz ardeu, enquanto meu batimento totalmente descompassado tirou o meu ar.

*** 

Uma alma e seu corpo...

A alma sentia que o corpo habitado enfraquecia. Necessitava de cuidados o tempo todo.

Irritou-se.

As humanas eram debilitadas como sempre. Pouco lhe nutriam.

Seriam mais e mais jovens a cada vez.

Uma lhe foi pouco.

Duas pelo visto não seria o bastante.

Infelizes! Sibilou pelo banheiro.

A garota ali parada, mal podia esperar.

A alma executava seu plano.

E tudo saia exatamente como previsto.

Seu vigor estaria em plena força, até a data se aproximando.

Seria esse o dia. O dia em que seu sonho enfim, despertaria o pesadelo de todos à sua volta.

Teria finalmente a alma necessária. E então uma morada.

Para sempre.

Algumas perdas se fazem necessárias para maiores ganhos...

***

Liza

 

Senti duas mãos me tocarem de leve nos ombros. Pulei para trás com o susto. Era Ben. Obviamente foi atraído pelo meu grito. Suspirei aliviada. Ele apenas arregalou os olhos, pesaroso, e me puxou para fora dali.

— Vem, Liza. Vou alertar a segurança do shopping. Ligue de novo para Amanda.

Muito nervosa, liguei incessantemente. Continuava caindo na caixa postal.

— Que droga, Amanda! — resmunguei sozinha.

Relatei ao segurança o ocorrido. Ele nos pediu que esperássemos a polícia chegar para narrar novamente os fatos. Após mais uma hora repassando aquela cena tenebrosa, fomos liberados. Olhávamos a quarta loja que sabíamos ser uma das preferidas de Amanda. Ben andava mudo ao meu lado, tinha as mãos fechadas em punho, tenso. Foi a primeira vez que o vi tão sério.

Por favor, Amanda! Será que alguma coisa aconteceu com você?

Vimos um cabelo loiro balançando alegremente a alguns passos na nossa frente, carregando um monte de sacolas. Senti o sangue voltar ao meu rosto. Ben a alcançou e a puxou do chão em um abraço antes que ela tivesse tempo de reagir:

— Sua imbecil, idiota, maluca que não atende. Graças a Deus você está bem!

De volta ao chão, Amanda nos olhou tentando nos decifrar. Eu pensei que nunca mais conseguiria fechar os olhos. Minhas órbitas se mantinham arregaladas pelo susto. Seria impossível parar de pensar nas garotas. Ben suspirava aliviado.

— O que aconteceu com vocês dois?

— Amanda, eu estou há três horas te ligando. Enviei umas vinte mensagens — respondi.

Ela colocou a mão no bolso da calça e olhou o visor:

— Ih, desculpa. Minha bateria morreu.

— Por que você veio antes de nós, Amanda? Por que não deixou um recado? — indaguei ríspida, mas aliviada.

— Fala sério, Liza, o Ben sempre muda de ideia quanto a vir ao shopping, e eu não quis acordar você. Não reparei que minha bateria estava caindo. Por que vocês estão com essas caras vermelhas, úmidas e nervosas?

— Acabamos de encontrar duas garotas assassinadas no banheiro, e você não atendia a droga do celular! — foi Ben quem respondeu. Eu não tinha mais forças para repetir aquela história.

Amanda nos olhou assustada, e voltamos silenciosos. O aroma ardente impregnou mais uma vez minhas narinas ao chegarmos em casa.

Cheiro de sal, de terra, de orquídea.

Uma presença fria gelou minhas costas.

— Vocês estão sentindo esse cheiro? — perguntei. Ben e Amanda menearam a cabeça, atônitos.

Tentei ignorar esse mau presságio.

Desci do carro e, ao chegar ao meu quarto, fui obrigada a concluir que o cheiro ardente trazia uma presença. E o que quer que fosse isso, veio atrás de mim.

Uma mão gelada segurou meu pescoço.

Outra mão abafou o meu grito.

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Oláá, eu não disse que só iria piorar? rs

E aí? O que acharam? Deixem estrelinha e comentário! =)

bjosss

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